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O reconhecimento do dano existencial na jurisprudência trabalhista

Por: Fernanda Muraro Bonatto
14/07/2014

Fonte: Jornal do Comércio, Caderno Jornal da Lei – 24/06/2014.

As empresas do ramo da construção civil tem sido alvo de ações trabalhistas em que os funcionários requerem indenização por danos existenciais em virtude de jornadas de trabalho habitualmente acima do limite legal ou em razão da não concessão de férias remuneradas de forma reiterada por parte do empregador.

O dano existencial é tradicionalmente definido como a lesão injusta à vida de relação e aos projetos de vida que caracterizam determinado indivíduo, através da alteração prejudicial do seu estilo de vida e de suas estruturas relacionais. Caracteriza-se, portanto, pelo ato ilícito que venha a perturbar a vida diária da vítima, privando-a de ocasiões para a livre expressão e realização da sua personalidade. Portanto, o dano existencial ocorre quando o indivíduo é forçado a realizar escolhas de vida diversas daquelas que teria realizado se o dano não tivesse ocorrido.

Essa categoria de dano representa uma espécie de dano moral e foi desenvolvida originalmente pela jurisprudência italiana, mas tem sido acolhida nos tribunais brasileiros, principalmente na esfera trabalhista. De fato, vem crescendo nos últimos anos o número de decisões que condenam empregadores ao pagamento de indenizações por danos existenciais causados a trabalhadores.

Na maioria dos casos, as indenizações por dano existencial são deferidas quando fica comprovado que o empregador exige frequentemente jornadas de trabalho excessivas (10 a 15 horas de trabalho diárias) ou não concede férias durante longo período, fazendo com que o trabalhador perca a oportunidade de contato social com amigos e familiares, reduzindo drasticamente os momentos de lazer e convívio social.

Os Tribunais trabalhistas tem entendido que mesmo que as horas extras de trabalho tenham sido remuneradas, o trabalhador sofre dano existencial e deve receber a respectiva indenização se a jornada extraordinária extrapolar o limite legal de oito horas diárias de forma contínua e reiterada. É necessário, no entanto, que o trabalhador comprove que esse trabalho extraordinário alterou prejudicialmente seu cotidiano, impossibilitando o desenvolvimento de seus projetos de vida de maneira plena e sadia.

A fundamentação jurídica utilizada pelos Tribunais trabalhistas para a concessão de indenizações por dano existencial, baseia-se na interpretação de certos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal que regulam as relações de emprego, dentre os quais: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (incisos III e IV, art. 1º da Constituição), o direito social à saúde, ao trabalho, ao lazer e à segurança (art. 6º da Constituição), o direito ao livre desenvolvimento profissional (inciso XIII, art.5º da Constituição) e o direito à jornada de trabalho não superior a oito horas diárias (inciso XIII, art. 7º da Constituição).

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, reconheceu em recente decisão (Recurso Ordinário n. 00124-2013-150-03-00-6, publicado em 22/01/2014) que o direito ao lazer e ao descanso, garantidos pelo art. 6º da Constituição, são direitos fundamentais diretamente associados à relação de trabalho. Assim, segundo o referido julgado, a “prorrogação excessiva da jornada de trabalho” configura ato ilícito, justificando a indenização pelos danos causados, que são chamados de danos existenciais.

Diante desse entendimento, cabe a pergunta: para os Tribunais o que significa a “prorrogação excessiva da jornada de trabalho”? Em outras palavras, quais são os critérios levados em consideração que ensejam o dano existencial por jornada de trabalho excessiva?

Da leitura das decisões mais recentes (entre abril de 2013 e abril de 2014) dos Tribunais Regionais do Trabalho de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, vê-se que, em média, jornadas consideradas excessivas são aquelas em que o empregador exige dedicação de 10 a 15 horas diárias ao trabalho. Também é levado em consideração se houve respeito à folga semanal remunerada, se o trabalho extra também ocorre aos fins de semana e se a exigência do cumprimento de jornadas além do limite legal por parte do empregador é constante, ou seja, se é uma realidade frequente na relação de emprego.

Em decisão recente o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul arbitrou R$ 5.000,00 à título de indenização por dano existencial ao trabalhador que comprovou ter sido submetido à jornada de trabalho excessiva (TRT4 – Recurso Ordinário n. 0001420-60.2012.5.04.0009, publicado em 09/04/2014). O Tribunal considerou que a jornada de trabalho de 12 horas diárias, comprovada no processo, demonstra exigência de trabalho excessivamente longa e desgastante que prejudica o convívio e interação social do trabalhador com sua família e amigos, além de dificultar atividades de lazer e aprimoramento cultural.  Tal conduta do empregador, no entender da decisão do Tribunal, é ilegal e abusiva e configura dano existencial que deve ser indenizado no valor de R$ 5.000,00, considerando que o contrato de trabalho teve duração de apenas seis meses.

Portanto, diante da aceitação cada vez maior do dano existencial pela jurisprudência trabalhista é importante refletir de que modo as empresas podem minimizar o risco de futuras indenizações. Um bom critério balizador, de acordo com as decisões trabalhistas acima mencionadas, seria evitar situações que tornem o trabalho em sobrejornada a regra, quando deveria ser a exceção.

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