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O conflito envolvendo a devolução da comissão de corretagem no estande de vendas da Incorporadora

Por: Roberto Santos Silveiro
15/10/2015

Uma das questões mais atuais e controvertidas do direito processual-imobiliário diz respeito à multiplicidade de ações movidas por consumidores-adquirentes em face das incorporadoras, aduzindo pedido de devolução da comissão de corretagem paga diretamente ao intermediador do negócio.

As inúmeras ações que se multiplicam em todo o País, na maior parte das vezes, têm o mesmo pano de fundo: o adquirente procura um plantão de vendas montado pela incorporadora, é atendido no local por um corretor de imóveis que lá se encontra, obtém as informações que lhe interessa, negocia as condições da aquisição (preço, financiamento, posição solar, vista, dentre outras); vindo ao final das negociações a celebrar o compromisso de compra e venda do imóvel. Neste instrumento, o adquirente obriga-se a pagar parte do preço para a incorporadora e parte do preço (comissão de corretagem) diretamente para o corretor de imóveis. Após, o adquirente ajuíza ação judicial em face da incorporadora pretendendo a devolução simples, ou em dobro, do valor pago ao corretor e/ou à imobiliária. Excetuadas situações peculiares, é a partir desta repetida sucessão de fatos vivenciados diariamente nas principais cidades brasileiras que surgem os litígios, os quais têm notável impacto financeiro para consumidores-adquirentes e incorporadoras, ainda mais em época de crise econômica, como a que vivemos.

Diga-se de antemão que o Código Civil vigente regula o contrato de corretagem em seus artigos 722 a 729, sendo silente quanto ao responsável pelo pagamento do corretor. Todavia, impõe ao intermediador importantes deveres de diligência e prudência, sendo inquestionável que, prestado o serviço e atingido o resultado (conclusão do negócio), há obrigação de pagamento da intermediação. E, não havendo na legislação civil nada que discrimine o serviço prestado pelo corretor de imóveis em plantão de vendas, parece-nos inquestionável o direito do profissional de perceber a remuneração pelos seus serviços.

Na verdade, a indagação jurídica central consiste no juízo acerca da licitude, ou não, da prática adotada pelas incorporadoras, as quais, ao invés de introduzir o valor da comissão de corretagem dentro do preço do imóvel, o destacam como uma rubrica à parte, ajustando que o seu pagamento se dará diretamente pelo adquirente ao corretor de imóveis. Caso se entenda pela ilicitude da prática, abre-se caminho para o juízo da procedência dos pedidos de devolução da comissão de corretagem. Noutro sentido, caso se entenda pela sua licitude, não há, por consequência, que se cogitar da devolução da comissão de corretagem.

Há, notoriamente, argumentos respeitáveis para a defesa dos dois pontos de vistas, ambos amparados em jurisprudência. Aqueles que defendem a ilicitude da prática adotada pelos incorporadores, têm entendido que o pagamento da comissão de corretagem deve ser feito por quem contrata o serviço, no caso o incorporador, sendo abusiva a cláusula que impõe ao adquirente o pagamento da comissão. Neste sentido, muitos julgados entendem que a prática configuraria “venda casada”, a qual é vedada por força do disposto no artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.[1]

Noutro sentido, observa-se que existe também jurisprudência farta no sentido de que não há ilegalidade na prática das incorporadoras. De acordo com estes precedentes, não há abusividade na cláusula que imputa ao adquirente o pagamento da comissão de corretagem, sobretudo porque a comissão é um custo da operação, a ser arcado direta ou indiretamente pelo adquirente. Assim, tendo havido livre contratação a respeito do pagamento, não se vislumbraria a nulidade da cláusula. Afasta-se, nesta linha, a alegação de venda casada, exatamente porque não haveria exigência de compra de outro produto ou serviço para a venda do imóvel, mas simplesmente repasse dos custos respectivos, que, sendo custos, podem ser incluídos no preço do imóvel. Trata-se, em suma, de argumento econômico: não há aumento de preço.[2]

A rigor, o Código Civil (arts. 722 a 729) não desceu às minúcias de definir ou conceituar a corretagem. Não existe especificação acerca do trabalho do corretor, dos métodos que deva empregar, a forma pela qual deve agir. Na Lei que regulamenta a profissão de corretor de imóveis (Lei nº 6.530/78) e que, portanto, torna essa atividade profissional perfeitamente lícita no país, da mesma forma, não há tal especificação. Enfim, o ordenamento jurídico não estabeleceu como e de que forma a mediação, intermediação ou a consulta sobre a comercialização imobiliária deva ser feita.

Cotejadas as opiniões em sentidos diversos, temos que a questão deve ser resolvida à luz do caso concreto, de acordo com a observância do princípio da boa-fé objetiva, que nos dias atuais norteia a teoria geral dos contratos. Se procurarmos uma solução apriorística, pela simples análise das posições jurídicas, ou do regime jurídico do contrato de corretagem, ou ainda das relações de consumo, como tem feito muitos julgados acerca da matéria, não alcançaremos uma resposta justa e adequada.

Nesta linha, a pergunta fundamental que deve ser respondida pelo intérprete da norma é a seguinte: o adquirente foi informado de forma prévia, clara e precisa sobre as prestações em que se decompõe o valor total a ser pago? Ou por outra: o adquirente sempre soube o valor total que pagaria pela aquisição do imóvel? Se a resposta a estes questionamentos for negativa, a incorporadora não terá se desincumbido do dever de informação, que é sua obrigação enquanto fornecedora, cabendo a ela a responsabilidade pela devolução da comissão de corretagem, em observância aos princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor. Porém, se as respostas forem afirmativas, ou seja, no sentido de que o consumidor foi informado adequadamente sobre o preço total da operação, aí não haverá ilícito em relação ao consumidor, e por consequência, não há como se exigir da incorporadora que devolva a comissão de corretagem paga ao intermediador da operação.

O essencial é perquirir a boa-fé das partes no caso concreto. Age de boa-fé a incorporadora que presta adequadamente as informações a respeito do preço total do negócio, embutindo a comissão dentro ou fora do preço, podendo se preconizar, aliás, que a comissão por fora do preço vá ao encontro de maior transparência da operação. Por outro lado, age de boa-fé o adquirente que paga o preço que contratou e que sempre esteve ciente que iria pagar.

O que não se sustenta de acordo com o princípio da boa-fé objetiva é a prática que alguns consumidores-adquirentes vêm adotando: mesmo cientes desde sempre do valor total do negócio, e mesmo tendo celebrado compromisso de compra e venda especificando os valores a serem pagos à incorporadora e os valores a serem pagos ao corretor de imóveis,  veem no ajuizamento de ação judicial uma forma de se locupletar ilegalmente às custas da incorporadora, ou pior, dos demais consumidores que terão que pagar mais para compensar o prejuízo da incorporadora com as não raras condenações advindas destas ações. Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor é instrumento fundamental de proteção do consumidor, mas não se presta a servir de escudo para os que agem de má-fé.

Não obstante a solução casuística ora preconizada, espera-se que, em breve, o Superior Tribunal de Justiça venha a se manifestar sobre a matéria, em sede de recurso representativo, nos termos do artigo 543 do CPC[3], a fim de delimitar os contornos e direcionar práticas e condutas que deverão ser observadas por incorporadoras e adquirentes, conferindo maior segurança jurídica e eliminando incertezas acerca de tão polêmico tema.


[1] Neste sentido, o entendimento prevalente no Estado do Paraná, na linha do seguinte julgado:

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO QUE RECAI SOBRE QUEM CONTRATA O SERVIÇO. SERVIÇO CONTRATADO PELA CONSTRUTORA. PAGAMENTO EFETUADO PELO COMPRADOR. CONTRATO DE ADESÃO. COBRANÇA DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS PELO CONSUMIDOR DE MANEIRA SIMPLES. SENTENÇA MANTIDA. 1. A obrigação do pagamento pelo serviço de corretagem imobiliária recai sobre aquele que o contratou. Sendo a construtora quem firmou contrato com a empresa ou particular para prestar tal serviço deve ela arcar com o valor da comissão. 2. Por se trataram de contratos de adesão em que não há possibilidade de o comprador discutir seu teor, é abusiva a cláusula que estabelece como dever do comprador arcar com os valores da comissão de corretagem, devendo os valores pagos indevidamente serem restituídos de maneira simples. 3. Recurso conhecido e não provido. Diante do exposto, decidem os Juízes Integrantes da 1ª Turma Recursal Juizados Especiais do Estado do Paraná, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos exatos termos do voto. (Processo nº 0081507-32.2014.8.160014/0, Relatora Liana de Oliveira Lueders, Julgado em 12/08/2015.

[2] Neste sentido decidiu a Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos Autos do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 0000018-42.2014.8.26.0968, cujo trecho do voto segue adiante:

“Evidentemente houve a corretagem, no caso dos autos, e há previsão contratual de seu pagamento pela compradora. A diferença entre essa atribuição direta e a inclusão desses custos no preço final é apenas fiscal e empresarial, pois em ambos os casos o comprador acabará por arcar com o custo respectivo. Daí, não se vislumbra qualquer abuso na exigência. Dizer que normalmente a comissão de corretagem é suportada por quem contratou a intermediação é ignorar as circunstâncias negociais, de livre fixação pelas partes interessadas, impedindo a cobrança direta e impondo a cobrança indireta, o que não parece razoável. Assim, uma vez que houve livre contratação a respeito do pagamento – reiterando-se que a única diferença é o pagamento direto ou o pagamento indireto, em ambos os casos suportado pelo comprador – não se vislumbra ilegalidade na cláusula. Afinal, o serviço foi efetivamente prestado. Finalmente, não parece correto concluir que há venda casada, exatamente porque são esses custos suportados pela vendedora e que podem ser repassados, direta ou indiretamente, aos compradores. Portanto, não há exigência da compra de outro produto ou serviço para a venda do imóvel, mas simplesmente repasse dos custos respectivos, que, sendo custos, podem ser incluídos no preço final.” (Processo nº 0000018-42.2014.8.26.0968, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Turma Uniformização – Juizados Especiais, Relator Fernão Borba Franco).

[3] Encontra-se em tramitação no STJ recurso representativo sobre a matéria, nos autos do REsp nº 1551956/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Terceira Turma).

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