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A responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais em caso de aquisição do imóvel mediante arrematação judicial

Por: Maria Angélica Jobim de Oliveira
18/12/2014

À luz do artigo 1.336, inciso I, do Código Civil, é dever de cada condômino “contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”. Esta obrigação atribuída aos condôminos pode ser considerada a mais importante do rol de obrigações constante do artigo supracitado, na medida em que o valor arrecadado com as despesas condominiais é utilizado para a conservação e manutenção do edifício, além de destinar-se às obras e inovações aprovadas pelos condôminos.

Nas palavras do ilustre jurista Caio Mário da Silva: “interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas”[1].

Em relação à natureza jurídica do dever de pagamento das cotas condominiais, tem-se que se constitui uma obrigação propter rem. Isso porque, o artigo 1.345, do Código Civil estabelece que o adquirente da unidade responde pelos débitos do alienante. Vale dizer, caso o imóvel alienado possua dívidas condominiais, o adquirente deve responder, mesmo que as dívidas sejam anteriores à compra e venda.

Nesta mesma linha, o parágrafo único do artigo 4º da Lei 4.591/64, dispõe que “a alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio”.

Sendo assim, considerando o caráter propter rem das cotas condominiais decorrente de lei, nos parece que não há dúvidas de que, na hipótese de ser alienado o imóvel, seja por venda ou por cessão de direitos, a obrigação passa a ser do adquirente.

No entanto, a divergência jurisprudencial surge quando falamos em adquirir o imóvel mediante arrematação judicial. Neste sentido, algumas decisões mantêm o entendimento de responsabilidade do adquirente – no caso o arrematante – e, em contrapartida, outras decisões entendem que o arrematante adquire o bem desembaraçado e livre de quaisquer ônus, não podendo ser responsabilizado por dívidas anteriores.

A corrente que entende pela responsabilidade do arrematante utiliza como fundamento o caráter propter rem da dívida. Além disso, sustentam que o interessado em adquirir um imóvel, seja adquirente ou arrematante, deve procurar conhecer a situação do bem, isto é, deve procurar saber eventuais dívidas que recaem sobre o imóvel que pretende adquirir.

Nesta linha, o jurista Luiz Antônio Scavone Junior, em sua obra dedicada ao direito imobiliário, dispõe que “mesmo na hipótese de o imóvel ser arrematado em hasta pública, o adquirente permanece responsável pelas despesas pendentes, podendo, ao depois, se voltar contra o antigo proprietário”[2].

Este mesmo posicionamento foi adotado no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1280332/SP, da lavra do Ministro Sidnei Benetti, o qual dispôs que “o arrematante de imóvel em condomínio é responsável pelo pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à arrematação”[3].

De outra banda, há quem defenda a flexibilização do caráter propter rem das despesas condominiais nos casos em que o imóvel é arrematado em hasta pública e o edital da praça não faz menção à existência da dívida. O principal fundamento dos adeptos deste posicionamento é que, se não há a menção no edital acerca das dívidas pendentes sobre o imóvel, o arrematante adquiriu o bem confiando na declaração do Poder Judiciário de que a aquisição seria livre de ônus, de tal forma que a eventual responsabilização posterior do arrematante violaria os Princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança[4].

Outro argumento dos aderentes a este posicionamento é que não se pode exigir do arrematante que vá averiguar outras informações além daquelas constantes do edital da praça, tendo em vista que todo o procedimento se dá no âmbito do devido processo legal[5].

Este entendimento parece ser o majoritário no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, embora ainda haja poucos julgados em sentido contrário.

Oportuno mencionar que o artigo 686 do Código de Processo Civil dispõe acerca dos requisitos do edital da praça e o seu inciso V prevê expressamente a necessidade de conter a menção acerca de eventuais ônus existentes sobre o bem. Além disso, o parágrafo primeiro, inciso III, do artigo 694, do mesmo diploma legal dispõe que a arrematação poderá ser tornada sem efeito se o arrematante provar, dentro de 05 (cinco) dias, a existência de ônus real ou de gravame não mencionado no edital.

Portanto, estas questões processuais acerca da arrematação judicial corroboram o entendimento de que o arrematante somente responde pelas despesas condominiais na hipótese da dívida estar expressa no edital da praça, pois, caso o adquirente não tenha conhecimento destas dívidas em razão da omissão do edital, o mesmo pode inclusive pedir a anulação da arrematação.

Na esteira do argumento da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 1297672/SP[6], uma solução para a celeuma seria o arrematante requerer que as dívidas condominiais anteriores à alienação judicial sejam quitadas com o produto da própria arrematação. Em outras palavras, o adquirente poderia pedir que parte do valor da arrematação judicial fosse reservado para a satisfação das dívidas condominiais.

Esta situação é amplamente utilizada quando se trata de débitos referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, na medida em que esta obrigação tem a mesma natureza das cotas condominiais (caráter propter rem) e o Código Tributário Nacional, em seu artigo 130, Parágrafo Único, expressamente prevê esta hipótese, dispondo que “no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”.

Não temos esta mesma previsão de forma clara e expressa na legislação que trata das cotas condominiais. No entanto, em que pese à referida omissão, é possível que se aplique o aludido artigo da legislação tributária por analogia.

De qualquer forma, considerando a atual divergência pretoriana existente no âmbito da Corte Superior, mostra-se extremamente relevante que o interessado em adquirir imóveis – independente da forma pela qual se dará a aquisição – tenha cautela em procurar conhecer o imóvel, bem como as eventuais dívidas pendentes, visando não se surpreender em momento posterior à concretização do negócio.


[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 110.

[2] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário – teoria e prática. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 748.

[3] EDcl no REsp 1280332/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 05/09/2013.

[4] REsp 1299081/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 27/09/2012

[5] Apelação Cível Nº 70025803800, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 30/06/2011.

[6] REsp 1297672/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013

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