Voltar ao topo da página

Artigos

Artigo

O Condomínio em Multipropriedade e seus Reflexos para o Mercado Imobiliário e Hoteleiro

Por: Fernanda Muraro Bonatto
31/01/2020

RESUMO

O direito real de propriedade tem passado por uma transformação no ordenamento jurídico brasileiro nos últimos anos. Entre os novos institutos, destaca-se o condomínio em multipropriedade, que será o nosso objeto de estudo neste artigo. Inicialmente, propomos uma contextualização do surgimento do condomínio em multipropriedade como instituto que rompe com certos paradigmas ligados ao direito real de propriedade. Em seguida, abordaremos de que forma o mercado imobiliário e hoteleiro já haviam produzido e reproduzido um certo modelo jurídico de multipropriedade, o qual permitiu o surgimento e “popularização” desse formato de negócio, mesmo antes da edição da Lei nº 13.777/18. Depois disso, pretendemos examinar as principais novidades trazidas pela Lei nº 13.777/18, apontando de maneira sucinta os principais aspectos desse novo modelo jurídico de propriedade condominial: o condomínio em multipropriedade. Ao final, apresentamos nas nossas conclusões algumas questões de ordem prática e jurídica que permanecem em aberto mesmo com o advento da nova Lei que regula a multipropriedade.


INTRODUÇÃO

Propriedade compartilhada, time-sharing, propriedade fracionada, fractional ownership e multipropriedade. Todos esses termos, por vezes equivalentes em significado, por vezes não, nos remetem ao vertiginoso processo de transformação pelo qual o direito real de propriedade tem passado nos últimos anos no ordenamento jurídico brasileiro. 

Dentre as recentes alterações legislativas que atestam esse processo de transformação (1), abordaremos no presente artigo a inovação trazida pela Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018, que dispõe sobre o regime jurídico da multipropriedade e seu registro, a qual, na prática, acrescenta ao Código Civil um novo capítulo denominado “Do condomínio em multipropriedade”, e também acrescenta algumas alterações na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).

Entretanto, antes de adentrarmos nas características da multipropriedade trazidas pela nova Lei, é necessário darmos alguns passos atrás a fim de situarmos o condomínio em multipropriedade como instituto que rompe com certos paradigmas ligados ao direito real de propriedade (ponto 1). Num segundo momento, abordaremos de que forma o mercado imobiliário e hoteleiro já haviam produzido e reproduzido um certo modelo jurídico  de multipropriedade, o qual permitiu o surgimento e “popularização” desse formato de negócio, mesmo antes da edição da Lei nº 13.777/18 (ponto 2).

A análise dessa situação “pré-Lei nº 13.777/18” conduzida no ponto 2 faz-se relevante na medida em que estabelece o contraponto com o ponto 3 do presente artigo, o qual pretende examinar as principais novidades trazidas pela Lei nº 13.777/18, apontando de maneira sucinta os principais aspectos desse novo modelo jurídico (2) de propriedade condominial: o condomínio em multipropriedade.

Por fim, nas nossas conclusões apresentaremos algumas questões de ordem prática e jurídica que permanecem em aberto mesmo com o advento da nova Lei que regula a multipropriedade.


1. O CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE E A QUEBRA DO PARADIGMA DO PROPRIETÁRIO ÚNICO

O direito de propriedade constitui uma das colunas de sustentação do direito civil. Por muitos séculos a tutela do proprietário foi objeto de estudo pelos juristas e de regulação para os legisladores, os quais não mediram esforços para conceber, juridicamente falando, os instrumentos necessários para garantir ao proprietário poder absoluto, perpétuo e exclusivo (3) sobre seus bens. 

Para além da projeção da propriedade como a manifestação máxima da liberdade individual de cada indivíduo (juntamente com a liberdade de contratar), a figura do proprietário, na visão clássica do direito civil, sempre foi a de um único sujeito, ou seja, para cada bem deve haver um único proprietário, o qual exerce as prerrogativas da propriedade de forma exclusiva e autônoma (4).  

Esse paradigma exclusivista da propriedade, no entanto, é flexibilizado pela própria legislação que, em certos casos, busca mitigar essa característica a fim de atender aos novos papeis e funções que o direito de propriedade desempenha na sociedade. Neste ponto, veremos como a Multipropriedade se enquadra nos referidos novos “papeis e funções” desempenhados pelo direito de propriedade na sociedade, acarretando a ruptura de alguns paradigmas. 

Comecemos, no entanto, pelo exemplo mais familiar dessa mitigação/flexibilização, que é a figura do Condomínio Edilício, cuja presença ocorre em nossas cidades há décadas, mais precisamente, desde a edição da Lei nº 4.591/64. Naquela ocasião, pela primeira vez, foi estabelecido no direito civil brasileiro o regramento que permite a coexistência entre a propriedade exclusiva de unidades autônomas e a propriedade “compartilhada” entre os condôminos dos bens e áreas de uso comum da edificação (5). 

O Condomínio Edilício propicia, portanto, a copropriedade (condomínio) das áreas comuns da edificação, sem prejuízo de que, ao mesmo tempo, cada proprietário exerça de forma exclusiva a propriedade sobre sua unidade autônoma (residencial ou comercial). 

Portanto, podemos perceber aqui uma significativa mitigação do paradigma do único proprietário, detentor de todos os direitos, poderes e prerrogativas que o domínio pleno confere, pois, esse proprietário plenipotenciário tem de conviver e se submeter às diversas restrições relacionadas com a vida em condomínio, condicionando, inclusive, a forma de uso e destinação da unidade autônoma de sua propriedade aos usos e destinações designadas para o Condomínio como um todo. O paradigma do proprietário único e exclusivo dá lugar a uma visão relativizada do direito real de propriedade (6). 

Pois bem, o condomínio edilício é figura já conhecida, testada e aprovada em inúmeros empreendimentos espalhados por todo o país. O próximo passo nessa senda – fruto da criatividade de juristas, registradores e empreendedores – foi a “criação” do modelo jurídico e comercial de multipropriedade para atender à crescente demanda pela aquisição da segunda residência destinada ao lazer e férias por camadas da população que, de outro modo, não poderiam adquirir um imóvel em um destino turístico, por exemplo.

A criação desse modelo, no nosso entendimento, relativiza mais uma vez o paradigma do proprietário único, pois o seu cerne está, justamente, no compartilhamento da propriedade por uma pluralidade de proprietários, aos quais são atribuídos certos períodos de uso correspondentes à sua fração de propriedade no bem. A ideia é que todos os multiproprietários usem e desfrutem do bem, mas cada um na sua vez.

Nesse sentido, a multipropriedade, ou propriedade compartilhada permite a coexistência de diversos proprietários sobre um único bem na medida em que diversas pessoas podem adquirir cotas/frações, constituindo-se sobre aquele bem um condomínio de proprietários.

Entretanto, diferentemente de um condomínio edilício ou mesmo de um condomínio civil (na forma do art. 1324 e seguintes do Código Civil), a multipropriedade tem como característica a atribuição, a cada multiproprietário, de um determinado período de uso do bem, vinculando cada cota/fração de propriedade a períodos de uso, sempre de acordo com condições pré-estabelecidas.

Dessa forma, ao longo de um ano, por exemplo, todos os proprietários terão utilizado o seu imóvel (apartamento, casa, chalé, etc.), cada qual a seu turno, sem que os mesmos tenham de arcar com os custos de compra e manutenção da unidade na sua integralidade, compartilhando com os demais coproprietários os referidos custos, bem como o uso do imóvel.

Entretanto, não é somente o desejo de adquirir o imóvel destinado ao lazer, com custos de aquisição e conservação reduzidos que explica o surgimento e recente popularização da multipropriedade no Brasil. Acreditamos que tal fenômeno também está associado à mudança na forma como a sociedade consome produtos de lazer e também nas novas maneiras pelas quais se utiliza de bens (móveis ou imóveis) e serviços.

Na área dos empreendimentos imobiliários a grande evidência dessa transformação é a disseminação nas principais capitais mundiais – e também nacionais – de coworkings (espaços de trabalho compartilhados) e colivings (espaços residenciais compartilhados).

Nesse sentido, estamos atravessando um período de verdadeira transformação da mentalidade vigente: a posse e propriedade exclusivas começam a abrir espaço para o compartilhamento de bens, serviços e produtos, a fim de que os mesmos não se tornem ociosos ou subutilizados.

A reinvenção de comportamentos tradicionais relacionados ao ter e ao possuir estão por trás do modelo jurídico da multipropriedade, cuja estrutura e caraterísticas iremos abordar nos pontos 2 e 3 a seguir.


2. O MODELO JURÍDICO DA MULTIPROPRIEDADE ANTERIOR À LEI Nº 13.777/18

O condomínio em multipropriedade, enquanto modelo jurídico, já é utilizado no Brasil há alguns anos. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Bahia possuem diversos empreendimentos hoteleiros que funcionam segundo o modelo de propriedade compartilhada. Cidades como Caldas Novas, Campos do Jordão, Olímpia, Guarujá, Búzios, Natal, Cabo Frio, Angra dos Reis, Gramado, dentre outras com vocação turística, já contam com empreendimentos hoteleiros em funcionamento nessa modalidade (7). Recentemente, o litoral do Estado de Santa Catarina, renomado destino turístico nacional, também recebeu o anúncio de futuro empreendimento em plataforma de multipropriedade na cidade de Garopaba (8). 

Fato é que a esmagadora maioria dos empreendimentos atualmente em operação no país foram concebidos anteriormente à edição da Lei nº 13.777/18. Constata-se, portanto, que a ausência de legislação não impediu que a multipropriedade fosse implementada pelos empreendedores e aceita pelos adquirentes das cotas/frações.

Vejamos, então, a estrutura mercadológica e o modelo jurídico comumente adotados no Brasil para os empreendimentos em multipropriedade previamente à edição da Lei nº 13.777/18.

O primeiro componente da referida estrutura é o seguinte: a base do negócio se consubstancia na aquisição de um imóvel (no caso a fração de uma unidade habitacional hoteleira em copropriedade). Tal imóvel encontra-se localizado comumente em destino turístico, e seu valor de venda é mais acessível do que um imóvel equivalente adquirido na sua totalidade por um único proprietário. 

De fato, ter a garantia jurídica de ser o efetivo proprietário de um imóvel situado em local cobiçado como destino de férias e lazer, confere à compra do imóvel em multipropriedade um forte apelo de vendas, pois ao adquirir o bem, o comprador o visualiza como a realização “de um sonho de consumo”.

Outro elemento característico da multipropriedade é o uso compartilhado da unidade hoteleira entre os diversos proprietários. O modelo de compartilhamento adotado geralmente parte do seguinte pressuposto: divide-se o ano calendário em 52 semanas de uso da unidade hoteleira. Se cada unidade for fracionada em 13 proprietários a cada um deles corresponderá o direito de uso da respectiva unidade por 4 semanas por ano. O mesmo esquema pode ser adotado se dividirmos a mesma unidade em 26 proprietários, ao quais caberá o direito de uso de apenas 2 semanas por ano calendário. 

As semanas de uso que cabem a cada proprietário podem ser fixas, ou seja, cada proprietário já sabe de antemão em quais semanas do ano poderá usar sua unidade, ou podem ser variáveis, também chamadas de flutuantes. Nessa última modalidade, a cada ano os proprietários são chamados para escolher, especificamente, as semanas que desejam utilizar, obedecendo, obrigatoriamente, a um sistema de prioridades a fim de organizar a atribuição dos períodos de utilização de forma justa entre todos os proprietários. A distribuição das semanas pode levar em conta outros fatores como a sazonalidade, por exemplo.

Além do direito de uso das unidades pelos próprios proprietários, os mesmos poderão, dentro dos limites da Convenção de Condomínio e demais contratos, dar outras destinações ao seu período de utilização, podendo ter a faculdade de:


(a) locar seu respectivo período de utilização através da Administradora do Condomínio; 

(b) ceder gratuitamente ou onerosamente os seus períodos de utilização para terceiros ou para outros condôminos; e 

(c) permutar, totalmente ou parcialmente, seus períodos de utilização através de Sistema de Intercâmbio, desde que observado o contrato a ser firmado com a empresa Intercambiadora.


Um terceiro elemento da multipropriedade diz respeito a um componente intangível, qual seja, dos serviços e vantagens associados à compra do imóvel fracionado, tendo em vista que o mesmo se encontra inserido em um empreendimento Hoteleiro, na grande maioria dos casos, um empreendimento de categoria superior ou premium. Assim, serviços de recepção, concierge, camareira, lavanderia, alimentação, recreação, estrutura de lazer e eventos, enfim uma gama de atrativos prontos e à disposição para serem usufruídos por cada proprietário durante seus respectivos períodos de uso. São facilidades e vantagens características da experiência de ser hóspede em um Hotel premium que constituem, em muitos casos, “a menina dos olhos” do adquirente do imóvel em multipropriedade. 

Um quarto componente refere-se ao compartilhamento não apenas do uso do imóvel, mas também ao compartilhamento de todos os custos com manutenção entre todos os proprietários. A ideia, portanto, é oferecer ao proprietário uma fração do imóvel, assegurando que este vai tê-lo disponível para determinadas ou determináveis semanas do ano, mas com custos de manutenção baixos, pois rateados entre todos os proprietários.

O quinto elemento que podemos indicar como característico da Multipropriedade não é absolutamente essencial para o conceito mercadológico do produto, por não ser obrigatório para a estruturação do mesmo, mas constitui, sem dúvida, um componente de forte apelo, muitas vezes decisivo, no momento da venda das frações. Trata-se da afiliação do empreendimento a redes internacionais de intercâmbio de férias, os chamados vacations clubs (9). 

Empreendimentos hoteleiros afiliados a empresas Intercambiadoras oferecem aos proprietários de frações a possibilidade da troca de parte ou da totalidade de seus períodos de uso por outro destino a ser escolhido, segundo os destinos disponibilizados pela Intercambiadora. Assim, os proprietários poderão variar, conforme seu desejo, as opções de destinos de férias, não vinculando as suas 4 semanas de uso, necessariamente, ao empreendimento no qual possuem frações.

Ainda, os adquirentes de frações imobiliárias de empreendimentos em construção, mediante a associação deste futuro empreendimento a empresas de intercâmbio poderão, a partir de um percentual mínimo de quitação do preço, lançar mão dos benefícios desta associação, mediante o pagamento de algumas contrapartidas.

Dos elementos delineados acima, vislumbra-se que o modelo mercadológico da Multipropriedade adotado no Brasil antes do advento da Lei nº 13.777/18, constitui-se em um produto imobiliário multifacetado, pois conjuga a venda de um imóvel em multipropriedade com a venda de serviços hoteleiros e de serviços de intercâmbio de férias. Assim, além da aquisição da propriedade imobiliária propriamente dita, consubstanciada em uma fração ideal do imóvel, o objeto da comercialização abrange também os serviços prometidos pelo empreendedor e almejados pelos adquirentes.


3. O CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE: O MODELO JURÍDICO ADOTADO PELA Nº LEI 13.777/18

A Lei nº 13.777/18, que dispõe, de forma inédita no Brasil, sobre o regime jurídico da multipropriedade, veio para chancelar o modelo jurídico que já vinha sendo adotado pelo mercado imobiliário e hoteleiro antes da sua edição.

Assim, conforme vimos no capítulo anterior, o modelo jurídico da multipropriedade já era uma realidade consolidada no Brasil antes mesmo do advento da nova Lei. Em efeito, diversos pontos por ela introduzidos são reflexos de práticas adotadas pelo mercado e que, digamos assim, “passaram no teste do tempo”.

A diferença é que agora, com o advento da nova legislação, a multipropriedade assenta suas bases jurídicas dentro do Código Civil brasileiro, mais precisamente no Título III do Livro III da Parte Especial do Código, ou seja, representa a regulação de um novo tipo condomínio (o condomínio em multipropriedade) no cerne do Código Civil, no Título que trata do Direito Real de Propriedade. Esse é o efeito provocado pela Lei nº 13.777/18: uma alteração de vulto no coração do Código Civil.

Da leitura dos artigos 1.358-B a 1.358-U, introduzidos no Código Civil pela Lei nº 13.777/18, podemos verificar muitas disposições que cristalizam práticas de mercado, a começar pelo próprio conceito de condomínio em multipropriedade, dado pelo artigo 1.358-C:

Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.

Portanto, o condomínio em multipropriedade para o direito brasileiro corresponde ao “parcelamento temporal do bem em unidades autônomas periódicas” (10). Assim, um mesmo imóvel é objeto de titularidade de vários proprietários, porém cada qual tem o direito de usar e gozar do bem com exclusividade por um período certo. Ao final deste período, o direito de uso e gozo passa para o próximo cotitular, e assim sucessivamente.

Em vista da definição dada pelo art. 1.358-C e considerando a ampla aplicação da multipropriedade em empreendimentos hoteleiros voltados para o lazer e turismo, surge a dúvida: o condomínio em multipropriedade pode ser constituído somente no âmbito de condomínios edilícios ou também pode ser instituído sobre imóveis “comuns”?  O art. 1.358-F do Código Civil, nos traz a resposta: 

Art. 1.358-F.  Institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.

Dessa forma, verifica-se que para instituir o condomínio em multipropriedade basta a existência de um ato entre vivos (escritura pública, doação, contrato, incorporação imobiliária) ou de um testamento, desde que esse ato seja levado a registro no cartório de registro de imóveis e que atribua os períodos a cada fração de tempo. A lei não menciona que a multipropriedade deve, obrigatoriamente, ser instituída no âmbito de um condomínio edilício ou mesmo derivar de uma incorporação imobiliária. Sendo assim, podemos inclusive pensar que determinado imóvel (digamos uma casa localizada no litoral) pode ser objeto de um condomínio em multipropriedade, sem que isso desvirtue a natureza deste instituto jurídico (11).  

No presente estudo, no entanto, vamos nos concentrar na hipótese mais comum atualmente empregada no Brasil, qual seja, a do condomínio em multipropriedade aplicado a grandes empreendimentos hoteleiros, constituídos sob a forma de condomínios edilícios derivados de incorporações imobiliárias. Em tais empreendimentos, portanto, temos dois condomínios, o edilício e o da multipropriedade, um dentro do outro: “um envolvendo as unidades em relação ao prédio, e outro relativamente aos vários coproprietários ou cotitulares da mesma unidade” (12).

Ocorre que, anteriormente ao novo diploma legal, os dois condomínios existentes, um dentro outro, eram o condomínio edilício e diversos condomínios voluntários. Assim, sobre cada unidade do condomínio edilício (empreendimento) se formava um condomínio voluntário de proprietários das frações daquela unidade.

Entretanto esse modelo apresentava algumas fragilidades, as quais acabaram sendo contornadas pela Lei nº 13.777/18. Tais fragilidades diziam respeito à polêmica envolvendo a legalidade da cláusula de indivisibilidade do condomínio voluntário bem como a legalidade da renúncia ao direito de preferência, as quais eram comumente inseridas nos instrumentos de compra e venda das frações imobiliárias (13).  

Veja-se, a legislação civil assegura aos condôminos do condomínio voluntário dois direitos muito importantes: o direito de exigir a divisão da coisa comum a qualquer tempo (14) (com o intuito de desconstituir o condomínio sobre o bem) e o direito de preferência que os condôminos têm em relação à terceiros estranhos no momento da venda da fração (15).  

Tais direitos, no entanto, são incompatíveis com a multipropriedade, pois ambos atentam contra a razão de ser deste modelo jurídico, que é, justamente, o compartilhamento permanente do uso do imóvel por vários proprietários. Havia, portanto, uma forte dissonância entre o modelo jurídico disponível na legislação (o condomínio voluntário) e a própria natureza da multipropriedade. Enquanto o condomínio voluntário foi concebido para ser temporário e passível de desfazimento, a multipropriedade, por sua vez, tem caráter de maior duração no tempo, tendo por essência a comunhão da propriedade entre múltiplos titulares, convergindo para um modelo mais estável e duradouro de condomínio. 

Importante frisar que na doutrina jurídica mais clássica no assunto, sempre encontramos a referência de que o condomínio voluntário é fonte de desavenças e discordâncias.  O velho adágio proveniente do direito romano, segundo o qual “communio est mater discordiarum”, ou seja, “a comunhão de bens é a mãe da discórdia”, ainda é citado nos principais manuais de direito para explicar a complicada relação entre os condôminos, bem como justificar o rigor das regras existentes no Código Civil sobre o condomínio voluntário. 

Revela-se, portanto, que o condomínio voluntário, tal como se encontra regulado pelo nosso Código Civil, tende ao desaparecimento e não à permanência no tempo, pois o Código contém regras que visam desconstituí-lo, promovendo a aglutinação da propriedade nas mãos de um único proprietário. Tal característica de instabilidade é o exato oposto daquilo que o condomínio em multipropriedade, enquanto novo modelo jurídico, pretende implementar.

Por esse motivo a Lei nº 13.777/18 introduziu no Código Civil dispositivos específicos que afastam essa instabilidade intrínseca ao condomínio voluntário. A indivisibilidade do bem objeto de multipropriedade encontra-se regulada pelo inciso I do art.  1.358-D:

Art. 1.358-D. O imóvel objeto da multipropriedade:

I - é indivisível, não se sujeitando a ação de divisão ou de extinção de condomínio;

Por sua vez, a inexistência de qualquer exigência de anuência, cientificação ou direito de preferência aos demais coproprietários, na hipótese de venda da fração imobiliária do imóvel, foi estabelecida pelo caput e § 1º do art. 1.358-L do Código Civil, conforme abaixo: 

Art. 1.358-L. A transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários.

§ 1º Não haverá direito de preferência na alienação de fração de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do condomínio em multipropriedade.

Estes dois artigos trazidos pela Lei nº 13.777/18 chancelam de forma inequívoca que o condomínio em multipropriedade se afasta do modelo do condomínio voluntário, valendo-se de regras voltadas a manter a estabilidade dentro do condomínio, evitando, justamente, que a referida “discórdia” viceje nas relações jurídicas entre os multiproprietários.

Esses dois exemplos corroboram nossa afirmação de que a Lei nº 13.777/18 consolida práticas já adotadas pelo mercado anteriormente a sua vigência e servem para evidenciar que estamos diante de um novo tipo de condomínio, tendo em vista a insuficiência do condomínio civil voluntário. Nos empreendimentos hoteleiros que adotam o modelo jurídico da multipropriedade temos, portanto, um grande condomínio edilício (empreendimento), composto por diversas unidades autônomas, cada qual dividida em frações de tempo de titularidade de condôminos distintos, objeto do condomínio em multipropriedade.

Ademais, para além dos exemplos acima referidos, a nova legislação regula diversas situações que já ocorriam na prática do mercado de multipropriedade, mas que careciam de guarida legal. A principal consequência desse “encontro” entre texto legal e realidade mercadológica e comercial é trazer maior segurança jurídica à multipropriedade, tanto para os incorporadores, administradores e redes de intercâmbio quanto para os consumidores finais, ou seja, os multiproprietários.

Nesse sentido, vale mencionar que a Lei nº 13.777/18 promoveu alterações na Lei de Registros Públicos acrescentando o § 10º ao art. 176. Assim, por força dessa alteração legislativa, quando o imóvel se destinar ao regime da multipropriedade, além da matrícula do imóvel, haverá uma matrícula para cada fração de tempo, na qual se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva fração de tempo. Trata-se, portanto, de medida importante para conferir segurança jurídica ao adquirente da fração de tempo, o qual desfrutará de imóvel com matrícula individualizada.

A Lei também não se eximiu de regrar de maneira clara como se dará o compartilhamento no tempo do imóvel objeto de multipropriedade. Assim, de maneira muito próxima à realidade já consolidada em diversos empreendimentos no Brasil, o artigo 1.358-E e seus incisos do Código Civil (16) determinam que cada fração de tempo é indivisível e será de, no mínimo, sete dias seguidos ou intercalados. Esse período mínimo poderá ser fixo e determinado (sempre no mesmo período de cada ano), flutuante (variável a cada ano seguindo critérios preestabelecidos) ou misto (combinando os dois sistemas).

Outro aspecto abordado pela Lei é a regulação do rateio das despesas condominiais entre os multiproprietários (17) , bem como as consequências previstas no caso de inadimplemento da quota condominial (18). Para o rateio das despesas, na ausência de disposição em sentido contrário na convenção de condomínio, o critério é o da fração de tempo de cada multiproprietário, sendo que as despesas ordinárias deverão estar elencadas na Convenção de Condomínio e seu custeio é obrigatório, independentemente do efetivo uso do imóvel pelo condômino.

Quanto às consequências do inadimplemento da cota condominial, a nova legislação adota soluções bastante criativas para enfrentar a situação, principalmente se o imóvel objeto da multipropriedade é parte integrante de empreendimento em que haja sistema de locação das frações de tempo, o chamado pool de locação. Por meio desse sistema, os condôminos podem locar suas frações de tempo por meio de uma administradora única, a qual faz a gestão desse pool de frações, destinando-as para locação. As receitas auferidas das locações são divididas entre os multiproprietários integrantes do pool, independentemente da efetiva ocupação de cada unidade autônoma.

Ocorre que, nesse sistema de pool continua valendo a regra geral de obrigatoriedade de custeio das despesas ordinárias do imóvel, mesmo que o multiproprietário não esteja no uso e gozo de sua fração de tempo. Assim, no caso de inadimplência da cota condominial de fração de tempo que se encontra no pool de locações, o parágrafo único do artigo 1.358-S determina que a convenção de condomínio poderá estipular que: (i) o inadimplente fique proibido de utilizar o imóvel até a integral quitação da dívida; (ii) a fração de tempo do inadimplente passe a integrar o pool da administradora; e que (iii) a administradora do sistema de locação fique autorizada a utilizar a integralidade dos valores líquidos a que o inadimplente tiver direito para amortizar suas dívidas condominiais, seja do condomínio edilício, seja do condomínio em multipropriedade, até sua integral quitação, devendo eventual saldo ser imediatamente repassado ao multiproprietário.

Tal solução adotada pela legislação para solucionar a situação de inadimplência de um condômino em multipropriedade guarda muita semelhança com a realidade de muitos empreendimentos construídos e comercializados no Brasil antes do advento do novo diploma legal. Trata-se, portanto, de mais um caso em que o texto legal veio para regular situação prática já implantada pelo mercado e já admitida pelos operadores do direito, como registradores dos Ofícios de Registros de Imóveis, que admitiram o registro de Convenções de Condomínio contendo disposições desta natureza.

Por fim, cabe referir que a Lei nº 13.777/18 apresenta diversos outros exemplos desse encontro entre a lei e a prática. No entanto, o último ponto que gostaríamos de destacar é o do papel central ocupado pela Convenção de Condomínio e pelo Regimento Interno nas modificações promovidas pela Lei nº 13.777/18. Os artigos 1.358-G, 1.358-P e 1.358-Q, inseridos no Código Civil pelo novo diploma, denotam a relevância da Convenção e do Regimento Interno para o bom funcionamento do condomínio em multipropriedade. São esses instrumentos, juntamente com a diligente administração do condomínio, que vão determinar o sucesso do empreendimento ao longo de sua existência.

Desse modo, uma Convenção de Condomínio e Regimento Interno bem estruturados e que disponham de forma clara e expressa sobre: as regras de uso das unidades por cada condômino, os critérios de rateio da taxa condominial, os direitos e deveres dos condôminos enquanto coproprietários de uma mesma unidade e enquanto condôminos do condomínio geral, as penalidades aplicáveis em caso de descumprimento do regramento e também sobre a destinação exclusiva hoteleira que o empreendimento terá, dentre outras situações, constituem verdadeiro norte para qualquer empreendimento em multipropriedade.


4. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA: O FUTURO DA MULTIPROPRIEDADE 

Vistas as principais características da multipropriedade, tal qual inserida no Código Civil e na Lei de Registros Públicos, é chegada hora de apresentarmos nossa breve conclusão do assunto, sem perder de vista, no entanto, que o advento da nova legislação acarretará diversos questionamentos para os operadores do direito. Gostaríamos de apresentar, de forma breve, alguns pontos que, no nosso modo de ver, devem ser levados em consideração daqui para frente tanto pelos empreendedores quanto pelos consumidores/adquirentes de frações de tempo em regime de multipropriedade.

O primeiro desses pontos diz respeito à aplicabilidade do direito de arrependimento, previsto na Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/18), às promessas de compra e venda das frações de tempo realizadas em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial (19). Entendemos que tais promessas de compra e venda estão inteiramente submetidas à regulação trazida pela Lei dos Distratos. Em outras palavras, essas avenças devem prever - além do quadro resumo completo na forma da lei - o direito de arrependimento do adquirente na forma prevista pelo art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), garantindo-se o direito de desistir do negócio no prazo de sete dias da assinatura do contrato, sempre que a venda for fechada em estande de vendas e fora da sede do incorporador (20). 

A importância prática de tal conclusão torna-se evidente quando verificamos que a prática comercial consagrada no Brasil para alienação e frações de tempo em multipropriedade, é aquela realizada em estandes de venda instalados em locais de grande circulação de público, visando, justamente, atingir o maior número de pessoas possível, pois a velocidade e o volume de vendas é elemento essencial para o sucesso dos empreendimentos neste formato.

Nesse sentido, a regulação legal da multipropriedade representa, sem dúvidas, maior segurança jurídica para o negócio pois estabiliza alguns conceitos e práticas que vinham sendo adotadas pelo mercado. No entanto, é importante ressaltar que a questão comercial, ou seja, o processo de venda da multipropriedade ao público deve obedecer a um conjunto de regras que visam proteger e informar o consumidor/adquirente a respeito das características do produto imobiliário que está adquirindo. O regime da multipropriedade, portanto, está inteiramente submetido à sistemática do CDC e da Lei de Condomínios e Incorporações (Lei nº 4.591/64).

Nesta senda, vislumbra-se o segundo ponto ainda a ser considerado acerca da multipropriedade: a possibilidade de enquadramento deste produto como um contrato de investimento coletivo (21), cuja oferta pública é regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Em recente decisão (22) o colegiado da CVM determinou em que situações a autarquia irá considerar como contrato de investimento coletivo (o chamado CIC) a oferta pública de frações de tempo em empreendimentos imobiliários sob o regime da propriedade condominial em multipropriedade. No entender do colegiado, nem sempre esse tipo de negócio constitui distribuição de CIC, sendo necessário atentar para a essência econômica da operação, a qual deve prevalecer sobre a forma jurídica adotada. 

A questão toda gira em torno da possibilidade que o multiproprietário tem, em determinados formatos jurídicos de multipropriedade, de auferir rendimentos com a colocação de sua fração de tempo (parte dela) em pool de locação para exploração conjunta pela administradora do empreendimento. Nesse sentido, o colegiado da CVM sinalizou que quando a colocação de frações de tempo (semanas) no pool é obrigatória, ou seja, quando a aquisição da fração está condicionada à adesão ao pool, tem-se que essa modalidade constitui contrato de investimento coletivo caso venha a ser oferta publicamente. O efeito prático desse enquadramento é a obrigatoriedade de submissão desta oferta ao regramento da CVM a fim de que a venda seja regular. 

A decisão do colegiado ainda tocou outro ponto importante ao determinar que nos empreendimentos nos quais a colocação da fração de tempo no pool é facultativa, ou seja, não está vinculada à aquisição do bem, é necessário verificar as particularidades do caso concreto, “em especial, atentar para motivação dos investidores em adquirir imóveis e a ênfase dada pelo vendedor na promoção do investimento” (23) .

Muito embora a decisão em comento tenha sido proferida no âmbito de um caso concreto, em vista de consulta formulada pela área técnica da CVM (Superintendência de Registros De Valores Mobiliários), acreditamos que as suas conclusões devem representar verdadeiro norte para a atuação dos empreendedores daqui para frente. A multipropriedade como negócio e como produto imobiliário tende a crescer no Brasil com a nova legislação que a regula. Dessa forma, é de extrema relevância que os empreendedores estejam atentos aos parâmetros que a CVM estabeleceu na referida decisão, a fim de idealizarem seus projetos e os respectivos materiais de divulgação e práticas de venda em sintonia com as balizas oferecidas pela autarquia. 

Não restam dúvidas de que ainda temos um longo caminho a percorrer. A Lei nº 13.777/18 oferece o ponto de partida legislativo para um horizonte de possibilidades e negócios, mas também é preciso reconhecer que os seus dispositivos devem ainda ser testados na prática.


(1) Dentre as recentes inovações legislativas nesta seara podemos mencionar a introdução do condomínio de lotes (art. 1.358-A do Código Civil), o direito real de laje (art. 1.510-A a 1.510-E do Código Civil) e a usucapião extrajudicial (art.  216-A da Lei nº 6.015/73, Lei de Registros Públicos).

(2)Devemos à Miguel Reale a concepção do Direito como experiência e como um sistema de modelos jurídicos. Portanto, quando empregamos a expressão “modelo jurídico” no presente artigo o fazemos no sentido da teoria por ele concebida na sua clássica obra “Fontes e Modelos do Direito” (REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003).

(3) GROSSI, Paolo. L’Europa del Diritto. 5ª ed. Bari: Editori Laterza, 2009, p.144.

(4) Seria possível argumentar que o caráter “exclusivo” do direito de propriedade não é tão absoluto assim, visto que o nosso Código Civil admite a figura do chamado “Condomínio Civil” ou “Condomínio Voluntário” (art. 1314 e seguintes), segundo o qual dois ou mais proprietários podem exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão sobre determinado bem. É o caso de situações como: herdeiros que recebem quinhões iguais sobre um bem imóvel tornando-se coproprietários do mesmo ou, ainda, duas pessoas que adquirem em conjunto um determinado bem.  Entretanto, se atentarmos aos artigos que regulam essas hipóteses de “propriedade com mais de um proprietário” no Código Civil, não é difícil perceber que as regras ali inscritas visam, antes de mais nada, facilitar a extinção desse Condomínio, ou seja, a própria Lei beneficia e prioriza a figura do proprietário único, pois permite que, a qualquer tempo, um dos condôminos possa exigir a divisão da coisa comum (art. 1320). 

(5) A legislação anterior, especialmente desde o Decreto nº 5.481/28, já tratava do condomínio em edifícios, mas este diploma não teve caráter tão definitivo e formatador dos condomínios quanto a Lei nº 4.591/64 formulada por Caio Mario da Silva Pereira.

(6) VIEGAS DA LIMA, Frederico Henrique. Condomínio em Edificações. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 55.

(7) O estudo mercadológico elaborado pela empresa Caio Calfat Real Estate Consulting e denominado “Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil 2019”, revela que o mercado de multipropriedade no Brasil alcançou a marca de 92 empreendimentos em 2019, com crescimento de 15% em relação a 2018. Ainda conforme o estudo, desses 92 empreendimentos: 46 encontram-se em operação, 34 em construção e 12 em fase de lançamento. A região nordeste lidera o ranking de número de empreendimento em multipropriedade (25 no total), seguida da região centro-oeste com 21 empreendimentos. O estudo completo encontra-se acessível em: http://www.caiocalfat.com.br/2019/06/06/cenario-do-desenvolvimento-de-multipropriedades-2019/

(8) Conforme notícia acessada em 01 de junho de 2019:  https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/giane-guerra/noticia/2019/05/garopaba-tera-resort-com-piscina-de-ondas-para-atrair-surfistas-gauchos-veja-imagens-cjvqlbkqp04pk01pe95qx4boe.html

(9) A título de exemplo podemos citar as redes RCI e Interval International, que atuam no Brasil e em diversos países.

(10) RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 63. 

(11) Interessante observar que o condomínio em multipropriedade pode ser uma ferramenta útil no âmbito do planejamento sucessório. Assim, considerando que o art. 1.358-F permite que a multipropriedade possa ser constituída através de testamento, essa modalidade pode representar uma boa alternativa para a sucessão de imóveis familiares localizados em áreas de lazer e turismo, evitando que o mesmo tenha de ser vendido ou mesmo que os sucessores entrem em conflito pela sua divisão. Assim, pensemos no seguinte exemplo: o testador, para evitar conflitos familiares e permitir que seus sucessores usufruam de imóvel localizado no litoral, institui por testamento que tal bem seguirá o regime do condomínio em multipropriedade, atribuindo a cada herdeiro uma fração de tempo daquele imóvel e demais regras para o compartilhamento da propriedade no tempo. 

(12) RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária, op. cit., p. 62.

(13) A solução jurídica adotada, antes da vigência da Lei nº 13.777, para contornar essas fragilidades era introduzir nos instrumentos contratuais cláusula que determinasse um pacto pela indivisibilidade do bem e outra em que o contratante/condômino renunciasse ao seu direito de preferência no caso de venda da fração imobiliária dos demais coproprietários. Entretanto, tal solução não era plenamente livre de riscos, pois tais cláusulas poderiam sofrer questionamentos judiciais ou extrajudiciais quanto à legalidade de se afastar, por meio de uma simples cláusula contratual, direitos que parte da doutrina e jurisprudência entendem como cogentes.

(14) Assim determina o art. 1.320 do Código Civil: “A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.”

(15) Direito esse assegurado por dois artigos do Código Civil: art. 504 e art. 1.322. 

(16) Art. 1.358-E. Cada fração de tempo é indivisível.

§ 1º O período correspondente a cada fração de tempo será de, no mínimo, 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados, e poderá ser:

I - fixo e determinado, no mesmo período de cada ano;

II - flutuante, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado; ou

III - misto, combinando os sistemas fixo e flutuante.

§ 2º Todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, podendo haver a aquisição de frações maiores que a mínima, com o correspondente direito ao uso por períodos também maiores.

(17) Art. 1.358-P. Na hipótese do art. 1.358-O, a convenção de condomínio edilício deve prever, além das matérias elencadas nos arts. 1.332, 1.334 e, se for o caso, 1.358-G deste Código: 

(...)

III - a forma de rateio, entre os multiproprietários de uma mesma unidade autônoma, das contribuições condominiais relativas à unidade, que, salvo se disciplinada de forma diversa no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio em multipropriedade, será proporcional à fração de tempo de cada multiproprietário;

IV - a especificação das despesas ordinárias, cujo custeio será obrigatório, independentemente do uso e gozo do imóvel e das áreas comuns;

(18) Art. 1.358-S. Na hipótese de inadimplemento, por parte do multiproprietário, da obrigação de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias, é cabível, na forma da lei processual civil, a adjudicação ao condomínio edilício da fração de tempo correspondente.

Parágrafo único. Na hipótese de o imóvel objeto da multipropriedade ser parte integrante de empreendimento em que haja sistema de locação das frações de tempo no qual os titulares possam ou sejam obrigados a locar suas frações de tempo exclusivamente por meio de uma administração única, repartindo entre si as receitas das locações independentemente da efetiva ocupação de cada unidade autônoma, poderá a convenção do condomínio edilício regrar que em caso de inadimplência:

I - o inadimplente fique proibido de utilizar o imóvel até a integral quitação da dívida;

II - a fração de tempo do inadimplente passe a integrar o pool da administradora;

III - a administradora do sistema de locação fique automaticamente munida de poderes e obrigada a, por conta e ordem do inadimplente, utilizar a integralidade dos valores líquidos a que o inadimplente tiver direito para amortizar suas dívidas condominiais, seja do condomínio edilício, seja do condomínio em multipropriedade, até sua integral quitação, devendo eventual saldo ser imediatamente repassado ao multiproprietário.

(19) Art. 35-A. Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter: (...)

VIII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;

(20) Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

(21) A definição de contrato de investimento coletivo é dada pelo inciso IX do art. 2º da lei que regula do mercado de valores mobiliários no Brasil (Lei nº 6.385/76), que assim dispõe: “Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (...) IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”    

(22) Decisão do Colegiado de 22/04/2019. Consulta ao Colegiado sobre a caracterização de contratos de venda de frações de tempo em empreendimento imobiliário estruturado sob o modelo de multipropriedade (time sharing) como contratos de investimento coletivos, se aliados a pool de locação voluntário e ofertados publicamente. Processo SEI 19957.009524/2017-41. 

(23) Trecho do voto do Relator do processo, Gustavo Machado Gonzalez. 




Compartilhe: