
Tema 1113 do STJ: A impetração de Mandado de Segurança como remédio para a correta observância da base de cálculo do ITBI
Resumo
Atualmente, são muitos os negócios imobiliários nos quais se instala séria divergência entre Municípios e contribuintes acerca da base de cálculo do ITBI, dando muitas vezes azo à judicialização da matéria. Ante a sua relevância e a multiplicidade de julgados enfrentando o tema, muitas vezes com decisões absolutamente díspares, a questão envolvendo a base de cálculo do ITBI foi recentemente submetida à julgamento pelo STJ, na sistemática dos precedentes qualificados (Tema 1113), com vistas à sua pacificação. Avaliamos que o Tema 1113 define de maneira adequada a controvérsia instalada a respeito da base de cálculo do ITBI, visto que presume a boa-fé do contribuinte e está em compasso com o lançamento por homologação, na forma do art. 148 do CTN. Alguns Municípios, no entanto, não estão observando a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Analisamos a possibilidade, nesses casos, de impetração de Mandado de Segurança como remédio eficaz para a correta observação da base de cálculo do ITBI.
Introdução
O mercado imobiliário tem como um de seus negócios basilares a transmissão de propriedade de bens imóveis. A compra e venda de apartamentos para moradia ou para investimento, as permutas, ou mesmo a aquisição de imóveis para realização de futuras incorporações imobiliárias são exemplos de operações cotidianas, que ocorrem todos os dias em nosso País.
Essas operações, que implicam em transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos a eles relativos são, via de regra, sujeitas à incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos e eles relativos (ITBI), nos termos do art. 35 e seguintes do Código Tributário Nacional (CTN).
A alíquota do ITBI varia entre os Municípios, sendo prevista por legislação municipal, normalmente entre 2% e 3% sobre a base de cálculo. Justamente, a questão que suscita historicamente muitos questionamentos diz respeito ao modo de definição da base de cálculo do ITBI, sendo este o enfoque central deste estudo.
Trata-se de questão jurídica sensível, com enorme repercussão econômica, visto que atinge diretamente, tanto as finanças dos contribuintes que adquirem onerosamente bens imóveis, como a dos cofres públicos.
Incontáveis, aliás, são os negócios imobiliários nos quais se instala séria divergência entre Municípios e contribuintes acerca da base de cálculo do ITBI, dando muitas vezes azo à judicialização da matéria.
Ante a sua relevância e a multiplicidade de julgados enfrentando o tema, muitas vezes com decisões absolutamente díspares, a questão envolvendo a base de cálculo do ITBI foi recentemente submetida à julgamento pelo STJ, na sistemática dos precedentes qualificados (TEMA 1113), com vistas à sua pacificação. Como veremos adiante, no entanto, a questão ainda suscita controvérsias.
1. O tratamento legislativo da matéria e o conceito de valor venal
A partir da Constituição Republicana de 1891, o ITBI passou a ter expressa previsão constitucional e assim ocorre até os dias atuais, variando, ao longo do tempo, a sua base de incidência, bem como o sujeito ativo do tributo.
Na Constituição de 1988, esse imposto sofreu uma cisão. A transmissão inter vivos e a título oneroso de bens imóveis e de direitos reais, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos a sua aquisição, ficaram inseridas na competência impositiva municipal. Ao Estado-membro coube a transmissão causa mortis, bem como a transmissão inter vivos a título gratuito, incidindo sobre quaisquer bens ou direitos.
O ITBI ficou, então, inserido na competência impositiva municipal nos seguintes termos do art. 156, II, da Constituição Federal: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão inter vivos a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.
Especificamente, com relação à base de cálculo, a Constituição Federal determina que cabe à Lei Complementar estabelecê-la, nos termos do que prevê o art. 146, III, a, da CF. No caso, a Lei Complementar é o Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66 (CTN).
Por sua vez, o CTN determina que a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos (art. 38). Nota-se, no particular, que se trata de previsão análoga à do art. 32 do CTN, que prevê que a base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é o valor venal do imóvel.
Fato é que, tendo a legislação de regência previsto que a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, a primeira questão que deve ser enfrentada diz respeito ao conceito de valor venal.
A doutrina especializada, na linha do que preceitua Aliomar Baleeiro, ensina que o valor venal dos bens é aquele que “o imóvel alcançar para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis”.1
Na mesma linha, para Hely Lopes Meirelles, o valor venal é aquele que o bem encontra normalmente para sua livre alienação e aquisição, em dinheiro e à vista. Assim, o valor venal será sempre aquele que o bem obterá nas condições usuais de sua livre negociação. Embora a utilidade e a necessidade do bem sejam os fatores preponderantes de seu valor, causas circunstanciais poderão intervir e modificá-lo, o que obriga o avaliador a consultar o mercado e confrontar as livres alienações de bens semelhantes, em épocas próximas e em condições idênticas. “Por isso mesmo, é indicado o método comparativo como o mais adequado para as avaliações imobiliárias, quando puderem ser encontrados elementos comparativos semelhantes, principalmente de terrenos sem construção, podendo ser conjugados com outros métodos ou critérios, quando houver também edificações, instalações, plantações ou rendas a avaliar.”2
O importante, no particular, é observar que a base de cálculo do ITBI não é o preço de venda, mas sim o valor venal dos bens ou direitos transmitidos de acordo com as condições usuais do mercado, que não necessariamente coincide com o preço atribuído pelas partes ao negócio.
Ocorre que o valor venal é de mensuração extremamente difícil, influenciada por uma série de fatores internos e externos, de natureza subjetiva, o que impede seja transformado em número inconteste, ficando a base de cálculo do ITBI sujeita à divergência entre fisco e contribuintes.
2. A histórica divergência entre o fisco municipal e os contribuintes acerca da base de cálculo do ITBI
O ponto de interrogação sobre a matéria se dá justamente em relação ao modo de definição da base de cálculo (valor venal) em cada operação sujeita à incidência do ITBI.
Notadamente, o pano de fundo da divergência é de natureza econômica, pois uma maior base de cálculo implica em maior tributação e ganho aos cofres municipais, enquanto aos contribuintes interessa uma menor base de cálculo e, por conseguinte, um tributo menor a ser pago por força da transmissão imobiliária. Daí o conflito de interesses, os quais levam frequentemente à embates judiciais entre as partes.
Na esfera prática, a questão central é definir se: (1) para efeitos da base de cálculo do ITBI merece em princípio ser prestigiado, ou não, o valor atribuído pelas partes ao negócio imobiliário; e (2) caso o Município não concorde com o valor atribuído pelo contribuinte, a qual das partes tocaria o ônus de instaurar o processo administrativo para definição da base de cálculo: ao contribuinte ou ao próprio fisco municipal?
Referidos questionamentos são historicamente respondidos de forma antagônica entre fisco e contribuintes.
De acordo com o entendimento comumente exarado pelo fisco, à luz do art. 148 do CTN, é perfeitamente possível que a administração se utilize, como base de cálculo, de valores de mercado decorrentes de pesquisa por ela realizada e posta em ato administrativo, da qual o contribuinte pode discordar, manejando insurgência pela própria via administrativa.
As legislações municipais, aliás, em diversos municípios, autorizam que a própria municipalidade adote como base de cálculo do ITBI um valor previamente por ela fixado, cabendo ao contribuinte, caso não concorde, o ônus de instaurar um processo administrativo para sustentar a divergência.
Vejamos, como exemplo, a legislação do Município de São Paulo. De acordo com a Lei Municipal nº 14.256/06, caberia ao Município fixar antecipadamente o valor venal, restando ao contribuinte duas alternativas: o contribuinte aceita a base de cálculo informada pelo fisco; ou, o contribuinte discorda da base de cálculo atualizada e requer avaliação especial em contraditório – como previsto pelo art. 148 do CTN – para demonstrar que o valor venal do bem transmitido é inferior àquele informado pelo fisco.
Os contribuintes, por sua vez, defendem que a legislação, neste sentido, é inconstitucional, pois inverte o ônus da prova. Sendo o ITBI um imposto de lançamento por declaração ou homologação, cabe ao fisco, quando for o caso, afastar o valor declarado pelo contribuinte na escritura pública, comprovando que o mesmo não merece fé, e não obrigar que o sujeito passivo adote um valor previamente disponibilizado no site da Secretaria de Finanças, resultante de pesquisa imobiliária.
Por isso, a doutrina especializada refere que a disponibilização, pelas Prefeituras, com efeito vinculante, do valor venal de cada imóvel cadastrado, por meios eletrônicos e periodicamente reajustável com base em pesquisas de mercado, é absolutamente inconstitucional por implicar afastamento da Lei de regência da matéria e consequentemente vulnerar o princípio da legalidade tributária.3
Ainda, segundo interpretação conferida por diversos Municípios, como Porto Alegre, por exemplo, o ITBI deve ser recolhido a partir de estimativa fiscal efetuada pela Administração Tributária, podendo ser considerados elementos diversos, tais como valores correntes das transações de bens da mesma natureza, valores de cadastro e valor atribuído na guia informativa pelo contribuinte. Na prática, o que ocorre no Município de Porto Alegre, é que a municipalidade confronta o valor por ela apurado a partir de suas estimativas com o valor declarado pelo contribuinte, elegendo sempre o maior deles para fins de base de cálculo do tributo.
Em nosso entendimento, há duas questões centrais que apontam a favor do direito dos contribuintes e em sentido contrário ao defendido pelo fisco.
Primeiro, considerando-se que a base de cálculo do ITBI consiste no valor venal, e que este corresponde ao valor que o imóvel alcançar para a compra e venda segundo as condições usuais do mercado de imóveis, a boa-fé do contribuinte deve, em princípio, ser presumida e prestigiada. Nada mais lógico que as condições usuais do mercado de imóveis venham a se traduzir na fixação do preço do negócio específico, à luz das particularidades do imóvel e da transmissão imobiliária em específico.
É natural, por exemplo, que uma casa que venha a ser adquirida conjuntamente com diversas outras para a realização de uma incorporação imobiliária venha a ter singularmente uma valorização maior, se comparada a outro bem de dimensões e localização absolutamente similares, que venha a ser adquirido para a moradia de uma família. Esta diferenciação não é passível de prévia definição. Ela ocorre de forma casuística, devendo ser aferida, portanto, no caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades.
O equívoco da prefixação da base de cálculo (ou mesmo da sua estimativa descontextualizada da operação em específico) fica evidente, aliás, na hipótese de arrematação judicial de imóvel. É consabido que na venda por leilão judicial o imóvel acaba sendo alienado, normalmente, por valor inferior ao de aquisição direta entre particulares. Ora, fosse admitida a prefixação da base de cálculo estar-se-ia, por exemplo, fechando os olhos para as particularidades do negócio específico, tal como ocorre na arrematação judicial, o que seria injusto sob o ponto de vista tributário.4
Segundo, mas igualmente importante, entendemos que, sob o viés eminentemente jurídico, a conduta do fisco de prefixação da base de cálculo do ITBI, não atende ao formato de lançamento de homologação, próprio a este tributo. No lançamento por homologação, segundo preceituado no art. 150 do CTN, a autoridade administrativa, tomando conhecimento da atividade exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. Na omissão da autoridade administrativa, considera-se homologado o lançamento e extinto o crédito tributário pelo decurso do prazo de cinco anos, a contar da data da ocorrência do fato gerador (§4º do art. 150 do CTN).
No lançamento por homologação, portanto, não é dado ao sujeito ativo interferir no ato do pagamento do tributo. Compete ao fisco homologar a atividade exercida pelo contribuinte. Não concordando, cabe-lhe promover o lançamento direto da diferença que entender devida, notificando o contribuinte para exercer o contraditório.
Nota-se, neste sentido, que existe diferenciação entre a forma de lançamento do ITBI (por homologação) e do IPTU (lançamento direto). Justamente em virtude desta diferença é que a jurisprudência oscilou ao longo do tempo.5 Ao longo do tempo, o STJ veio a firmar entendimento de que a base de cálculo do IPTU não é necessariamente a mesma do ITBI, pois são apurados e lançados de formas distintas.
No caso do IPTU, lançado de ofício pelo fisco, se o contribuinte não concorda com o valor venal atribuído pelo Município, pode discuti-lo administrativa ou judicialmente, buscando comprovar que o valor de mercado (valor venal) é inferior ao lançado.
Por outro lado, se o valor apresentado pelo contribuinte no lançamento do ITBI (por declaração ou por homologação) não merece fé, o fisco é quem deve questioná-lo e arbitrá-lo, no curso de regular procedimento administrativo, na forma do art. 148 do CTN.
Seja como for, o fato é que a divergência apontada se instalou com força nos principais Tribunais do País. Somente no TJSP observou-se que, no ano de 2020, haviam sido julgadas 2.556 causas nas quais a controvérsia dizia respeito à base de cálculo do ITBI. A multiplicidade de feitos tratando da questão, de tamanha relevância jurídica e econômica, acabou levando a matéria ao julgamento no sistema de precedentes qualificados, conforme adiante abordado.
3. O recente enfrentamento da matéria pelo STJ (Tema 1113)
A discussão envolvendo a base de cálculo do ITBI ecoou com destaque, primeiramente, no Tribunal de Justiça de São Paulo, mediante o ajuizamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com base no art. 976 e seguintes do Código de Processo Civil.6
A celeuma deu azo à interposição de Recurso Especial pelo Município de São Paulo visando reformar o acórdão em IRDR. O Município, com fundamento no art. 256-H do Regimento Interno do STJ, requereu a afetação do RESP 1.937.821/SP (2020/0012079-1), sendo Relator o Min. Gurgel de Faria, pertencente à primeira seção do STJ.
Ante a multiplicidade de recursos sobre a matéria e a repercussão geral do tema, a Primeira Seção, então, por unanimidade, afetou o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C), na sistemática dos precedentes qualificados, para delimitar a seguinte questão de direito controvertida7: “Definir: a) se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU; e b) se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI.”
Ao apreciar o recurso da Municipalidade, a Primeira Seção do STJ firmou o entendimento de que a apuração do elemento quantitativo do IPTU e do ITBI faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos. Dessa forma, a base de cálculo do ITBI é o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado.
Além disso, ficou estabelecido que a possibilidade de dimensionar o valor dos imóveis no mercado, segundo critérios, por exemplo, de localização e tamanho (metragem), não impede que a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado oscile dentro do parâmetro médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legítimas para a determinação do real valor da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador no ajuste do preço.
Ademais, a Primeira Seção do STJ reconheceu que o ITBI comporta apenas duas modalidades de lançamento originário: por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário; ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que caberá́ ao contribuinte apurar o valor do imposto e efetuar o seu pagamento antecipado sem prévio exame do ente tributante.
Os lançamentos por declaração ou por homologação se justificam pelas várias circunstâncias que podem interferir no específico valor de mercado de cada imóvel transacionado. Todavia, o conhecimento integral sobre tais circunstâncias, somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio. Essa é a principal razão da impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, ainda que autorizado pelo legislador local, pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido.
Nesse sentido, em face do princípio da boa-fé́ objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado. Essa presunção somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para a apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN). A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.[25]
Daí que, para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, a tese firmada foi a seguinte:
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Posteriormente, por força de decisão do Vice-Presidente do STJ, publicada no DJe de 27/10/2022, no REsp 1.937.821/SP, admitiu-se, com fulcro no art. 1.036, §1º, do Código de Processo Civil, o Recurso Extraordinário como representativo de controvérsia, com a determinação de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.
Na decisão de admissão do Recurso Extraordinário, o STF recomendou, nos feitos representativos de controvérsia, ainda que se vislumbre questão infraconstitucional, que o Recurso seja admitido de forma a permitir o pronunciamento da Suprema Corte sobre a existência, ou não, de matéria constitucional no caso e, eventualmente, de repercussão geral.
O processo, frisa-se, se encontra concluso com a Presidência do STF desde 24.11.2022, ainda sem decisão. Conforme prevê o Código de Processo Civil, no art. 1.035, §5º, caso venha a ser reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.
Ao contrário do que alguns Municípios vêm defendendo, não houve, até a presente data, suspensão do comando judicial provindo do STJ, sendo vigente e aplicável o tema 1113, devendo, na qualidade de precedente qualificado, ser fielmente observado pelos Tribunais Inferiores, nos termos dos arts. 927, III, e art. 1.040 do CPC.
4. Cabimento do Mandado de Segurança para assegurar a observância do Tema 1113 do STJ
A postura de alguns Municípios em não observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça implica em desrespeito à autoridade de suas decisões. Ora, se a Administração Pública deve obedecer aos “princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, conforme determinado no art. 37 da Constituição, deve, também, observar e obedecer a decisão proferida pelo STJ, cuja missão constitucional é, justamente, dar a última palavra em matéria infraconstitucional.
Com efeito, alguns Municípios não vêm observando o precedente obrigatório do STJ, atribuindo às guias municipais, não raramente, valores muito superiores ao do negócio imobiliário, sem sequer instaurar processo administrativo próprio. Nestes casos, abre-se ao contribuinte o caminho da judicialização, inclusive via impetração de Mandado de Segurança, de modo a que seja observado o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em relação à base de cálculo do ITBI (Tema 1113).
Outrossim, sempre que unilateralmente, a autoridade administrativa adotar como base de cálculo do ITBI valor diverso da transação imobiliária, sem instaurar qualquer processo administrativo (que pressupõe a garantia do direito ao contraditório), este ato é passível, em tese, de ser atacado via Mandado de Segurança, ao efeito de proteger o direito líquido e certo do impetrante. Isto porque este agir da autoridade administrativa se configura em ato ilegal, que subverte a legislação tributária, contrariando precedente qualificado do STJ.
Considerando a urgência que normalmente envolve a consumação da aquisição de imóveis, e a condição habitualmente imposta pelos órgãos públicos, de prévio pagamento da guia de ITBI para a lavratura da competente escritura pública, uma ferramenta valiosa para os contribuintes é o requerimento liminar de retificação da guia do imposto, a qual deve ser deferida sempre que presentes os requisitos legais para tanto.
Para a concessão da medida liminar, se faz necessário, nos termos do art. 7º, inciso III, da Lei 12.016/2009: (i) a comprovação da relevância dos fundamentos, o que pode, em tese, ser comprovado mediante a correlação do caso concreto com os fundamentos do precedente vinculante (TEMA 1113 do STJ); e (ii) o perigo na demora, que pode ser caracterizado pela necessidade de cumprimento tempestivo de contrato prévio, ou mesmo para evitar prejuízos decorrentes da impossibilidade de consumação do negócio imobiliário pretendido. Nestes casos, observa-se, na jurisprudência recente, medidas liminares sendo concedidas para proteger o direito dos contribuintes.8
Não há dúvidas, portanto, que a impetração de Mandado de Segurança se revela remédio eficaz para os casos em que o Município não observe, como base de cálculo do ITBI, o valor da transação declarado pelo contribuinte, sem a comprovação em processo administrativo, que o valor declarado não é condizente com o de mercado.
Ponderamos, por questão de justiça, que o âmago do precedente é a boa-fé do contribuinte na declaração ao fisco. Deste modo, não entendemos cabível e adequada a judicialização da matéria nos casos em que o valor atribuído pelo contribuinte à transação destoar de patamar aceitável dentro da realidade de mercado, observadas as peculiaridades do negócio específico.
Considerações finais
A partir do presente estudo acerca da base de cálculo do ITBI, especialmente, do entendimento da matéria nos Tribunais, concluímos que o tema 1113 define de maneira adequada a controvérsia instalada a respeito da base de cálculo do ITBI, visto que presume a boa-fé do contribuinte e está em compasso com o lançamento por homologação, na forma do art. 148 do CTN.
Nesse sentido, o arbitramento administrativo do valor da exação é providência excepcional e tem lugar apenas na hipótese de ser constatada eventual incorreção ou falsidade na documentação comprobatória do negócio jurídico tributável, dependendo sempre da prévia instauração do competente procedimento administrativo.
Sendo assim, é absolutamente cabível a impetração de Mandado de Segurança, para a expedição de nova guia de ITBI, sempre que o ato da autoridade fiscal em contrariedade ao tema 1113 do STJ, não observar o valor declarado pelo contribuinte, sem a abertura de regular processo administrativo.
- Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Forense, p. 167. ↩︎
- Meirelles, Hely Lopes. Direito de Construir. 98ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 391. ↩︎
- Neste sentido, defende Kiyoshi Harada, ITBI Doutrina e Prática. 3ª ed. Belo Horizonte. Ebook, posição 5602: Editora Dialética, 2021. ↩︎
- O STJ definiu, não por outra razão, antes mesmo do Tema 1113, que o valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do ITBI, na linha do seguinte precedente: REsp 1182640/RS, Rel. Ministro
Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 20/04/2010. ↩︎ - Tomemos como exemplo, o Tribunal Paulista, no qual se notava a existência de julgamentos no sentido de que o valor venal de referência do IPTU é que deve servir como base de cálculo do ITBI (Apelação n°
1018477-36.2016.8.26.0053, 14ª Câmara de Direito Público; Rel. Des. Octávio Machado de Barros; julgamento em 09/03/2017); e julgamentos no sentido de que o valor venal de referência do ITBI não está
vinculado ao do IPTU, visto que as bases de cálculo não se confunde (Apelação / Reexame Necessário n° 1042598-31.2016.8.26.0053, julgado pela 15° Câmara de Direito Público, Rel. Des. Eurípedes Faim, julgamento em 11/04/2017). ↩︎ - IDPJ nº 2243516-62.2017.8.26.0000, Relator Rodrigues de Aguiar, Órgão Julgador Turma Especial – Público, julgado e admitido em 13/04/2018. ↩︎
- Na oportunidade, a Primeira Seção do STJ, por unanimidade, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes que versem sobre a questão, em todo o território nacional (art. 1.037, II,
CPC/15), nos termos da proposta do Sr. Ministro Relator. ↩︎ - Nesta linha, por exemplo, foi deferida liminar em Mandado de Segurança no processo nº 5067477-24.2022.8.21.0001/RS, sucedida por sentença de procedência proferida pela 8ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Porto Alegre, e confirmada em sede de apelação pela 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 12/04/202:“Apelação Cível. Direito Tributário. Mandado de Segurança. Município
de Porto Alegre. Imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI).Tema 1113. Base de Cálculo. Valor venal declarado pelo contribuinte. Presunção de veracidade. Precedentes. Se o município entende que o
preço do negócio é menor do que o valor venal, base de cálculo do ITBI (CTN, art. 38), pode instaurar procedimento administrativo para buscar a diferença, o que não ocorreu na hipótese”. ↩︎
