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Os 50 anos da Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias

Por: Lourdes Helena Rocha dos Santos
04/03/2015

Fonte: Revista Construção e Mercado. Ed.: 163, fevereiro 2015. Página: 22.

 

Há 50 anos atrás, entrava em vigor a Lei nº 4.591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias), vindo a suprir uma antiga lacuna no ordenamento jurídico brasileiro. Até então, o País contava apenas com o Decreto nº 5.481/1928, reduzido em número de artigos e insuficiente para regrar os problemas que surgiam nos condomínios horizontais. É necessário lembrar que o próprio Código Civil de 1916 não cogitava a divisibilidade por andares e nenhuma referência fazia aos contratos de incorporação imobiliária. Nesse sentido, o projeto do ilustre Caio Mário da Silva Pereira, transformado na Lei nº 4.591/64, representou um verdadeiro marco jurídico para o mercado imobiliário brasileiro.

É importante lembrar que naquele mesmo ano acabava de ser implantado o SFH – Sistema Financeiro de Habitação – por meio da Lei nº 4.380/64, o que elevou ainda mais a necessidade de um diploma legal que trouxesse segurança jurídica ao mercado imobiliário. A Lei de Condomínios e Incorporações forneceu o suporte jurídico às operações de financiamento imobiliário no âmbito do SFH, as quais propiciaram a enorme alavancagem da construção civil nas décadas de 70 e 80. Ainda que o Plano Habitacional não tenha solucionado o déficit de habitações como se projetava, é inegável que a sua implementação trouxe grande estímulo à construção civil em todo o País.

Os anos de bom funcionamento do SFH começaram a se esgotar ao final da década de 80, em um contexto econômico desfavorável, marcado por sucessivos planos econômicos mal sucedidos. Sem um retorno adequado, o SFH acabou perdendo o seu dinamismo na década de 90, com a significativa redução de disponibilidade de crédito às construtoras e incorporadoras, levando muitas delas a apelar para as modalidades de autofinanciamento e de financiamento privado para não suspender a construção de habitações.

Foi um período no qual o mercado imobiliário passou por enormes dificuldades, levando à quebra muitas empresas incorporadoras e deixando milhares de adquirentes sem receber os seus imóveis. Neste momento viu-se que a Lei nº 4.591/64 era falha e insuficiente na proteção do direito dos adquirentes que compravam unidades imobiliárias na planta, na medida em que não dispunha de mecanismos que assegurasse aos condôminos um rito seguro, rápido e eficaz para a retomada das obras nas hipóteses de falência do incorporador ou paralisação injustificada das obras.

Em resposta às necessidades evidenciadas, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 2.221/2001, instituindo o patrimônio de afetação. Por meio desse regime, o terreno, as acessões, os bens e direitos vinculados à incorporação mantêm-se apartados do patrimônio do incorporador e ali permanecem segregados até o final das obras e a entrega da edificação, com o objetivo de proteger as incorporações afetadas dos efeitos de uma eventual quebra do incorporador. À Comissão de Representantes foi  conferido os poderes para atuar em nome e representação do interesse coletivo dos condôminos e conduzir, na forma indicada pela lei, a retomada do empreendimento.

No entanto, o instituto foi rejeitado por força da inclusão de dispositivos que não protegiam os interesses dos adquirentes, como por exemplo o que dividia com os compradores dos imóveis a responsabilidade tributária do incorporador, dentre outros. Por outro lado, ao incorporador nenhum benefício trazia que estimulasse adotar o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias. Então, a resposta do mercado foi a de buscar alternativas que garantissem a separação entre o patrimônio do empreendimento e o patrimônio do incorporador. Nesse sentido, difundiu-se o uso da SPE – Sociedade de Propósito Específico – em empreendimentos imobiliários, dando suporte legal à captação de recursos, ao planejamento tributário e ao isolamento do patrimônio da incorporação.

A aprovação em 2004 da Lei nº 10.931, que dentre outros assuntos, acrescentou à Lei nº 4.591/64 os artigos 31-A a 31-F, tratando do patrimônio de afetação na incorporação imobiliária, veio corrigir alguns problemas anteriormente observados, todavia seguiu tímida a adesão ao instituto pelos incorporadores, até mesmo  porquê o uso da SPE atendia aos principais anseios dos investidores e agentes financeiros.

Atualmente, com o incentivo tributário do RET- Regime Especial de Tributação à alíquota de 4%, é inegável que o patrimônio de afetação vem sendo cada vez mais frequentemente adotado pelos incorporadores.

Fato é, que passados 50 anos da vigência de Lei nº 4.591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias), muitas foram as mudanças na sociedade e no mercado, surgindo novas necessidades e, com isso lacunas que nos ressentimos em matéria de legislação no âmbito do condomínio e da incorporação imobiliária. A proliferação dos condomínios complexos, das comunidades planejadas, enfim de empreendimentos desenvolvidos em múltiplas fases e dirigidos a uma diversidade de grupos de pessoas com distintos interesses, por vezes congregando atividades residenciais, comerciais e de serviços e até mesmo industriais é um dos exemplos que podemos dar, para ilustrar a necessidade do legislador de revisar a atual legislação para atender às necessidades da sociedade contemporânea.

É certo que o código civil de 2002, mais recente, tratou da matéria condominial, alterando dispositivos da Lei nº 4.591/64, mas passou ao largo das novas demandas que estão surgindo quando se projeta condomínios complexos.

Não obstante as atualizações que um diploma legal que trata de questões de mercado deva ter, a Lei dos Condomínios e Incorporações de autoria do Prof. Caio Mário, segue sendo de grande atualidade, fonte e inspiração a todos que trabalhamos com o Direito Imobiliário.

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