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Sistema On-line de Resolução de Disputas

Por: João Paulo Santos Silveiro
22/09/2019

A tecnologia está em desenvolvimento exponencial, alterando drasticamente diversas áreas da vida humana, inclusive no campo jurídico. As inovações proporcionadas pela tecnologia podem reduzir drasticamente os custos de transações nos litígios. Além disso, as disrupções tecnológicas podem ser um excelente instrumento para combater a assimetria de informações, bem como imprimir velocidade nas resoluções de disputas.


Nesse contexto, o ambiente no qual se resolvem disputas não pode ficar totalmente alheio às possibilidades ofertadas pela tecnologia. Os sistemas on-line de resolução de disputas apresentam uma série de oportunidades para prevenir e resolver conflitos.


Outro fator importante de ser pontuado é a velocidade e capacidade tecnológica atual no que se refere a leitura de dados (big data) e a consequente aptidão de alimentar e aperfeiçoar sistemas. Sistemas que solucionam milhões de conflitos por ano, faz com que seu algoritmo aprenda constantemente com um oceano de dados.


online dispute resolution (ODR) fornece uma nova porta para resolução de conflitos, com o uso de tecnologias persuasivas, capazes de gerar novas experiências para resolver problemas que os demais métodos consensuais não conseguem resolver.[1]

Hoje em dia, em um mundo digital e veloz, é um desatino pretender resolver todas as disputas nos velhos balcões do Poder Judiciário. Nas palavras de Daniel Becker, Eduardo Bruzzi e Erik Navarro, chegou a hora de abraçar a inovação em todas as suas formas, inclusive quando o assunto é a resolução de disputas.[2]

Já existem alguns exemplos de sucesso no que se refere à sistemas de resolução de disputas on-line.

Um caso emblemático é o sistema de resolução de disputas da empresa eBay, estruturado por Colin Rule. O Sistema foi desenhado para a resolução de disputas entre compradores e vendedores em sua plataforma de comércio eletrônico.


Quando Colin Rule desenhou seu sistema eletrônico de solução de conflitos, a empresa já gerava 40 milhões de disputas por ano (o equivalente a 1% do total de transações do site).


Atualmente, o sistema eletrônico de solução de disputas do eBay gerencia mais de 60 milhões de conflitos por ano, com uma taxa de acordos de 90%, quase que sem intervenção humana por parte da empresa.


Tendo como base o sistema do eBay, Colin Rule criou o Modria (modular online dispute resolution implementation assistance), um sistema de resolução de disputas que pode ser alugado por qualquer empresa ou mesmo cortes judiciais ao redor do mundo.


O Modria se intitula como uma plataforma que combina direito, economia e psicologia com tecnologia da informação e comunicação para ajudar os cidadãos a prevenir, gerenciar e resolver suas disputas.[3]

A plataforma de resolução de disputas possui 4 módulos:

Diagnóstico: O primeiro objetivo é reduzir a assimetria da informação. As partes apresentam as alegações escritas e podem anexar provas como vídeos e fotos para auxiliar na apresentação do problema, bem como na resposta à insurgência.


Negociação: Em caso de as partes não comporem uma transação, inicia-se a negociação. Nesse módulo, o algoritmo do Modria funciona o tempo todo buscando pontos de acordo e sugerindo possíveis soluções.


Mediação: Não sendo realizado um acordo, a plataforma providencia um mediador. As partes podem se comunicar em conjunto ou privadamente com o mediador, se necessário, mas ainda assim on-line. E o mediador pode acompanhar a disputa do início ao fim.


Arbitragem: Pela plataforma os envolvidos no conflito podem iniciar um procedimento arbitral em que um terceiro imparcial decidirá a questão.


Veja que a plataforma apresenta uma série de mecanismos alternativos para a solução de disputas, isto é, negociação, mediação e arbitragem, aliados à tecnologia.


Além disso, quando a tecnologia entra em cena o alto volume de disputas deixa de ser um problema e passa a ser um ativo para o sistema. O subproduto dessas disputas é a imensa quantidade de dados e informação que treinará o algoritmo para buscar as melhores soluções para o problema.[4]

Outro exemplo de sucesso é o mecanismo de resolução de conflitos implementado pelo Mercado Livre[5]. A referida empresa criou o projeto “Empodera” cuja premissa básica foi democratizar o acesso ao processo ou ao procedimento mais adequado. Foram estabelecidos ritos diferentes com a possibilidade de negociação e mediação na própria plataforma. Além disso, foi firmada uma parceria com a Secretaria Nacional do Consumidor, que possibilita que o usuário do mercado livre possa acessar a plataforma de resolução on-line de conflitos do Governo (consumidor.gov) e fazer as suas reclamações e resolver o conflito.

Interessante, também, foi a publicidade e o engajamento da empresa em torno do projeto de ODR. O Mercado Livre produziu um material publicitário específico a respeito do seu projeto de resolução de disputas, instruindo os seus consumidores sobre os passos necessários para uma reclamação, negociação e mediação. O vídeo está disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=18IM2cGf8p0.


Sem dúvidas, a visão da referida empresa, a forma de divulgação e o desenho que criou para solucionar as disputas originadas com as compras em seu site é de ser referendada.


A desjudicialização das reclamações foi atingida com sucesso, 98,9% dos casos são resolvidos fora do poder judiciário. E, ainda, quando há um conflito judicial, há uma célula denominada “Legal Intelligence”, que se utiliza de mecanismos tecnológicos para buscar a mediação e o encerramento da ação antes de uma decisão judicial.


Há um vasto campo a ser explorado no que se refere a resolução on-line de conflitos, seja na relação entre empresas e consumidores, seja em outras relações que possam gerar conflitos.


Havendo um desentendimento entre as partes, por que não ser a primeira opção a solução através de meios on-line, que podem propiciar mecanismos adequados de negociação, mediação e até arbitragem aliados aos benefícios tecnológicos?


Certamente os custos serão reduzidos, os desgastes relacionais serão menores e a velocidade na resolução do conflito será maior.


Trata-se, ainda, de um mecanismo que pode ser customizado e desenhado pelos potenciais litigantes. Empresas podem criar o seu próprio sistema on-line de solução de disputas, aperfeiçoando-o a sua realidade e aos tipos de conflitos gerados em sua atividade. Por sua vez, para os consumidores ter uma porta prévia ao judiciário para resolver disputas é extremamente benéfico.


Conclui-se, portanto, que as plataformas digitais são extremamente eficientes para a solução de disputas. Por isso, os sistemas on-line de resolução de conflitos despontarão como uma alternativa extremamente atraente ao caos do judiciário.




[1] FALECK, Diego. Manual de design de sistemas de disputas: criação de estratégias e processos eficazes para tratar conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 179.

[2] BECKER, Daniel; BRUZZI, Eduardo; WOLKART, Erik Navarro. Estamos trancados num paiol de pólvora: LGPD, ANPD e demandismo. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/estamos-trancados-num-paiol-de-polvora-lgpd-anpd-e-demandismo-20072019. Acesso em 26/07/2019.

[3] TYLER TECHNOLOGIES. Disponível em [https://www.tylertech.com/Products/Modria/Modria-Feature-Comparison-Chart.pdf]. acesso em 25/07/2019.

[4] WOLKART. Erik Navarro. Análise Econômica do Processo Civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 730.

[5] Mercado Livre. Disponível em https://www.mercadolivre.com.br/compra-garantida#c_id=/home/discovery-first/element&c_campaign=compra-garantida&c_element_order=1&c_uid=f8ba1494-9e37-4ef5-b06a-5e0f6c608193. Acesso em 27/07/2019.

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