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Contratos Eletrônicos: Conceito, Validade Jurídica e sua Aplicabilidade aos Negócios Jurídicos Imobiliários

Por: Maria Angélica Jobim de Oliveira
18/02/2020

RESUMO


Grande parte das tarefas do cotidiano hoje em dia são feitas através de computadores e aplicativos de smartphones. Esse novo cenário de transformações terminou por influenciar as relações comerciais e a forma de realização de inúmeros negócios jurídicos, aumentando o número de contratos eletrônicos firmados. O presente artigo tem como objetivo definir e analisar o contrato eletrônico, inclusive no âmbito do direito imobiliário, demostrando que o mesmo não é um novo tipo contratual, mas sim uma forma de manifestação de vontade diversa. Além disso, apresentaremos a legislação aplicável aos contratos eletrônicos, bem como a maneira pela qual a jurisprudência tem enfrentado essa questão. Por fim, demonstraremos de que forma os contratos eletrônicos estão sendo utilizados nos negócios jurídicos imobiliários.


INTRODUÇÃO


No início do século XXI entramos na era da internet. Nos últimos anos, a internet evoluiu de tal forma que ocasionou verdadeira revolução na informação, e essa revolução é tão grande que pode ser comparada com àquela representada pela ferrovia à época da revolução industrial (1). 

Esse fenômeno gerou impacto no cotidiano de todos, influenciando não só nas formas de comunicação e de informação, mas também no modo de viver da população. Grande parte das tarefas do cotidiano podem ser feitas através da internet como, por exemplo, operações bancárias, pedido de tele-entrega de restaurantes, compras em supermercado, compras de utensílios, leitura de jornais e revistas, aluguel de casa para temporada, locomoção através de aplicativos, enfim, existe uma gama de possibilidades de operações através dos meios digitais. Em função disso, as grandes empresas têm buscado inserir-se neste meio, modernizando-se e reinventando-se. A título de exemplo, diversos shoppings centers criaram o seu marketplace, um portal na internet que reúne diversas marcas e lojistas, justamente para não perderem espaço para o comércio eletrônico (2). 

A nova realidade digital impactou também na percepção de tempo da população. As pessoas, com o uso da tecnologia, estão acostumadas a ter os seus interesses e expectativas atendidos em curto espaço de tempo e almejam, então, essa mesma velocidade em todos os aspectos da vida. Esse cenário acabou por influenciar também as relações comerciais e, consequentemente, influenciou a forma de realização de inúmeros negócios jurídicos, aumentando o número de contratos eletrônicos firmados. O Direito, como se sabe, evolui conforme às necessidades da sociedade e, portanto, deve acompanhar as transformações da realidade digital.

Seguindo essa perspectiva, no presente artigo temos como objetivo analisar e conceituar o contrato eletrônico, demostrando que o mesmo não é um novo tipo contratual, mas sim uma forma de manifestação de vontade diversa. Além disso, apresentaremos a legislação aplicável aos contratos eletrônicos, bem como a maneira pela qual a jurisprudência nacional tem enfrentado essa questão. Por fim, demonstraremos de que forma os contratos eletrônicos estão sendo utilizados nos negócios jurídicos imobiliários.


1. CONCEITO, VALIDADE JURÍDICA E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AOS CONTRATOS ELETRÔNICOS


A expressão “contrato eletrônico” tem sido a mais utilizada pela doutrina nacional, embora encontremos outras denominações para esse modo de manifestação da vontade, como “contrato virtual”, “e-contratos”, “contratos via internet”, ou ainda “contratos telemáticos”. Independentemente da nomenclatura, o importante a se notar é que o contrato eletrônico não é um novo tipo contratual ou uma nova modalidade de contrato, mas sim é o meio pelo qual o contrato será entabulado. Assim, existe, por exemplo, um contrato de locação eletrônico, um contrato de compra e venda de bem móvel eletrônico, um contrato de prestação de serviço eletrônico, entre outros.

Alguns contratos ainda não admitem o meio eletrônico, por serem formais e solenes. A título de exemplo, o contrato de compra e venda de bem imóvel, de valor superior a trinta salários mínimos, por força de lei, deve ser firmado mediante escritura pública, segundo preceitua o art. 108, do Código Civil. Enquanto não houver alteração neste dispositivo, o meio eletrônico fica prejudicado para a formação eletrônica deste contrato. No entanto, com o avançar da tecnologia, esta situação tende a mudar. 

Dito isso, passaremos a conceituar o contrato eletrônico. O melhor conceito de contrato eletrônico, ao nosso ver, é aquele trazido por Rodrigo Fernando Rebouças, em seu livro dedicado ao tema, no qual refere que, para se definir quando se trata de contrato eletrônico, é importante notar o binômio momento e meio. Vale dizer, o contrato eletrônico é definido pelo momento e pelo meio empregado para a sua formação (3).

Em relação ao meio, o mesmo deve ser eletrônico. Salienta-se, nesse ponto, que não é recomendável que, na conceituação de contrato eletrônico, se especifique a forma de acesso à internet e/ou o meio eletrônico de comunicação empregado (hardware), tendo em vista que o mesmo poderá facilmente ser objeto de superação. A título de exemplo, atualmente não é mais necessário que se tenha um computador para a celebração do contrato eletrônico, podendo ser utilizado um aparelho móvel do tipo smartphone, ou um tablet (4) . Não precisa se acessar um site, pode-se simplesmente baixar um aplicativo que preste o serviço desejado. 

Quanto ao momento, para se identificar a existência de contrato eletrônico, é necessário averiguar se, quando da formação do contrato, utilizou-se do meio eletrônico. Isto é, o meio eletrônico obrigatoriamente deve ser empregado na fase da celebração do contrato, independentemente se na fase pré-contratual as negociações foram feitas mediante meio eletrônico ou não, e se na fase de cumprimento ou até mesmo de execução, empregou-se o meio eletrônico.

Assim, por exemplo, se as partes, na fase negocial, realizaram diversas tratativas por meio eletrônico e, quando da celebração do contrato definitivo, o mesmo ocorreu por meios tradicionais, isto é, mediante contrato físico impresso, não resta configurado um contrato eletrônico (5). Da mesma forma, se o contrato for celebrado por meios tradicionais e a sua execução se der por meio eletrônico como, por exemplo, mediante prestação de serviço pela internet, igualmente não restará caracterizado um contrato eletrônico . O importante, portanto, é que a manifestação da vontade e a celebração/formação do contrato se dê mediante meios digitais. As demais fases contratuais podem ser eletrônicas ou não. Diante disso, tem-se que o contrato eletrônico é “negócio jurídico contratual realizado pela manifestação de vontade, das posições jurídicas ativa e passiva, expressada por meio (=forma) eletrônico no momento de sua formação” (6). 

De forma sucinta e precisa, Maria Eugênia Finkelstein menciona que “contrato eletrônico é caracterizado por empregar meio eletrônico para sua celebração” (7). Apesar de sucinto, este conceito, de maneira correta, possui o binômio “meio” e “momento”, e não atrela o “meio” a nenhum tipo de instrumento específico, justamente para não se desatualizar.

Na mesma linha, outra definição interessante é de que “o contrato eletrônico pode ser compreendido como uma técnica de efetivação contratual. Assim, tem os mesmos requisitos de validade dos contratos em geral, recaindo sobre as mesmas espécies de objetos. O que o diferencia dos demais é o meio ou instrumento utilizado para a sua concretização” (8).

Destaca-se, outrossim, que não deve se confundir contrato eletrônico com comércio eletrônico. Isso porque, embora o crescimento dos contratos eletrônicos esteja intimamente ligado ao comércio eletrônico, e embora o comércio eletrônico seja realizado mediante os contratos eletrônicos, existem contratos eletrônicos fora do contexto do comércio eletrônico.

Os contratos eletrônicos podem, ainda, ser divididos de acordo com a sua forma de contratação pelo meio eletrônico. Nesse sentido, os contratos eletrônicos podem ser efetivados mediante: (i) contratações interpessoais; (ii) contratações interativas; e (iii) contratações intersistêmicas.

As contratações interpessoais são aquelas em que há a necessidade da ação humana de forma direta, envolvendo os momentos da oferta ou da proposta e o momento do aceite ou da nova proposta. Todas as ações necessitam a ação humana e a respectiva declaração de vontade. É o que ocorre, por exemplo, quando as partes trocam e-mails entrei si com conteúdo contratual ou negocial. As contratações interativas, por seu turno, se caracterizam quando há a interação de um agente e um site ou um aplicativo. Normalmente ocorre quando há uma loja virtual, na qual o consumidor acessa o site para a aquisição de determinado bem móvel. Nestes casos, o comprador simplesmente adere as condições da contratação pré-definidas, com um simples clique no mouse (9). Por fim, os contratos intersistêmicos são utilizados entre as empresas, distribuidor e produtor, para as relações comerciais de atacado, caracterizando-se pelo fato de a comunicação entre as partes contratantes operar-se em redes fechadas de comunicação, através de sistemas e aplicativos previamente programados (10). 

Uma vez entendido o conceito de contrato eletrônico e que o mesmo não representa um novo tipo contratual, mas sim uma nova forma de contratação, cabe verificar a legislação que lhe é aplicável. No Brasil, ainda é incipiente a legislação dedicada aos contratos eletrônicos, como a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (11) que, dentre outras providências, institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, trazendo as regras de certificação digital para os documentos eletrônicos, ou ainda as normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) paras as operações por sistemas eletrônicos (contratos eletrônicos). 

A Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 não regulamenta os contratos eletrônicos em si, ela visa garantir a autenticidade, a integridade, e assegurar a validade jurídica dos documentos eletrônicos. A medida, como dito, instituiu a infraestrutura de chaves públicas brasileiras, que fornece suporte à operação de certificação digital baseado em criptografia de chave pública (12).

A doutrina não é uníssona em relação à necessidade ou não de uma legislação própria que regulamente os contratos eletrônicos. Contudo, a doutrina majoritária tem adotado a corrente “mista”, segundo a qual, para as situações que necessitem de regulação de segurança da operação, deverá existir uma legislação específica, como a da assinatura digital. Já para as operações corriqueiras, poderá ser aplicada a legislação vigente para cada tipo contratual, transportando para os casos da internet (13).

Vale dizer, considerando que o contrato eletrônico é apenas uma nova forma de contratação, aplicam-se os dispositivos legais relativos aos contratos em geral, bem como os dispositivos relativos à modalidade de contrato do caso concreto. Por exemplo, tratando-se de contrato de locação eletrônico, aplicam-se os dispositivos legais referentes aos contratos em geral, bem como os dispositivos legais específicos do contrato de locação. Não há, assim, a necessidade de um regramento específico para o contrato eletrônico, mas tão somente leis que regulamentam a segurança do negócio em si, tratando, por exemplo, da assinatura digital, apenas para situações que necessitem de maior segurança jurídica.

Nesse ponto, há uma observação importante: considerando a velocidade da evolução dos meios digitais, qualquer tentativa de regulamentação específica para os contratos eletrônicos poderá ser facilmente superada, ocorrendo rápida desatualização, ao passo em que o nosso ordenamento jurídico, com os princípios e normas gerais dos contratos, pode sim ser utilizado, se amoldando e recepcionando os contratos eletrônicos (14).

Dessa forma, aos contratos eletrônicos aplicam-se os princípios gerais dos contratos, como o princípio da boa-fé objetiva, autonomia privada, o princípio da função social do contrato, entre outros; além disso, aplicam-se os dispositivos legais constantes do Código Civil, aplicáveis a todos e quaisquer contratos, como os artigos 104, 107, 113, 187, 421, 422, e parágrafo único do art. 2.035 (15). Ainda, dependendo do tipo contratual do caso em análise, aplicam-se os dispositivos específicos do contrato, como por exemplo, os dispositivos da compra e venda, da locação, da prestação de serviço etc. Dependendo do tipo de relação, aplicam-se também os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, sobretudo quando há contratos interativos, por exemplo, a aquisição de bens através de site de loja virtual.

Portanto, tem-se que o ordenamento jurídico pode recepcionar os contratos eletrônicos, respeitando-se aquelas modalidades de contrato formais e solenes que, por força de lei, ainda não admitem o meio eletrônico para a sua formação. Tem-se por desnecessárias legislações específicas para os contratos eletrônicos, pois aplicam-se os princípios e normas já existentes para os contratos, devendo existir, isso sim, normas jurídicas que regulamentem a segurança do documento eletrônico em si, bem como das assinaturas digitais, para conferir maior segurança jurídica às operações, de forma a auxiliar cada vez mais na utilização dos contratos eletrônicos.

Por fim, os Tribunais, especialmente ao Superior Tribunal de Justiça, já proferiram decisões no sentido de recepcionar os contratos eletrônicos, como veremos a seguir. 


2. O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS


Um exemplo muito interessante de caso envolvendo discussão acerca de contrato eletrônico julgado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça é o Recurso Especial nº 1.495.920/DF, julgado em maio de 2018, da lavra do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (16). Neste caso, a Terceira Turma entendeu, por maioria, que um contrato de mútuo eletrônico celebrado sem a assinatura de testemunhas pode, excepcionalmente, configurar título executivo extrajudicial e, assim, permitir a execução direta em caso de inadimplência. 

O caso era uma execução de título extrajudicial ajuizada pela Fundação dos Economiários Federais – FUNCEF em face de devedor que teria deixado de adimplir determinadas parcelas de contrato eletrônico de mútuo entabulado entre as partes. O juízo de primeira instância extinguiu o processo, sem resolução de mérito, indeferindo a petição inicial, por entender ausente o título executivo, tendo em vista que o contrato eletrônico de mútuo não possuía a assinatura de duas testemunhas, tal como exigido pelo art. 585, inc. II, do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da decisão. Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios manteve a sentença extintiva, destacando que o rol de títulos executivos extrajudiciais, constante do art. 585 do antigo Código de Processo Civil (atual 784, do Código de Processo Civil de 2015), era taxativo, e nele não se encontrava documento particular sem a presença de testemunhas.

Frente a essa decisão, a exequente FUNCEF apresentou Recurso Especial, cuja principal tese era de que, apesar de o art. 585 do CPC/73 (atual art. 784, do Código de Processo Civil de 2015), não mencionar como título executivo extrajudicial o contrato eletrônico assinado digitalmente, ainda assim o mesmo deveria ser considerado como tal, pois reiteradamente celebrado nos dias atuais, e especialmente porque fazem as vezes das testemunhas a assinatura eletrônica com certificação pelo ICP.” (17) 

O Superior Tribunal de Justiça, por maioria, entendeu por dar provimento ao Recurso Especial, mencionando que o contrato eletrônico assinado digitalmente, em conformidade com a infraestrutura brasileira de chaves públicas, pode ser considerado título executivo extrajudicial.  Destacou o Ministro Relator, nesse sentido, que a crescente utilização dessas novas tecnologias impõe um novo olhar do Poder Judiciário, incluindo o reconhecimento da executividade de determinados títulos, em face da nova realidade comercial, com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual.

O ponto central do voto do Relator, que foi acompanhado pela maioria, foi de que a exigência legal da presença das testemunhas nos títulos executivos se justifica para demonstrar a existência e a higidez da contratação, sendo que a assinatura digital do contrato eletrônico supriria essa questão. Isso porque, segundo o Relator, “a assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documentos que estão a ser sigilosamente enviados”. Além disso, o Relator destacou que as partes mantiveram os documentos eletrônicos relevantes ao negócio hospedados em site de gerenciamento, que também teria registrado eletronicamente os contatos feitos no curso da relação negocial, o que satisfaria a condição mínima necessária para reconhecer ao contrato eletrônico aquilo que as testemunhas garantem em relação ao documento privado físico.

O entendimento, portanto, foi de que o processo de certificação assegura os mesmos objetivos de autenticidade pretendidos pelo legislador ao exigir a assinatura de duas testemunhas em relação ao contrato físico. Ademais, foi reconhecida, em face das particularidades dos contratos eletrônicos, notadamente o fato de a celebração ser à distância e eletronicamente, a inviabilidade da exigência das duas testemunhas para que sejam considerados títulos executivos.

Salienta-se, todavia, que este entendimento não deve ser aplicado a todo e qualquer contrato eletrônico indistintamente, mas unicamente àqueles que apresentarem a assinatura digital. Em seu voto, o Ministro Relator inclusive demonstrou a diferença entre assinatura eletrônica e assinatura digital, mencionando que o termo “assinatura eletrônica” é mais amplo e engloba assinaturas que não usam o mecanismo da criptografia das chaves públicas; enquanto que a assinatura digital é somente aquela em que se utiliza este mecanismo, o qual confere muito mais segurança e que é amplamente utilizada nos processos eletrônicos, por exemplo.

O único voto divergente foi o do Ministro Ricardo Villas Boâs Cueva. no entanto, importa notar que não houve discordância em relação à possibilidade de se reconhecer executividade aos contratos eletrônicos. Ao contrário, o Ministro inclusive expressamente aderiu à tese, destacando que a excepcionalidade de se reconhecer a superação do requisito de duas testemunhas poderia ocorrer se observadas as garantias mínimas de autenticidade e segurança, e caso os pressupostos de existência e validade do contrato pudessem ser verificados por outros meios idôneos. A divergência se deu tão somente em função de peculiaridades fáticas do caso concreto, tais como a circunstância de se tratar de arquivo digital impresso, em que a assinatura do executado seria uma mera representação gráfica, bem como o fato de não ser possível se verificar quem possuiria o certificado eletrônico neste caso: se a credora, o devedor ou a plataforma eletrônica utilizada para a celebração do negócio jurídico (18). 

Esse precedente demonstra a chancela do Superior Tribunal de Justiça em relação à utilização dos contratos eletrônicos e sua validade, legitimando a crescente utilização deste meio de contratação. Além disso, confere maior segurança às partes, pois, havendo inadimplência e estando preenchidos os requisitos, não haverá óbice à sua execução.

Outro julgado interessante acerca da utilização dos contratos eletrônicos é a Apelação Cível nº 70078333846, julgada pela Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julho de 2018 (19). Neste caso, uma estudante havia se matriculado, mediante contrato eletrônico, para participar de um curso à distância de Gestão Ambiental. No entanto, após alguns meses, a mesma desistiu do curso e não adimpliu a parcela relativa ao mês da desistência, sendo que o contrato continha cláusula expressa nesse sentido. A estudante, frente a inadimplência, foi inscrita nos órgãos de proteção ao crédito e, em razão disto, ajuizou ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pleito indenizatório. 

O Tribunal de Justiça, modificando a sentença de primeira instância, entendeu por julgar improcedente a ação, reconhecendo a validade do contrato eletrônico entabulado entre as partes, e destacando que neste tipo de contratação não haveria a necessidade de assinatura no documento, uma vez que esta é substituída pela senha pessoal e intransferível do contratante. Ainda, foi mencionado que, ao aceitar os termos do contrato, a autora declarou ter lido e estar ciente de todas as cláusulas do referido pacto, inclusive da cláusula que previa o pagamento da mensalidade relativa ao mês da desistência do curso.

Além desta decisão, são inúmeros os casos em que se discute a existência ou não de débito, relativos a contratos eletrônicos bancários. Os Tribunais, quando há comprovação, têm aceito estas contratações realizadas eletronicamente junto aos bancos. A título de exemplo, destaca-se a Apelação nº 1031404-48.2015.8.26.0577, julgada em dezembro de 2018, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (20), na qual se constatou a regularidade da contratação realizada eletronicamente pelas partes, bem como a inadimplência do contratante, de forma que o entendimento foi pela licitude de sua negativação nos órgãos de proteção ao crédito. 

Ainda, outra decisão interessante envolvendo contrato eletrônico é a Apelação nº 0075666-78.2008.8.26.0114, julgada pela 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em setembro de 2018 (21).  Neste caso, o consumidor havia efetivado a compra de um bem móvel através do site de uma empresa, produto este que apesar de devidamente pago não foi entregue. Além da empresa que ofertou o produto, também estava no polo passivo da demanda indenizatória a empresa que forneceu o mecanismo busca on-line. Neste caso, o autor havia acessado o site de busca e localizou o contato da empresa que ofereceu o produto. O entendimento do Tribunal foi o de reconhecer a validade do contrato eletrônico e condenar a empresa que negociou o produto à restituição do valor pago pelo bem, além de indenização por dano moral. 

No entanto, em relação à empresa de busca on-line, o entendimento foi de que a mesma não teria responsabilidade por eventual inadimplemento do contrato, pois a sua função, naquele caso, era somente de garantia de sigilo e segurança das informações do usuário e viabilização dos resultados das buscas on-line. 

Este mesmo entendimento já havia sido adotado anteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1444008/RS, da lavra da Ministra Nancy Andrighi (22). Neste caso, a Ministra Relatora destacou que “o provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual”.

O que se percebe, portanto, é que existem inúmeros conflitos relativos a contratos eletrônicos que estão chegando ao Poder Judiciário. Como visto, os Tribunais estão aceitando amplamente esta nova forma de manifestação de vontade, reconhecendo a sua validade quando devidamente comprovada a contratação. E não poderia ser diferente, tendo em vista que a sociedade está cada vez mais utilizando os meios tecnológicos.


3. A UTILIZAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS NO ÂMBITO DO MERCADO IMOBILIÁRIO


O contrato eletrônico tem sido cada vez mais utilizado no mercado imobiliário. Existem determinadas operações envolvendo imóveis para as quais a lei ainda exige a forma solene de escritura pública, tais como as operações que envolvam direitos reais. Nesse sentido, o art. 108 do Código Civil prevê que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” 

Isto é, todo o negócio jurídico que envolva constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis com valor superior a trinta salários mínimos, deverá utilizar-se da escritura pública como condição para a sua validade. 

A realidade da utilização do meio físico para essas operações, contudo, pode mudar. Em abril de 2017, o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF) participou do V Encontro de Direitos Reais, Direito Notarial e de Registros, promovido pelo Centro de Estudos Notariais e Registrais (CENoR) da Universidade de Coimbra, em Portugal. Durante dois dias foram debatidos importantes temas atuais da atividade notarial, dentre eles a questão da escritura eletrônica (23). E, em março de 2019, aconteceu outro encontro com os colegas portugueses para se debater o impacto das novas tecnologias nos registros públicos (24). Isto é, a questão das escrituras públicas eletrônicas e do impacto da tecnologia nos cartórios de registros de imóveis e tabelionatos está sendo debatida para, no futuro, ocorrer um avanço nesse sentido, utilizando-se também dos meios eletrônicos nestas operações.

A operação dentro do mercado imobiliário na qual a utilização dos contratos eletrônicos vem se expandindo exponencialmente, uma vez que não existe tais óbices formais, é a locação de bem imóvel. A locação de imóveis é regulada pela Lei nº 8.245/91, e essa legislação não traz nenhuma formalidade a ser cumprida pelas partes para a formação do contrato, sendo inclusive permitida a locação verbal, consoante dispõe o seu art. 47.

Assim, não sendo a locação um contrato formal e solene, admite a manifestação da vontade também por meios eletrônicos. Um exemplo bastante difundido na sociedade são os aplicativos e plataformas on-line, que ofertam imóveis para a locação. Nestes sites, por exemplo, as pessoas compartilham os seus imóveis para disponibilizá-los para locação. 

A principal vantagem é que existe uma gama de possibilidades de imóveis, com preços e características variados, e que toda a contratação se dá mediante as plataformas on-line. Vale dizer, a praticidade impera neste tipo de negociação. Há, nestes casos, uma contratação eletrônica. No próprio anúncio do imóvel constam as suas fotos, informações básicas, eventuais exigências feitas pelo proprietário e a disponibilidade do imóvel. O procedimento, sem dúvidas, torna-se mais simples para ambas as partes. 

Também já é comum as imobiliárias físicas adotarem as assinaturas digitais para os seus contratos de locação. Isso porque uma das etapas mais burocráticas e demoradas do contrato de locação é justamente a sua assinatura. É necessário reunir as partes, fiadores, registrar firma, reconhecer firma, visitar cartórios. A assinatura digital, assim, tem sido prática adotada por reduzir a morosidade e o tempo gasto com as assinaturas. 

As principais vantagens são a eliminação do processo manual de coleta de assinaturas, a simplificação dos processos, a redução do tempo, a agilidade, a redução de custos e a possibilidade de assinatura à distância. Neste caso, as imobiliárias mantêm a negociação na forma tradicional e somente o contrato é celebrado mediante a assinatura digital.

Outro exemplo interessante é que existem startups criadas para fomentar o co-living, que são os imóveis compartilhados nos quais se alugam os quartos para moradia. Estas startups possuem uma plataforma digital que conecta as pessoas, através da qual as interessadas se cadastram, divulgam e pesquisam imóveis compartilhados. As plataformas, ainda, podem gerir os pagamentos mensais dos quartos, os contratos, e as notificações em caso de quebra de regras.

Enfim, as plataformas digitais transformaram o cenário do mercado imobiliário, trazendo maior agilidade e alternativas. Todavia, considerando que as plataformas são recentes, certamente existem muitas dúvidas e indagações que deverão ser objeto de debate e apreciação pelos juristas, doutrinadores e jurisprudência. A título de exemplo, nos casos de locação efetivada por meio eletrônico, pairam dúvidas em relação à possibilidade ou não de averbação deste contrato eletrônico na matrícula do imóvel, para garantia da vigência do contrato em caso de alienação, conforme prevê o art. 8º da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91). 

Independente das futuras discussões envolvendo tais contratos, o fato é que, seja pela utilização das plataformas de compartilhamento de imóveis para locação, ou até mesmo para a locação de quartos (co-living), existe uma notável tendência de a sociedade utilizar estas ferramentas digitais para as operações envolvendo imóveis, sobretudo em função da praticidade e da agilidade destes procedimentos. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Grande parte das tarefas do cotidiano hoje em dia são feitas através de computadores e aplicativos de smartphones. Surgiram empresas, muitas delas startups, que revolucionaram diversos setores do mercado, inovando e trazendo grande praticidade às negociações. 

Aplicam-se aos contratos eletrônicos os princípios e normas gerais do direito obrigacional, bem como as normas específicas do tipo contratual do caso concreto. 

Viu-se que os contratos eletrônicos são plenamente válidos e a jurisprudência vem recepcionando essa modalidade de contratação, quando devidamente comprovada. 

No âmbito imobiliário, os contratos eletrônicos vêm sendo incorporados ao cotidiano de diversas operações que não exigem a forma solene. Para que o contrato eletrônico possa alcançar todas as operações imobiliárias, deverá ocorrer uma alteração na legislação, que autorize a forma eletrônica sem que se perca a imprescindível segurança jurídica. 


(1) MONTEIRO, Marcelo. Contratos Eletrônicos. 2006. Monografia – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 11. 

(2) MARINELLI, Luciana. “Shoppings avançam nas vendas on-line”, Valor Econômico, 08/01/2019.

(3) REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos eletrônicos – Formação e Validade – Aplicações práticas. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2018, p. 25.

(4) Ibidem, p. 26.

(5) Ibidem, p. 28.

(6) Ibidem, p. 33.

(7)FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. Porto Alegre: Editora Síntese, 2004. p. 187.

(8)CANELLO, Júlio. “Os contratos eletrônicos no direito brasileiro: Comentários sobre o tempo e o lugar na formação contratual”. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/267709931_OS_CON TRATOS_ELETRONICOS_NO_DIREITO_BRASILEIRO_COMENTARIOS_SOBRE_O_TEMPO_E_LUGAR_DA_FORMACAO_CONTRATUAL

(9) REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos eletrônicos – Formação e Validade – Aplicações práticas, op. cit., p. 52.

(10) MIRANDA, Janete. “Contratos eletrônicos – Princípios, condições e validade”. Disponível em: https://jan75.jusbrasil.com.br/artigos/149340567/contratos-eletronicos-principios-condicoes-e-validade

(11) É importante referir que a Medida Provisória nº 2.200-2/2001 permanece em vigor até hoje, uma vez que a sua promulgação é anterior à Emenda Constitucional nº 32, a qual determina um prazo para a conversão de Medidas Provisórias em Lei. 

(12) MONTEIRO, Marcelo. Contratos Eletrônicos, op. cit.

(13) REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos eletrônicos – Formação e Validade – Aplicações práticas, op. cit., p. 33.

(14) Ibidem, p. 39.

(15) Ibidem, p. 63.

(16) REsp 1495920/DF, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018.

(17) ICP Brasil ou Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira é, na definição oficial, uma cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação visual do cidadão.  

(18) FRAZÃO, Ana. “Contratos eletrônicos – A possibilidade de serem considerados títulos executivos extrajudiciais”. Disponível em: http://anafrazao.com.br/files/publicacoes/2018-08-08-Contratos_eletro nicos_A_possibilidade_de_serem_considerados_titulos_executivos_extrajudiciais.pdf

(19) Apelação Cível Nº 70078333846, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 26/07/2018.

(20) Apelação 1031404-48.2015.8.26.0577, Tribunal de Justiça de São Paulo, 16ª Câmara de Direito Privado, Relator: Jovino de Sylos, Julgado em 04/12/2018.

(21) Apelação 0075666-78.2008.8.26.0114, Tribunal de Justiça de São Paulo, 35ª Câmara de Direito Privado Relator: Flavio Abramovici, julgado em 03/09/2018.

(22) REsp 1444008/RS, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016.

(23) Colégio Notarial do Brasil.  “Notariado brasileiro debate contratos eletrônicos e temas imobiliários em Portugal”. Disponível em: http://www.cnbsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in= MTQzNDE=&filtro=&Data=

(24) Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. “Registros públicos e as novas tecnologias da informação são temas do simpósio ‘Conexão Coimbra’”. Disponível em: http://www.irib.org.br/noticias/detalhes/ registros-publicos-e-as-novas-tecnologias-da-informacao-sao-temas-do-simposio-undefinedconexao-coimbra-undefined-sao-pauloundefined-no-dia-7-de-marco

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