Aspectos relevantes da corretagem imobiliária
O instituto da corretagem no âmbito imobiliário exige um conhecimento técnico das características e dos elementos do contrato de corretagem imobiliária, assim como um exame atento de questões jurídicas controvertidas, como a permissibilidade ou não de restituição judicial das quantias recebidas a título de comissão, em caso de resolução ou rescisão contratual.
Com o considerável aumento da importância do cenário imobiliário no mundo dos negócios, aumentaram também os riscos empresariais de investimento no setor. Neste prisma, cada vez mais é exigida pelo mercado uma corretagem imobiliária séria e compromissada com o negócio maior, em que todos saiam lucrando. Por natureza, os riscos da corretagem imobiliária são inerentes ao negócio, pois na medida em que este não se concretiza, nada é devido ao corretor. Mas qual é o momento da “concretização” negocial?
Entende-se por corretagem o contrato em que uma pessoa, sem ligação por mandato, prestação de serviços ou outra relação de dependência, obriga-se a obter para outra um ou mais negócios, consoante instruções previamente recebidas. É nestes termos a literalidade do art. 722 do Código Civil[1]. De um lado está o comitente ou dono do negócio, que é quem contrata a intermediação, e de outro está o corretor[2], que é quem, na forma do art. 723 do Código Civil, deverá executar a mediação com diligência e prudência, prestando ao cliente todas as informações sobre o andamento dos negócios, sob pena de responder por perdas e danos.
O contrato de corretagem imobiliária apresenta caráter acessório, pois é apenas um instrumento criado pelo desenvolvimento dos negócios para chegar-se à conclusão do contrato principal – a venda de uma unidade imobiliária. Além disso, pode ser verbal ou escrito, e “pode concretizar-se por cartas, telefonemas, mensagens informáticas, etc.”[3] Principalmente, é uma obrigação de resultado, pois, como se verá a seguir, a corretagem depende do êxito na firmatura do contrato principal.
Uma vez contratado, o corretor deve agir com diligência e prudência, atendendo, principalmente, o princípio da boa-fé objetiva que rege os contratos. Isso porque o corretor é aquele em quem foi depositado um alto grau de confiabilidade, sendo certo que sua atuação pode (e deve) ser determinante para a conclusão saudável e próspera do negócio principal. Em outras palavras, no âmbito imobiliário, não pode o corretor, por exemplo, omitir detalhes do imóvel cuja venda está intermediando, como infiltrações na época de chuvas, defeitos construtivos, etc. Se o fizer, poderá ser demandado judicialmente por eventuais perdas e danos causados, na forma do parágrafo único do art. 723 do Código Civil[4]. Neste sentido são os dizeres de Luiz Antônio Scavone Junior:
Nos termos desse artigo, de importantes consequências, é possível afirmar que o corretor deve informar tudo o que sabe sobre o negócio, sob pena de responder por perdas e danos em razão de sua omissão dolosa.
Isso significa que só haverá responsabilidade caso o corretor seja negligente, deixando de verificar os aspectos normais do negócio e, também, por evidente, se deixar de esclarecer fatos relevantes que possam influir negativamente na venda.
(…)
Em outras palavras, não basta o corretor imaginar que não está prejudicando as partes. Exige-se, igualmente, a cautela em razão de sua especialidade.[5]
A remuneração do corretor é denominada comissão de corretagem. A esse respeito, reza o art. 724 do Código Civil:
Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Segundo a mesma doutrina[6], existem duas correntes que discorrem sobre quem deve pagar a comissão ao corretor. A primeira sustenta que é sempre o vendedor, considerando que foi ele quem recebeu os valores pelo pagamento do imóvel e, portanto, deve repassar ou separar a medida da remuneração do mediador. Já outra parte da doutrina entende que o corretor deve ser pago por quem o contratou, que pode ser tanto o vendedor, como o comprador[7]. Efetivamente, a segunda corrente é mais justa, seja pela interpretação do art. 722 do Código Civil, ou mesmo porque “nada impede que o contratante seja o próprio comprador, interessado na aquisição de imóvel com determinadas características, preço etc.”[8]
Quanto aos valores envolvidos na comissão, consoante tabela de honorários extraída do site oficial do Conselho Regional de Corretores do Rio Grande do Sul:
VENDA DE IMÓVEIS URBANOS E RURAIS: 6% (seis por cento)
Os honorários serão devidos quando ocorrer o acordo entre as partes sobre as condições essenciais do negócio e a consequente formação, entre elas, de um vínculo jurídico (carta proposta, ajuste preliminar, arras, promessa de compra e venda, escritura, etc.).
b) Os honorários serão pagos, sempre pelo vendedor, salvo acordo ou ajuste prévio entre as partes.
COMPRA: 4% (quatro por cento)
a) Autorização expressa para compra de imóveis urbanos e rurais.
b) Serão pagos pelo comprador, sem prejuízo daquela paga pelo vendedor.[9]
Imprescindível, para se verificarem os valores e condições atinentes à comissão de corretagem, a observação dos costumes e práticas de cada local.
2.1 Etapas da corretagem imobiliária
É possível vislumbrar, no âmbito imobiliário, a consecução de três etapas distintas para, enfim, fazer jus o corretor ao recebimento da comissão. São elas: a aproximação das partes, o fechamento do negócio e assinatura do contrato[10].
A primeira etapa diz respeito unicamente ao trabalho do corretor de ofertar, a terceiros, um imóvel a ele confiado, geralmente através anúncios, muitos deles realizados via internet. Pretendendo vender um imóvel, determinada pessoa confia a um corretor a intermediação, permitindo-o a divulgar anúncios, marcar visitas, esclarecer detalhes, etc. Havendo alguém interessado por vender e outro interessado por comprar determinado imóvel, o corretor aproxima as partes, levando a efeito as tratativas iniciais.
A segunda etapa é a de acertamento entre a proposta e a aceitação. Neste âmbito, podem haver diversos contatos a título de negociação, contrapropostas, a fim de que se chegue a um denominador comum. É nesta etapa que incumbe ao corretor buscar solucionar eventuais entraves na negociação, sempre, como visto alhures, à luz da boa-fé objetiva e sem induzir um negócio arriscado e sem segurança jurídica. Não se concebe que um corretor feche um negócio apenas visando o lucro, sem perceber inescrupulosamente que poderá estar causando graves danos a uma das partes ou a ambas. Aceitando a proposta, por escrito ou verbalmente, estabelece-se o vínculo jurídico, na forma do art. 427: “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.
A terceira e última etapa se dá com “a efetiva assinatura da escritura pública ou particular de compra e venda (Código Civil, art. 108) ou do instrumento particular de promessa de compra e venda”[11].
2.2 Risco da corretagem e momento do pagamento da comissão
O que deve ficar sempre claro para quem busca a negociação de um imóvel, seja na qualidade de vendedor, comprador ou corretor, é que a corretagem é um contrato de risco, no qual o corretor assume a intermediação de um determinado negócio, podendo nada ganhar se este não se perfectibilizar, isto é, se este não atingir o chamado resultado útil[12]. Resultado útil é aquele advindo da consecução positiva das três etapas acima delineadas, com a aproximação das partes, aceitação de proposta e firmatura do instrumento de compra e venda (geralmente uma promessa de compra e venda e/ou escritura pública). Não basta que o corretor aproxime as partes e que estas fechem o negócio se, por qualquer motivo (e.g. arrependimento de uma das partes, negativa de concessão de financiamento, etc.), o negócio não obtém um resultado positivado contratualmente.
No caso de imóveis, a perfectibilização do direito depende do registro do ato negocial no Cartório de Registro de Imóveis para fins de transferência da propriedade e de outros direitos reais (artigos 1.227 e 1245-1246, do Código Civil). No entanto, para fins de fazer jus à comissão, a priori, bastaria a assinatura da promessa de compra e venda. Neste sentido é o entendimento consolidado da Jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, em decisão prolatada em 17 de março de 2011:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMISSÃO DE CORERTAGEM. NEGÓCIO IMOBILIÁRIO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL. PAGAMENTO DE SINAL. POSTERIOR ARREPENDIMENTO DO COMPRADOR. RESCISÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE CULPA DA CORRETORA. COMISSÃO DEVIDA. RECURSO NÃO-PROVIDO. 1. (…) 4. Embora o serviço de corretagem somente se aperfeiçoe quando o negócio é concretizado, dado o risco inerente à atividade, não se pode perder de vista que, nos negócios imobiliários – os quais dependem de registro do ato negocial no Cartório de Registro de Imóveis para fins de transferência e aquisição da propriedade e de outros direitos reais (CC/2002, arts. 1.227, 1245-1246) -, a intermediação da corretora pode encerra-se antes da conclusão da fase de registro imobiliário. Por certo, quando as partes firmam, de algum modo, atos, com mediação da corretora, que geram obrigatoriedade legal de proceder-se ao registro imobiliário, tal como ocorre no caso de celebração de promessa de compra e venda ou de pagamento de sinal, torna-se devida a percepção de comissão de corretagem, mormente quando eventual desfazimento do negócio não decorrer de ato praticado pela corretora. 5. No caso em exame, conforme salientado pelas instâncias ordinárias, houve uma fase preliminar de negociações, seguida de uma fase intermediária de celebração do contrato de cessão e transferência dos direitos e obrigações constantes de promessa de compra e venda, com o pagamento do valor de R$ 62.000,00 a título de sinal, sendo certo que essas duas etapas foram intermediadas pela corretora de imóveis. Com a celebração desse contrato encerrou-se o ofício da corretora, a qual deu por concretizada a venda, recebendo, naquela data, o cheque pós-datado referente à comissão de corretagem. A partir daí, o ora recorrente munido do contrato, providenciou, como lhe competia, o financiamento do restante do valor do imóvel junto a uma instituição financeira. Contudo, durante o trâmite do processo de financiamento imobiliário, o contratante discordou do valor das prestações a serem pagas, rescindindo o contrato e sustando o cheque em apreço. 6. Se havia documento válido a corroborar o negócio jurídico – suficiente para a exigência do registro imobiliário -, não obstante seu posterior desfazimento, é salutar reconhecer que a corretora alcançou o “resultado útil” da avença. Destarte, formalizado o contrato particular de cessão e transferência de imóvel entre as partes interessadas, o direito à percepção de comissão de corretagem é incontestável, ainda que, por posterior rescisão contratual, mas não por culpa da corretora, o negócio jurídico não alcance a fase de registro imobiliário. 7. As instâncias ordinárias, soberanas na análise e interpretação do acervo fático-probatório dos autos, concluíram que não há cogitar na responsabilidade da corretora pela rescisão contratual, sobretudo porque ela apresentou as devidas informações quanto aos valores das parcelas do financiamento imobiliário, não podendo ser a ela imputada a culpa pela não concretização do negócio jurídico. Tem-se, nos termos das conclusões da c. Corte local, que a rescisão contratual decorreu de vontade externada pelo próprio contratante e sua esposa – provavelmente por insatisfação com o valor das prestações mensais do financiamento bancário. 8. Recurso especial a que se nega provimento.[13]
No entanto, há casos em que mesmo com a assinatura da promessa de compra e venda não surgiria a obrigação de pagar a comissão de corretagem. Por exemplo, são casos como o da pendência de cláusula resolutiva[14] no contrato e a existência de contrato entre o dono do negócio e o mediador (corretor), prevendo o recebimento em momento posterior, por implementação de alguma condição negocial.
Por outro lado, o entendimento jurisprudencial mostra-se exigente quanto a possível desistência (diferente de arrependimento) do negócio pelas partes ainda na fase das tratativas. Neste caso, certamente que não há direito ao recebimento da comissão. Veja que interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça, caso no qual houve até pagamento de sinal pelo comprador, mas, após análise de certidões, houve arrependimento do negócio, não surgindo direito à comissão:
CIVIL. CORRETAGEM. COMISSÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. NEGÓCIO NÃO CONCLUÍDO. RESULTADO ÚTIL. INEXISTÊNCIA. DESISTÊNCIA DO COMPRADOR. COMISSÃO INDEVIDA. HIPÓTESE DIVERSA DO ARREPENDIMENTO. 1. (…) 3. Pelo novo regime, deve-se refletir sobre o que pode ser considerado resultado útil, a partir do trabalho de mediação do corretor. A mera aproximação das partes, para que se inicie o processo de negociação no sentido da compra de determinado bem, não justifica o pagamento de comissão. A desistência, portanto, antes de concretizado o negócio, permanece possível. 4. Num contrato de compra e venda de imóveis é natural que, após o pagamento de pequeno sinal, as partes requisitem certidões umas das outras a fim de verificar a conveniência de efetivamente levarem a efeito o negócio jurídico, tendo em vista os riscos de inadimplemento, de inadequação do imóvel ou mesmo de evição. Essas providências se encontram no campo das tratativas, e a não realização do negócio por força do conteúdo de uma dessas certidões implica mera desistência, não arrependimento, sendo, assim, inexigível a comissão por corretagem. 5. Recurso especial não provido.[15]
Portanto, verifica-se que o momento do pagamento da comissão, isto é, o seu marco temporal, é determinado pelo cumprimento positivo das três etapas já explicadas, concluído pela assinatura de um documento capaz de gerar direitos com condições de registro no ofício imobiliário, geralmente a promessa de compra e venda de imóvel, o que também pode ter exceções.
2.3 A exclusividade e a dispensa do corretor
O contrato de intermediação por corretagem pode ser ajustado com cláusula de exclusividade, caso em que, geralmente, o vendedor vinculará a venda do imóvel a corretor escolhido (ou à pessoa jurídica escolhida). Neste caso, diz o art. 726 do Código Civil, que, havendo cláusula de exclusividade, se o negócio for iniciado e concluído diretamente pelas partes, haverá direito à comissão integral, salvo caso de comprovada inércia ou ociosidade do intermediador.
Por outro lado, se o corretor for dispensado dos trabalhos, e o negócio se concretizar com as mesmas partes, a comissão será devida ao intermediador. A regra em questão é a contida no art. 727 do Código Civil e visa proteger o corretor da má-fé de alguma das partes[16]:
Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.
A ideia central deste dispositivo é que o negócio somente se torna possível pela aproximação protagonizada pelo corretor, mesmo que inicial. Todavia, se o negócio inicia com um corretor, e se concretiza com um segundo, a remuneração será paga a todos, em partes iguais, salvo estipulação em contrário (art. 728 do Código Civil).
Reza o art. 725 do Código Civil que “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes”.[17] Quer dizer que, se o negócio foi efetivamente concretizado pela atuação do corretor, cumprindo os princípios de direito e as etapas da mediação, a comissão é devida. E, havendo arrependimento posterior de um dos contratantes, mesmo assim será devida a comissão contratada. Trata-se do arrependimento imotivado.
Fato é que o corretor não pode se responsabilizar pela simples “mudança de ideia” de um dos contratantes. Sem motivo justificável, uma vez ultimada a mediação, a comissão é plenamente devida.
Imaginemos uma situação em que um indivíduo firma com uma construtora/incorporadora um contrato de promessa de compra e venda de uma unidade ainda em construção, para ali futuramente residir e estabelecer moradia familiar, e paga a comissão de corretagem a terceiro intermediador. Tempo depois, a construtora entra em contato com o promitente comprador informando que as obras estão atrasadas (sem força maior ou caso fortuito) e que teriam atraso de mais quinze meses para entrega da unidade. Além disso, ao visitar a obra, verifica com auxílio de um técnico particular diversos defeitos construtivos sérios.
Diante disso, resolve promover ação de resolução contratual. Teria ele direito a receber também as parcelas pagas a título de comissão de corretagem?
A questão aqui é averiguar a existência ou não de culpa por alguma das partes. Como a construtora, no exemplo, agiu com culpa em relação à inexecução tempestiva da obra e nos vícios construtivos, não é justo que o promitente comprador arque com esta despesa. Questão fática semelhante já foi tratada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão prolatada em 19 de abril de 2012, nos autos da apelação cível nº 70048061170, de relatoria da Ilustre. Des. Nara Leonor Castro Garcia. Foi assentado:
A devolução do valor da comissão de corretagem aos AA. é devida, pois tal despesa está vinculada essencialmente ao negócio que se desfez, por culpa exclusiva da R., e, sendo a intenção o retorno ao status quo anterior, não podem os AA. ser obrigado a suportar esse prejuízo quando não deram causa à rescisão.[18]
Neste caso, foi autorizada a restituição dos valores cobrados a título de comissão de corretagem da própria construtora em falta, não obstante a intermediação tenha sido realizada por terceiro. Já em outro caso de resolução de contrato por atraso de obra, o pedido de restituição dos valores a título de comissão de corretagem foi indeferido, julgando-se extinto o feito sem resolução de mérito em relação a este pleito, por ilegitimidade passiva, nestes termos:
Quanto à comissão de corretagem, tratando-se de honorários profissionais de intermediação, pagos ao corretor, o respectivo valor não se integra ao preço do imóvel, especialmente porque o provimento atingiria terceiro alheio às partes litigantes, porquanto se constitui remuneração de serviços de terceiros, pessoa física ou jurídica, vinculados à vendedora apenas em função da intermediação, que aproxima as partes para a realização do negócio.
Assim, não há o que ser restituído a título à taxa de intermediação ou comissão de corretagem.[19]
Se por um lado a ação de resolução contratual foi direcionada em face da construtora, sendo que não foi ela quem recebeu a comissão de corretagem e por isso não teria como “restituir” aquilo que nunca recebeu, por outro não é justo permitir cobrar do corretor que finalizou seu trabalho de acordo com a lei, com os bons costumes e com os princípios contratuais. Afinal, se a falta foi do construtor/incorporador, não é justo nem crível que se possa cobrar do intermediador, que nada contribuiu para o atraso da obra. E, na face oposta, o promitente comprador não pode ser lesado e perder aquilo que pagou, mesmo a título de comissão de corretagem, até mesmo porque é aplicável nestes casos o Código de Defesa do Consumidor[20].
No entanto, entendemos que a solução é simples. É fato que o comando procedente na ação de resolução contratual determina “a volta ao status quo ante”, obviamente apenas em relação às partes litigantes. Assim, se foi o promitente comprador quem pagou a comissão de corretagem e pretende reavê-la da construtora em falta, necessário cumular à demanda um pedido indenizatório a título de danos materiais, comprovando os requisitos para a responsabilização civil em relação ao dano patrimonial causado. Com isso, passa a comissão a ser devida com natureza indenizatória, e não mais restituitória, resolvendo o impasse.
Tem-se visto bastante também ações de resolução contratual ajuizadas pela construtora/incorporadora em função do inadimplemento das parcelas pelos promitentes compradores. Nestes casos, se foi a construtora quem pagou a comissão de corretagem, é possível incluir tal verba no percentual de retenção:
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESOLUÇÃO DE CONTRATO. CLÁUSULA PENAL. RETENÇÃO. PERCENTUAL. A estipulação de cláusula penal – que é a pré-determinação das perdas e danos – em 30% sobre as parcelas pagas, revela-se excessiva. Estipulação que deve ficar entre 10% e 20% do valor total pago, devidamente corrigido, na forma do art. 924 do Código Civil. Hipótese concreta em que se admite a retenção de 20% sobre os valores pagos. JUROS MORATÓRIOS DAS PARCELAS A SEREM DEVOLVIDAS PELA AUTORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO, E NÃO A DATA DO VENCIMENTO DE CADA PARCELA. INDENIZAÇÃO PELO USO DO IMÓVEL, PELO PERÍODO EM QUE PERDUROU A INADIMPLÊNCIA, EM FORMA DE LOCATÍCIO. POSSIBILIDADE. (…) COMISSÃO DE CORRETAGEM. Demonstrado, de forma escorreita, o efetivo pagamento da comissão de corretagem, possível incluir entre os valores a serem retidos pela promitente vendedora. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.[21]
Interessante o caso abaixo, em que a construtora foi declarada ilegítima para cobrar comissão de corretagem, considerando que foi o corretor quem recebeu os valores:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INADIMPLEMENTO. RETENÇÃO DE 10% DO TOTAL DAS PARCELAS PAGAS. COMISSÃO DE CORRETAGEM. ILEGITIMIDADE. RECONVENÇÃO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. Resta assentado, pela prova produzida, o inadimplemento da ré reconvinte frente às parcelas do contrato. Retenção de 10% do total das parcelas pagas concedida à autora reconvinda como indenização pela frustração do negócio. Reconvenção procedente para condenar a autora reconvinda à devolução das parcelas pagas, excluída da retenção autorizada. A autora não possui legitimidade ativa para cobrar comissão de corretagem, pois esta é devida ao Corretor de Imóveis e não à construtora. Apelação da autora parcialmente provida e prejudicada a da ré reconvinte. [22]
Outrossim, também há o entendimento de que a resolução do contrato por inadimplemento não dá direito à restituição da comissão de corretagem:
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. RECONVENÇÃO. INADIMPLEMENTO INCONTROVERSO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA. CLÁUSULA PENAL. Ainda que o contrato celebrado entre as partes contenha previsão de retenção de 25% dos valores pagos no caso de rescisão, tal cláusula se mostra abusiva, devendo ser reduzida para 20% do valor pago pelos compromissários. Sentença reformada, no ponto. COMISSÃO DE CORRETAGEM. Indevida a devolução, pela compromitente, das verbas pagas a terceiro, intermediador do negócio, a título de comissão de corretagem. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.[23]
Aparentemente simples, o tema da comissão de corretagem pode revelar várias questões jurídicas de grande incerteza e discussão perante a doutrina e a jurisprudência, como o risco do contrato, as etapas a serem cumpridas fielmente pelo corretor (desde a aproximação das partes, passando pela fase de propostas até a assinatura da promessa de compra e venda imobiliária, tudo à luz do princípio da boa-fé objetiva e da lealdade), a desistência e o arrependimento.
Assim como o advogado em certos casos, o corretor depende do êxito no negócio. Hoje em dia os negócios relevantes não se fazem mais verbalmente, tempos em que a intermediação realizada pelo corretor de imóveis cumpre um papel de extrema relevância.
6. Referência bibliográfica
DOUTRINA:
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário – Teoria e prática. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie. Volume 3. 3ed. São Paulo: Atlas, 2003
CRECI-RS. Http://www.creci-rs.org.br. Acessado em 20/06/2012, às 16hs40min.
JURISPRUDÊNCIA:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1228180/RS, da Quarta Turma, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 17/03/2011, DJe 28/03/2011.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1183324/SP, da Terceira Turma, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 18/10/2011, DJe 10/11/2011.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70048061170, da Décima Oitava Câmara Cível, Relatora: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 19/04/2012.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70046410379, da Vigésima Câmara Cível, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 14/12/2011.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70048072219, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/04/2012.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70042262048, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 26/05/2011.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70036436228, da Décima Nona Câmara Cível, Relator: Guinther Spode, Julgado em 07/12/2010.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70045966835, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 15/12/2011.
[1] Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie. Volume 3. 3ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 563.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. Cit., p. 564.
[4] Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.
Parágrafo único. Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.
[5] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário – Teoria e prática. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 285.
[6] Ibidem.
[7] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio, ob. cit., p. 294.
[8] Idem.
[9] http://www.creci-rs.gov.br/site/le_noticias.php?id=510. Constam ainda, como cláusulas gerais:
a – Os honorários não pagos no ato, obrigatoriamente serão corrigidos pelo IGPM (Índice Geral de Preços de Mercado), ou outro índice que o venha substituir, mais juros de 12% ao ano, inclusive naqueles devidos pelas imobiliárias aos Corretores em regime de coparticipação;
b – É vedado ao Corretor de Imóveis contratar serviços de Corretagem, com índices inferiores aos determinados na presente tabela;
c – Assinado o contrato entre o Corretor de Imóveis e seu cliente, a remuneração será devida, uma vez que o Corretor de Imóveis tenha alcançado o resultado previsto no contrato, mesmo que este não efetive em virtude de arrependimento das partes, comprador e vendedor, conforme texto do art.725, do CCB;
d – Quando for ajustada a exclusividade, terá o Corretor de Imóveis direito aos honorários na integralidade, ainda que realizado o negócio sem a sua medição, conforme o art.726, CCB;
e – Se o dono do imóvel dispensar o Corretor de Imóveis, não havendo prazo determinado em contrato, e o negócio se realizar posteriormente como fruto de sua intermediação, os honorários serão devidos. Igual solução será adotada se o negócio se realizar após o término do prazo contratual, mas por efeito do trabalho do Corretor de Imóveis, conforme art.727 do CCB;
f – Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um Corretor de Imóveis, os honorários serão pagos em partes iguais, salvo ajuste em contrato, conforme o art.728 do CCB;
g – Não estão incluídas nos valores contratados os relativos às despesas de promoção e publicidade em geral, administrativas, bem como despesas de registro e reconhecimento de firmas.
[10] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio, ob. cit., 286.
[11] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio, ob. cit., p. 288.
[12] Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
[13] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1228180/RS, da Quarta Turma, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 17/03/2011, DJe 28/03/2011.
[14] Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
[15] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1183324/SP, da Terceira Turma, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 18/10/2011, DJe 10/11/2011.
[16] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio, ob. cit., p. 293.
[17] Grifo nosso.
[18] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70048061170, da Décima Oitava Câmara Cível, Relatora: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 19/04/2012.
[19] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70046410379, da Vigésima Câmara Cível, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 14/12/2011.
[20] Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. (…) APLICAÇÃO DO CDC. Incontroversa a aplicação, ao caso, das disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor, considerando a presença das figuras do fornecedor, na pessoa da compromitente vendedora, ora apelada e, do consumidor, na pessoa da compradora, ora apelante. (…) CONHECERAM EM PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGARAM PROVIMENTO. UNÃNIME.” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70048072219, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/04/2012)
[21] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70042262048, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 26/05/2011.
[22] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70036436228, da Décima Nona Câmara Cível, Relator: Guinther Spode, Julgado em 07/12/2010.
[23] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70045966835, da Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 15/12/2011.