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O Impacto do Novo Coronavírus nas Relações Condominiais e o Poder-Dever do Síndico

Por: Marco Meimes e Marina Kremer Cauduro
09/04/2020

INTRODUÇÃO

Na quarta-feira, dia 11 de março de 2020, em razão da ampla disseminação do novo coronavírus (Sars-Cov-2) causador da doença denominada Covid-19, a Organização Mundial da Saúde elevou o status da contaminação para pandemia, fruto de seu alastramento a diversos continentes com transmissão sustentada (1).

Nesse contexto, a União, os Estados e os Municípios, e seus respectivos ministérios, secretarias e outros órgãos públicos, passaram a editar decretos, portarias e resoluções, tendo por objeto regular, dentre outros, uma variedade de providências direcionadas a atender a orientação básica de sustentabilidade do sistema de saúde: o isolamento físico entre as pessoas.

As maiores concentrações populacionais estão localizadas nas metrópoles e grandes cidades e, dentro destas, justamente nos condomínios edilícios. Trata-se, sabidamente, de edificações que se caracterizam por possuir, além de unidades autônomas de uso privativo, áreas de uso comum, de uso compartilhado entre os condôminos.

 Em razão do convívio próximo, nenhum condômino pode utilizar a sua unidade privativa de maneira que perturbe os demais, devendo abster-se de práticas que possam prejudicar o sossego, a saúde e a segurança dos outros (art. 1.336, inc. IV, Código Civil (2)). 

Ocorre que, no estágio que se encontra a pandemia, a própria utilização comum de maçanetas, corrimãos e elevadores, já é capaz de provocar disseminação da COVID-19, daí porque a necessidade de que os condomínios, por intermédio dos respectivos síndicos, reduzam ou até mesmo impeçam, nesse período, determinadas atividades e práticas cotidianas. 

Disso advém as principais questões: dentro do microssistema do condomínio edilício, como é possível atender a orientação geral de isolamento e de luta contra a disseminação do vírus? Quais são os poderes do Síndico? Como pode (ou deve) atuar o síndico nessa situação de total excepcionalidade?

A administração do condomínio edilício, nos termos dos artigos 1.347 e 1.348 do Código Civil (3) é feita pelo Síndico, pessoa investida pela assembleia geral nos poderes e competências necessários a zelar pelas partes comuns da edificação, representando os condôminos nas medidas necessárias para proteger os interesses comuns. 

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira, além de suas atividades comezinhas, “outras funções ou deveres recaem sobre o síndico, se considerados necessárias para a boa administração do condomínio, o que pode ocorrer em situações excepcionais ou de urgência” (4). Logo, é justo que o síndico se considere também investido de faculdades implícitas para o exercício dos atos necessários ao bom desempenho das funções (5). 

No caso concreto, diante da pandemia, não se trata de apenas poderes ampliados do Síndico. O Síndico, a nosso ver, tem o poder-dever de atuar visando reduzir a circulação de pessoas nas áreas de uso comum dos condomínios edilícios, em observância às restrições impostas pelos órgãos competentes.

Atento à situação excepcional e de urgência que vivemos, o Senado Federal, no dia 03/04/2020, aprovou o substitutivo do Projeto de Lei nº 1179/2020, o qual “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)” e será encaminhado à Câmara dos Deputados.

Dentro desse contexto, passa-se a indicar, à luz do citado projeto de lei e de outras fontes, as medidas pontuais e efetivas que o Síndico poderá e deverá adotar com o objetivo de evitar a disseminação do vírus. 

Ressalta-se, desde já, ser extremamente recomendável que o Síndico tome todas as decisões com apoio jurídico e consulte os Subsíndicos e membros do Conselho Condominial.



INTERDIÇÃO DE ÁREAS COMUNS: PISCINA, SALÕES DE FESTAS, ESPAÇO KIDS, ETC.

As edificações contam com áreas de uso comum cada vez mais complexas, tais como academia, salão de festas, piscina, sauna, quadra poliesportiva, espaço kids, área gourmet, dentre outros. O art. 1.335, do Código Civil, estabelece que é direito do condômino usar das partes comuns do Condomínio.

O Projeto de Lei nº 1179/2020 (substitutivo) aprovado pelo Senado Federal reserva um capítulo aos Condomínios Edilícios (Capítulo VIII), no qual foi ampliada a competência do Síndico, que poderá “restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos” (art. 11, inc. I, grifo nosso).

Diante do contexto de pandemia (COVID-19), o Síndico pode e deve restringir, ou até mesmo proibir temporariamente, a utilização das  áreas de uso comum, com objetivo de evitar aglomerações e reduzir o risco de contágio, uma vez que deve ser priorizado, neste momento, a saúde coletiva e o isolamento necessário ao não colapso dos sistemas públicos.



O USO DOS ELEVADORES EM ÉPOCA DE PANDEMIA

Quanto aos elevadores, a Associação Médica Brasileira informou que estes podem ser classificados como ambientes com grande potencial de contaminação pelo novo coronavírus. Ciente de tal fato, o Ministério da Saúde forneceu orientações específicas para fins de evitar a propagação do vírus nos elevadores:


 

ACESSO AO CONDOMÍNIO E RESTRIÇÕES NAS ÁREAS PRIVATIVAS (APARTAMENTOS) 

Em que pese o art. 1.335, inc. I, do Código Civil, confira ao condômino o direito de usar, fruir e dispor de sua unidade, o Síndico, em atenção à orientação de isolamento físico, pode e deve, sempre que necessário, limitar o trânsito de visitantes nas dependências do Condomínio e o acesso de pessoas nas unidades autônomas, sobretudo para fins de evitar aglomerações.

Nos termos do art. 11, inc. I, do substitutivo aprovado do Projeto de Lei nº 1179/2020, o síndico tem competência para “restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos [...]”. 

Importa ressaltar que essa restrição deve ser realizada com razoabilidade e comedimento, devendo, por exemplo, ser permitido o acesso de visitantes às unidades privativas, desde que sem aglomeração de pessoas. O que deve ser evitado são as reuniões e de qualquer modo a aglomeração de pessoas, o que contraria as orientações da Organização Mundial da Saúde.



PRESTADORES DE SERVIÇOS PRIVATIVOS E CONDOMINIAIS

O Síndico tem competência para restringir a entrada de prestadores de serviços no Condomínio, tanto nas áreas comuns como nas áreas privativas. Os condôminos, preferencialmente, devem ser comunicados pelo Síndico para reduzirem apenas ao essencial os serviços contratados, tanto aqueles permanentes (como diaristas e empregadas domésticas) como os esporádicos.

 

MUDANÇAS/NOVOS CONDÔMINOS NO PERÍODO DA PANDEMIA 

Questão polêmica diz respeito às mudanças. Por um lado, deve-se reduzir a entrada e saída de pessoas nos condomínios, sendo certo que em qualquer mudança o trânsito de pessoas é inevitável. De outro lado, a pessoa pode não possuir outro lugar para residir, necessitando usufruir do imóvel.

Entendemos, em um esforço da máxima razoabilidade que o momento requer, que: (i) as mudanças já em curso devem ser finalizadas com total observância da limpeza das mãos, maçanetas e elevadores, além da utilização de equipamentos de proteção individual; e (ii) devem se restringir novas mudanças, à exceção daquelas efetivamente necessários ao direito de moradia do condômino, mediante prévio agendamento e comunicação aos demais condôminos, preferencialmente em dia e horário de baixo fluxo de pessoas.



AUMENTO DA LIMPEZA NAS ÁREAS COMUNS

Considerando que uma das medidas principais para o combate a propagação da COVID-19 é ampla higienização e limpeza, uma vez que, segundo especialistas o vírus permanece nas superfícies por vários dias, cumpre ao Síndico intensificar a limpeza das dependências do Condomínio, notadamente as maçanetas, portas, elevadores e corrimãos. Ainda, o Síndico deve investir em equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas, álcool em gel e materiais de limpeza, assim como aumentar a periodicidade dos atos de higienização. 



OBRAS CONDOMINIAIS E HOME OFFICE

Em regra, a realização de obras na realidade da COVID-19 se mostra contrária às orientações concedidas a população no âmbito mundial, sobretudo por ensejar o maior trânsito de pessoas no Condomínio. No entanto, algumas obras se mostram inadiáveis, pois “visam à conservação da coisa principal" (6).

Dentre as obras necessárias, devem ser autorizadas aquelas urgentes, que colocam em risco o bem e as pessoas, como é o caso, por exemplo, de vazamento hidráulico e de problemas elétricos. Nestas hipóteses, as obras devem ser autorizadas pelo Síndico, além de sempre observar as exigências do Ministério do Trabalho e os decretos Municipais e Estaduais, que regulam especificamente a questão das obras, com diferentes graus de restrição.  

No cenário de obras não urgentes (mesmo que se encaixem no conceito de “necessárias”), por outro lado, estas devem ser vedadas durante o período da pandemia, para fins de ser resguardada a saúde da coletividade de condôminos e da sociedade. 

Outro fato que reforça a necessidade de restringir as obras é o contexto atual de que muitas pessoas adotaram temporariamente o sistema de teletrabalho (“home office”) e passaram a exercer as suas atividades laborais em sua residência. A realização de obras no horário comercial (geralmente o único período permitido nas convenções de condomínios residenciais) pode causar grande incômodo aos demais condôminos que estão trabalhando, violando o art. 1.336, inc. IV, do Código Civil, o qual protege o sossego e a salubridade dos condôminos e possuidores. 



COMUNICAÇÃO CONDOMINIAL

É extremamente recomendável que o Síndico tome todas as decisões restritivas de forma fundamentada e razoável, em observância às últimas diretivas do Ministério da Saúde, e de acordo com as peculiaridades de cada condomínio, além de ouvir Subsíndicos e Conselheiros. A integralidade das restrições e medidas tomadas pelo Síndico devem ser objeto de comunicações periódicas, preferencialmente por meio virtual e mural. 



ASSEMBLEIAS

O Síndico deve prestar contas de todos os seus atos à assembleia (7). Contudo, a própria realização de assembleia pode ser enquadrada como ato nocivo à saúde, haja vista a orientação de limitação do número de pessoas em um mesmo local.

Em atenção às peculiaridades do cenário mundial, o art. 12 do substitutivo do Projeto de Lei nº 1179/2020 abordou a possibilidade de realização da assembleia de modo virtual, “caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial”.

Logo, sem prejuízo da competência do Síndico para a tomada de providências, é oportunizada a realização virtual da assembleia, para fins de serem acordadas as medidas eficazes a serem tomadas no período da pandemia, entre outros assuntos condominiais. Ademais, nos termos do parágrafo único do artigo supramencionado, “não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020”.

Ante o exposto, e sobretudo em atenção à orientação básica de sustentabilidade do sistema de saúde, urge que o Síndico cumpra seu papel e que os condôminos respeitem as suas  determinações, em prol da coletividade, sempre visando conter a proliferação do vírus. 

Como dizia Caio Mário da Silva Pereira: 

“...o fato de coexistirem unidos a propriedade exclusiva e o condomínio não sugere a abolição, senão o reforço das imposições, das limitações, das restrições, que em benefício da harmonia do grupo, em benefício da coisa comum e em benefício do comportamento respeitoso dos interesses alheios se estatuem” (8). 


(1) Transmissão sustentada ou comunitária ocorre quando paciente infectado, e não esteve nos países com registro da doença, transmite a doença para outra pessoal que também não esteve em tais locais.

(2) Art. 1.336. São deveres do condômino: [...] IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

(3) Art. 1.347. A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.  Art. 1.348. Compete ao síndico:  I - convocar a assembleia dos condôminos; II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;  III - dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;  IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia; V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano; VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas; IX - realizar o seguro da edificação.

(4) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Atualizadores Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub Condomínio e incorporações, 13. Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2018.

(5) idem.

(6) TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4ª edição. Editora Método. São Paulo.

(7) Art. 1.348. Compete ao síndico: VIII - prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas;

(8) DE SOUZA, Sylvio Capanema, CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio e incorporações / Caio Mário da Silva Pereira; atualização Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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