
A terceirização de serviços na construção civil: medidas para redução de riscos e maior possibilidade de êxito no contencioso trabalhista
Resumo
A terceirização emergiu como uma importante alternativa para a prestação de serviços nas últimas décadas e trouxe grandes mudanças práticas e organizacionais para as empresas. Na construção civil, essa estratégia tornou-se fundamental para otimizar recursos, reduzir custos operacionais e aumentar a eficiência na execução de projetos complexos. Entretanto, o sucesso da terceirização também gerou desafios e demandas significativas. Atualmente, as empresas contratantes enfrentam a necessidade de adotar medidas robustas para garantir a qualidade dos serviços prestados, assegurar o cumprimento de normas e regulamentos, gerenciar adequadamente os contratos e enfrentar questões trabalhistas. Nesse sentido, o presente artigo busca demonstrar que as questões consultivas e processuais se retroalimentam e estão intrinsicamente conectadas, no sentido de que o sucesso nas relações de terceirização resulta de um bom desempenho em ambos os campos.
Introdução
A terceirização é um fenômeno empresarial que ganhou significativa relevância nas últimas décadas, pois transformou profundamente a maneira como as organizações estruturam suas operações e gerenciam recursos. Originada como uma estratégia para redução de custos e aumento de eficiência, a prática de transferir atividades não essenciais para terceiros cresceu exponencialmente, abrangendo desde serviços administrativos até funções técnicas especializadas.
No âmbito da construção civil, o movimento não foi diferente. A terceirização beneficiou extraordinariamente as construtoras sob os mais diversos aspectos. No entanto, por trás dos benefícios econômicos aparentes da terceirização, surgem questões complexas, cuja análise minuciosa é imprescindível para um exitoso funcionamento. O impacto sobre os trabalhadores diretos e o aumento da dependência de fornecedores externos pode expor as empresas a riscos adicionais, afetando diretamente a reputação e a confiança dos consumidores.
Diante dessas considerações, é crucial uma análise equilibrada e abrangente dos diversos aspectos da terceirização, para entender suas implicações não apenas no contexto empresarial, mas também na sociedade como um todo.
1. A origem e os principais benefícios da terceirização
A origem do conceito de terceirização está ligada à noção de “terceiro”, referindo-se a um agente intermediário ou prestador de serviços. Esse termo surgiu no âmbito da gestão empresarial para destacar a descentralização de atividades, transferindo-as para uma entidade externa e desvinculando-as do núcleo central da organização. Nesse modelo de operação, os trabalhadores são integrados ao processo produtivo do contratante, sem que os vínculos trabalhistas se estendam a ele, permanecendo o ônus laboral com a entidade intermediária responsável pela terceirização.
No Brasil, a prática da terceirização originou-se a partir da década de 1970, no setor industrial. Foi somente na década de 1990, entretanto, que ela passou a ser formalmente regulamentada, período no qual as empresas já exploravam a prestação de serviços para setores como limpeza, segurança e alimentação.1

A expansão da terceirização para os mais diversos ramos das atividades empresariais, somada à ausência de legislações específicas, culminou em numerosas disputas judiciais acerca dos direitos dos funcionários terceirizados e da responsabilidade da tomadora de serviços. Nesse cenário, foi publicada a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que passou a reger e clarificar o tema, estabelecendo as principais diretrizes sobre a terceirização de serviços, com o intuito de proteger os direitos dos trabalhadores terceirizados. À vista disso, determina que a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços ocorre apenas em casos de inadimplência da empresa terceirizada quanto às obrigações trabalhistas.
Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 13.429/2017, a qual representou uma fronteira relevante na regulamentação da terceirização de serviços no Brasil, perfectibilizando as possibilidades de terceirização nas empresas e determinando critérios para a terceirização de atividades-fim. Em outros termos, a legislação passou a autorizar que a empresa contrate serviços terceirizados para atividades que fazem parte do escopo principal do seu negócio, ou seja, que estão diretamente relacionadas à atividade principal e essencial da operação.2
Neste caminho, grandes empresas passaram a utilizar-se cada vez mais da terceirização. Desde as atividades gerais, como os serviços de limpeza e de segurança patrimoniais, até deveres específicos atinentes ao seu respectivo ramo, verifica-se que a contratação de serviços terceirizados é realizada em praticamente todas as atividades empresariais.
Exemplos disso podem ser encontrados no desenvolvimento de softwares, sistemas e infraestrutura de TI, em ações e planos de marketing e publicidade, em serviços de transporte de cargas e distribuições de mercadorias, em serviços de laboratório para hospitais, em clínicas e na construção civil. Não importa para que lado olhemos, a terceirização está à nossa volta, em todas as esferas do nosso dia a dia.
Também em termos globais, o contingente de renomadas empresas que se utilizam da terceirização cresce exponencialmente a cada ano, inclusive em atividades diretamente interligadas à produção. A Nike, por exemplo, terceiriza toda a sua confecção de produtos, enquanto a Apple tem toda a sua produção de chips terceirizada fora dos Estados Unidos. De uma maneira ou outra e em diferentes escalas, cada vez mais as empresas se utilizam da terceirização, que se tornou um mecanismo absolutamente necessário para o curso da economia mundial.3
Com efeito, a terceirização traz vantagens indiscutíveis ao funcionamento dos negócios, na medida em que significa benefícios práticos, burocráticos e organizacionais para seus usuários. Em síntese, a contratação de serviços específicos desonera a empresa da contratação de funcionários especializados para cada incumbência, fato que, por consequência, evita despesas com o investimento em infraestrutura, custos com treinamentos, benefícios e folha de pagamento. Dessa maneira, proporciona mais precisão e previsibilidade em planejamentos orçamentários, contribuindo para a eficiência operacional cada vez mais almejada.
Na mesma linha, a externalização de serviços periféricos exime a equipe interna dos cuidados e da qualificação necessária para com essas atividades. Em setores nos quais o tempo e os recursos são valiosos, a concentração da empresa somente em suas atividades cardeais pode ser um mecanismo operacional conveniente.4
Ainda, a contratação de fornecedores permite a alocação mais eficiente de recursos e evita problemas de excesso de pessoal durante períodos de baixa demanda. Em vez de manter uma equipe interna fixa permanentemente, as empresas podem ajustar sua força de trabalho de acordo com as suas necessidades. Esta flexibilidade permite que as empresas se adaptem de maneira dinâmica às mudanças no mercado, mantendo sua competitividade e sustentabilidade a longo prazo.
No âmbito da construção civil, as empresas frequentemente necessitam de habilidades especializadas para tarefas específicas, como concretagem, instalações elétricas, encanamento ou acabamentos, cada uma delas em seus diferentes e apropriados tempos em relação à evolução da obra. A terceirização possibilita que as construtoras acessem uma rede de profissionais altamente qualificados e experientes nessas áreas, em determinados períodos específicos, garantindo a qualidade do trabalho.
Para a construção civil, a terceirização está presente em todas as fases da operação. A construção do empreendimento pode ser realizada não só por uma, mas por diversas empreiteiras que se responsabilizam por determinados trabalhos dentro do todo. De acordo com o progresso da obra, mudam as atividades demandadas e, por consequência, os fornecedores e o objeto dos serviços, de modo que, ao final da execução de um projeto, pode-se contabilizar dezenas de empreiteiras participantes da sua consolidação.
No entanto, a possibilidade de contratar e lidar com diversos fornecedores, cenários e funcionários terceirizados exige da empresa contratante extrema dedicação e cuidado na gestão das suas relações civis e laborais. Para que este modo de operação seja bem-sucedido e lucrativo, é importante que a empresa esteja atenta a todos os processos da relação e que a considere como um negócio, que efetivamente o é.

2. Desafios e medidas para a redução de riscos da terceirização
Existe a ideia de que a terceirização dos serviços exime e desobriga a empresa contratante da responsabilidade e vigilância do andamento da atividade, já que estes seriam, teoricamente, deveres do prestador do serviço. A realidade é que muitas empresas fecham os olhos à execução das atividades realizadas pelas empresas terceirizadas, delegando a estas todos os papéis administrativos e burocráticos que envolvem o serviço em questão.
Ocorre que tal conduta pode ser extremamente prejudicial para a empresa tomadora dos serviços. Seja na execução cotidiana do compromisso, seja nos afazeres administrativos, existe uma série de fatores a serem observados para garantir e controlar o andamento da atividade contratada.
Ainda que a responsável direta pelos serviços seja a empresa terceirizada, a empresa tomadora é a beneficiária final e objetiva da mão de obra empregada. Nessa esteira, é fundamental que a empresa tomadora acompanhe passo a passo todos os processos existentes, a fim de assegurar o cumprimento da legislação trabalhista e garantir o cumprimento dos prazos e compromissos, desde a escolha e contratação da empresa terceirizada até a efetiva consolidação e concretização da prestação do serviço.
A avaliação e escolha dos provedores de serviços é um requisito indispensável para assegurar que estes serão executados da maneira mais efetiva e competente possível. Ou seja, uma boa gestão das atividades terceirizadas está amparada, inicialmente, em uma seleção criteriosa do prestador de serviço5, a partir da distinção das empresas mais atuantes no mercado e, posteriormente, minuciosa análise das suas condições financeiras, histórico e modus operandi.
Fatores como a existência de dívidas, o histórico dos serviços antecedentes e de processos judiciais em que a empresa porventura figure no polo passivo são informações essenciais para entender de que maneira cada candidata atua no mercado e lida com seus problemas. Para aferir tais informações, é recomendável que se realize um processo investigativo conhecido como due diligence.
O objetivo principal da due diligence, neste caso, é avaliar e entender os aspectos financeiros, legais, operacionais e comerciais da possível terceirizada, o que, geralmente, envolve a análise de documentos, contratos, relatórios financeiros, políticas internas e outros aspectos relevantes da empresa em questão, conhecimentos estes que ajudam a identificar possíveis riscos ou problemas que podem afetar o sucesso da terceirização.
As empresas terceirizadas, em regra geral, têm menor expressão e menos condições estruturais em relação às empresas que as contratam. Neste sentido, podem não carregar a mesma estabilidade e saúde financeira ou gerencial. Dessa forma, ao buscar a contratação de uma empresa terceirizada, torna-se fundamental aferir se esta possui capacidade econômica suficiente para arcar com o serviço, bem como se costuma cumprir com suas obrigações trabalhistas e cíveis para com seus funcionários ou eventuais fornecedores.
No mesmo sentido, a verificação da notabilidade da empresa perante o mercado em relação à efetiva realização de seu serviço é condição indispensável à sua contratação. A falta de investigação sobre a qualidade da execução e do produto do serviço pode levar a surpresas com a baixa qualidade de entrega, ônus que recai, evidentemente, sob a reputação da empresa gestora e detentora do negócio.
Assim, pode-se dizer que uma eficiente gestão das empresas terceirizadas tem seu primeiro passo na acertada escolha dos parceiros, fato que requer a observação de certas providências para que se possa mitigar as possibilidades de equívocos na opção final.
A partir da eleição da terceirizada, faz-se necessária a elaboração de detalhado contrato de prestação de serviços, que defina claramente o escopo do trabalho a ser realizado, seus prazos, critérios e responsabilidades. O contrato é o instrumento regente da relação. Neste sentido, é fundamental que ele disponha sobre todos os compromissos da tomadora com a execução do serviço6 e, ainda, procure blindar a contratante de eventuais consequências oriundas do descumprimento por parte da prestadora, as quais podem ser prejudiciais à execução da atividade-fim.
Para tanto, o instrumento deve conter, detalhadamente, os pormenores de todas as fases existentes do início ao fim da execução do serviço, como, por exemplo, a previsão de prazos para entregas parciais, o compromisso da contratada com os devidos cuidados e obrigações com seus funcionários, previsões de análises de desempenho e até mesmo a existência de multas para o caso de descumprimento destas ou de outras cláusulas contratuais.
Ante a possibilidade de descumprimento da realização dos serviços pela contratada, fato que pode desestabilizar sobremaneira o andamento das atividades e o planejamento da contratante, passou a ser comum a inclusão nos contratos de cláusula penal, como uma forma de proteger esta última.
Frequente é também a utilização de cláusula de retenção dos valores pagos. Este tipo de dispositivo estabelece o direito da contratante em reter uma porcentagem do pagamento devido ao contratado até que determinadas condições sejam cumpridas. Essas condições podem incluir a conclusão satisfatória do trabalho, o cumprimento de padrões de qualidade pré-determinados ou a resolução de quaisquer disputas ou reclamações pendentes, garantindo que o contratado cumpra integralmente suas obrigações e podendo servir como uma forma de compensação.
Cabe também a inclusão de cláusulas no que tange à resolução de eventuais conflitos. As medidas de resoluções alternativas de conflitos vêm sendo cada vez mais bem vistas, já que podem preservar as partes de morosas e desgastantes disputas judiciais. Opções pela mediação, negociação ou arbitragem, por exemplo, podem resolver e evitar problemas potencialmente maiores em casos judiciais. Diante disso, a previsão de solução de dissidências contratuais por meios extrajudiciais vem sendo muito comum e, em geral, obtendo bons resultados.
Todas essas possíveis previsões têm como objetivo principal fazer do contrato a carta magna da relação entre as partes, onde é possível encontrar e resolver qualquer entrave que possa surgir no curso da relação contratual. Uma vez positivadas, cabe, então, ao contratante exigir que todas as obrigações assumidas sejam cumpridas.
Ainda que a responsabilidade e a gestão do serviço seja da contratada, passa a ser fundamental a contínua fiscalização das atividades por parte da empresa contratante. Afinal, não se pode esquecer, em momento algum, que, não obstante tenha sido contratada outra empresa para a realização de atividade específica, a responsável final pelo projeto é a contratante.7
A observação ao funcionamento do serviço faz com que o tomador esteja em melhores condições de acompanhar a atuação da terceirizada. Em eventuais descumprimentos obrigacionais, o amplo conhecimento e a proximidade do negócio fazem com que as intervenções sejam mais rápidas e efetivas, minorando os prejuízos.
No âmbito da construção civil, torna-se muito importante o monitoramento de todos os funcionários terceirizados que executam os serviços em seu benefício. Não é incomum que os funcionários terceirizados sejam negligenciados pela prestadora de serviços, fato que pode ensejar em problemas graves dentro da obra e em eventual cobrança trabalhista futura.8
Isso porque, é pacífico o entendimento dos Tribunais Regionais que a tomadora de serviços tem obrigação e compromisso de fiscalizar a execução das atividades contratadas, garantindo que a empresa contratada cumpra com todas as suas obrigações frente aos funcionários executores dos serviços. Portanto, é fundamental que a construtora assegure que a prestadora de serviços faça os pagamentos de salários, respeite a carga horária prevista contratualmente e forneça os equipamentos de proteção necessários.9
Por isso, torna-se necessário a supervisão da prestadora de serviços de todos aqueles funcionários que adentram em seu ambiente. Esse cuidado pode ser feito mediante a instalação de catracas, serviços de portaria, autenticação pessoal ou mesmo em servidores e aplicativos que cuidam da prestação de serviços via online. Assim, sempre que o prestador de serviços iniciar suas atividades em prol da tomadora, as mesmas estarão devidamente registradas nos controles da empresa, independentemente da participação da terceirizada.
Também é indispensável para a contratante solicitar, junto à contratada, cópia de todos os documentos e licenciamentos dos prestadores finais do serviço, como medida fundamental para aperfeiçoar e proteger a contratação. Recibos de pagamento dos salários, comprovantes dos recolhimentos de FGTS, registros de ponto, comprovantes de pagamento das rescisões, recibos de entregas de eventuais equipamentos de proteção são de obtenção imprescindível para a tomadora de serviços certificar que a empresa contratada cumpre regularmente com as suas obrigações perante seus trabalhadores.10
Ademais, certificar-se se a contratada atua em conformidade com as normas ambientais (PPRA) e de saúde ocupacional (PCMSO) é uma precaução a ser tomada pela contratante, pois, caso estes programas não estejam sendo cumpridos, corre-se o risco de que as atividades sejam paralisadas pelas fiscalizações do Ministério do Trabalho, além de outras penalidades.
Da mesma forma, muitas atividades terceirizadas no âmbito da construção civil contêm serviços insalubres e/ou periculosos. Nestes casos, a fiscalização do uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) por parte dos trabalhadores é obrigação da tomadora de serviços. Assim, tal inspeção é dever incondicional e irrestrito, e precisa estar no topo da agenda dos responsáveis pelo controle das atividades terceirizadas.11
Tão importante quanto o olhar na atividade em si passou a ser o acompanhamento do ambiente de trabalho, na medida em que um ambiente sadio e confortável propicia, indiscutivelmente, maior rendimento e efetividade dos envolvidos. Também é fundamental o acompanhamento para evitar problemas relacionados a assédio no ambiente laborativo. É por essa razão que uma boa estrutura de compliance deve estar preparada para enfrentar eventuais demandas dos funcionários terceirizados, garantindo ética e transparência na realização do serviço.12 A implementação de canal de denúncia autônomo, por exemplo, tem apresentado boa aceitação e resultados positivos, tornando-se um importante mecanismo de gestão de recursos humanos.13
Para além de todas essas importantes supervisões, a presença e a inspeção da contratante no cotidiano da atividade da terceirizada permitem a aferição da qualidade do serviço que está sendo executado. Evidentemente, a realização dos serviços sob a atenção de quem o contratou exige da contratada toda a dedicação e o cuidado que prometeu ao seu contratante quando da assinatura do contrato, diminuindo substancialmente a possibilidade de eventuais imprudências na entrega do serviço.
A proximidade da execução das atividades por vezes exige da empresa contratante um setor específico designado para atender a essas demandas. Tópicos como a manutenção do relacionamento e o tratamento direto e transparente com o fornecedor precisam ser vistos com transparência, na medida em que a empresa passa a manter constantes relações com terceirizadas.
A implementação de um setor de gestão e relacionamento com as empresas pode ser uma solução para lograr um bom relacionamento e manter o ideal controle das atividades junto às empresas prestadoras de serviços. Com profissionais capacitados e contratados para exercer tais atividades, a empresa conseguirá estar sempre próxima ao funcionamento das suas fornecedoras.14
Além disso, o setor de gestão particular da empresa deve servir para reportar e cobrar cada terceirizada em seus eventuais descumprimentos dos direitos dos funcionários terceirizados. Ainda que a tomadora de serviços seja a beneficiária final e, portanto, uma ponta da relação da terceirização, tem ela o dever de fiscalizar as condições de trabalho oferecidas pela sua contratada aos seus funcionários15. Ou seja, mesmo que estes não sejam de sua responsabilidade direta, atentar-se às condições diárias, físicas e morais, as quais os trabalhadores terceirizados estão sendo submetidos, garante o cumprimento das obrigações da contratante previstas na Lei da Terceirização, bem como um melhor andamento do serviço, bem como permite avaliações mais apropriadas do produto que está a ser entregue.
Nessa linha, a existência de feedbacks e avaliações frequentes da atividade leva ao aperfeiçoamento do serviço que está sendo realizado pelo prestador, possibilitando a este último, pareceres fiéis e criteriosos e, para a contratante, um melhor resultado final.
Um relacionamento sadio e direto com os prestadores de serviços permite, inclusive, que seja criada uma relação de parceria a partir do gerenciamento em conjunto de problemas. Afinal, para empresas com frequentes relações de terceirização, a fidelização e a construção de uma relação de confiança com as firmas parceiras possibilitam a existência de uma rede de fornecedores mais eficiente e segura.
| Medida | Estratégia | Finalidade |
| Seleção criteriosa de fornecedores | Análise das condições financeiras e histórico das terceirizadas (due diligence) | Avaliar se a empresa tem condições de arcar com suas responsabilidades contratuais. |
| Elaboração de contrato detalhado | Previsão de cláusulas protetivas específicas | Estabelecer regras claras para descumprimento de prazos e demais obrigações da contratada. |
| Fiscalização da execução das atividades | Atenção permanente ao andamento do serviço e aos direitos dos funcionários terceirizados. | Garantir o cumprimento das normas de segurança e das obrigações trabalhistas. |
| Implementação de setor de gestão de terceirizadas | Contratar profissionais capazes de fazer a intermediação entre a empresa e as suas terceirizadas. | Manter comunicação efetiva e transparente com toda a rede de prestadoras de serviços. |

3. Os resultados sob o ponto de vista do contencioso das construtoras
É sabido o fato de que, mesmo com a opção pela terceirização, os tomadores de serviço podem acabar figurando no polo passivo das ações trabalhistas, de forma subsidiária. Nestes casos, quando houver inadimplemento da reclamada principal, a condenação recairá subsidiariamente sob a empresa contratante dos serviços, conforme preconiza o inciso IV da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.16
Ciente desta possibilidade, cabe a empresa contratante estar preparada e municiada para a chegada de demandas trabalhistas que podem surgir. Dessa forma, todos os cuidados e medidas realizadas, que foram anteriormente indicados, se convertem em robusto material probatório de defesa a ser utilizado em eventual processo.
Ainda que a responsabilidade principal destas ações seja das empreiteiras, uma participação ativa, interessada e fundamentada garante a autonomia processual da empresa. Afinal, não é admissível, sob nenhuma perspectiva, que uma empresa se veja refém de um prestador de serviços para substanciar uma defesa processual. Pelo contrário: é imperativo que a empresa tenha condições de defesa, mesmo que sem o auxílio, fático ou comprobatório, de um de seus fornecedores.
Não é incomum, inclusive, que pequenas empresas que têm como atividade principal a prestação de serviços específicos encontrem dificuldades diante das mais variáveis situações do cotidiano. Com estruturas simples e sem reservas de caixa, firmas desse porte podem caminhar fácil e rapidamente rumo a graves situações financeiras e organizacionais. A devastadora enchente que assolou o Estado do Rio Grande do Sul no mês de maio de 2024 é um exemplo categórico, e poderá levar centenas de pequenos empresários a um cenário de crise.
Instabilidades de toda ordem, muitas vezes, impossibilitam a participação e a defesa das empreiteiras nos processos, fazendo delas revéis. Uma vez declarada a revelia da 1ª reclamada, esta é considerada confessa quanto à matéria de fato. Assim, na hipótese de que a tomadora de serviços tenha depositado sua confiança na defesa da empresa que contratou, esta poderá estar absolutamente impotente em relação ao processo, sem ter como se defender e, ainda, provavelmente tendo que arcar com os débitos processuais.
A prevenção dessa situação dá-se, portanto, com a execução e registro documental próprio de todas as medidas de acompanhamento e redução de riscos da atividade desenvolvida. Uma vez demandada, a empresa contratante deterá em suas mãos todos os documentos necessários para produzir sua defesa e, mesmo diante de eventual revelia da 1ª reclamada, postular pela improcedência dos pedidos, inclusive para determinar corretamente o período que corresponde à sua responsabilidade.
Para tanto, um dos mecanismos é o controle de acesso dos funcionários, o qual permite que se tenha uma boa noção de quantas vezes ou por quanto tempo o reclamante trabalhou em benefício da tomadora. Os relatórios de entradas e saídas podem tornar-se prova cabal para limitar a responsabilidade de uma reclamada subsidiária, em um período por vezes muito inferior à totalidade da contratualidade, fato que, por si só, reduz significativamente a possível condenação.
Este controle é fundamental para o êxito em processos judiciais. As prestadoras de serviços têm diversos parceiros, trabalhando em várias frentes e, frequentemente, realocando seus funcionários nos locais onde são mais necessários. Os trabalhadores, ao ingressarem com as reclamatórias trabalhistas, contemplam todas as tomadoras do seu labor no polo passivo.
Justamente por isso, a delimitação do período em que cada trabalhador esteve atuando em favor da contratante passa a ser um fator determinante no processo, recomendando-se, por esta razão, a implantação do controle na execução da atividade. Assim, comprovada a prestação de serviços por um período parcial do processo, a reclamada arcará somente com os valores proporcionais correspondentes a este tempo.17
Como exemplo desta prática, as empresas construtoras costumam instalar, no acesso às suas obras, sistemas de catracas, em alguns casos, até mesmo, biométricas ou faciais, de modo que todos os obreiros que ali adentrarem estarão perfeitamente qualificados e registrados. Uma vez requerido, o relatório emitido pelo sistema revela todos os dias e os horários das entradas e saídas dos trabalhadores, servindo, inclusive, como prova da sua jornada de trabalho.
Não raro, também, são os pleitos de adicionais de insalubridade ou periculosidade nos processos trabalhistas. Por isso, é imprescindível a fiscalização cotidiana durante a prestação de serviços, bem como a posterior comprovação de que todos os funcionários exerciam suas atividades fazendo uso de equipamentos de proteção e dentro dos limites estabelecidos pelas normas regulamentadoras18. Sabendo que os pedidos de insalubridade ou periculosidade requerem a realização de perícia técnica no processo, o cumprimento assertivo das normas favorece uma conclusão pericial positiva para a reclamada.
Da mesma forma, os cuidados com os equipamentos de proteção, medidas preventivas e o seguimento das normas regulamentadoras também são fatores determinantes em processos de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.19
No entanto, no âmbito processual, faz-se a distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva da empresa. A primeira lhe é atribuída em casos em que restar comprovada culpa ou negligência, ao passo que a segunda independe destes dois fatores. Uma vez comprovada a ausência da responsabilidade subjetiva pelo acidente de trabalho, sua aplicação tende a, ao menos, minorar as consequências jurídicas do incidente.
A simples ocorrência de acidente de trabalho configura dano moral in re ipsa20, ou seja, o abalo moral decorrente da existência incontroversa de um incidente é presumindo, sendo desnecessários outros documentos comprobatórios. A prestação, por parte da empresa, de assistência médica e operacional tende a mitigar a condenação, na medida em que se entende que a atuação imediata da reclamada e a reparação das lesões sofridas faz com que esta tenha feito o que estava ao seu alcance para auxiliar seu funcionário.21
Da mesma forma, são muitas as demandas oriundas de possíveis doenças ocupacionais, nas quais os funcionários alegam que, em função da prestação de determinada atividade ou de exposição a agentes insalubres, desenvolveram determinada patologia. Nessa circunstância, os documentos periódicos do reclamante, como atestados de saúde ocupacional, fundamentalmente obtidos na fase de prestação de serviços, podem indicar e até comprovar a ausência de nexo causal entre a alegada doença ocupacional e o labor exercido em favor da empresa.22
É possível que, após a cumulação de todos os pedidos na reclamatória trabalhista, o autor finalize seu rol pleiteando danos morais. É certo que existem aqueles que decorrem dos próprios pedidos anteriores, mas também é verdade que outros reclamam de assédio moral sofrido no espaço de trabalho. Tão importante quanto os cuidados preventivos com o ambiente laboral, portanto, é a documentação que comprova as políticas de boa convivência implementadas, a fim de demonstrar ao juízo que a empresa contratante zela por um ambiente de trabalho sadio e respeitoso, por intermédio de seu setor de recursos humanos e do seguimento das normas de compliance.
Logo, diante de toda a análise dos mais diversos pontos e nuances processuais, percebemos que, não obstante a tomadora de serviços não seja a contratante dos funcionários e seja responsabilizada subsidiariamente nos processos trabalhistas, certas medidas e uma vasta rede de estratégias podem reduzir ou até erradicar possíveis condenações trabalhistas da construtora.
Considerações finais
A partir dos pontos que colocamos em destaque, fica nítida a importância do controle detalhado das atividades terceirizadas. A implementação de medidas, como as que mencionamos, tende a melhorar exponencialmente o êxito na terceirização, seja durante a execução do contrato, garantindo melhor qualidade na entrega do produto ou do serviço, seja a partir do seu término, preservando todos os dados e informações pertinentes àquela relação contratual.
Os pleitos trabalhistas podem ser perfeitamente enfrentados pela empresa tomadora de serviços se esta lograr suficiente robustez documental e, principalmente, atingir certa padronização de cuidado e seriedade frente aos seus prestadores de serviços. Uma vez que todas essas políticas de abordagem se tornem costumeiras, o processo trabalhista será enfrentado com melhores subsídios, na medida em que as próprias práticas comuns poderão consubstanciar a tese de defesa nas reclamatórias trabalhistas.
Evidente que as estratégias processuais têm, primordialmente, como objetivo, a contenção de prejuízos. Por outro lado, tais prejuízos devem servir para o aperfeiçoamento da administração da cadeia de terceirização, tornando o processo cada vez mais cíclico, com melhores chances de êxito no contencioso trabalhista.
- Pastore, José. Terceirização: necessidade para a economia, desafios para o direito. São Paulo: LTr, 2015. p. 13. ↩︎
- STF, ADPF nº 324, Relator Min. Roberto Barros, julgado em 30/08/2018. ↩︎
- Pastore, José. Terceirização: necessidade para a economia, desafios para o direito, op. cit., p. 15. ↩︎
- Ibidem, p. 14. ↩︎
- Ramos, Rafaela. “Terceirização: Definição, Histórico e Atualidades”. Jusbrasil, 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/terceirizacao/2123125367. ↩︎
- Ibidem. ↩︎
- Ferreira, Ana Paula Ferreira; Machado, Mariza de Abreu Oliveira; Santos, Milena Sanches Tayano dos. Prestação de serviços a terceiros: retenções previdenciárias, aspectos trabalhistas, previdenciários, eSocial e EFD-Reinf. 10ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2019, p. 43. ↩︎
- Silveira, Adriano Dutra da. Gestão de risco da terceirização. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2021, p. 157. ↩︎
- “(…) Não havendo comprovação da efetiva e eficiente fiscalização pela contratante, quanto ao cumprimento das obrigações do contrato de prestação de serviços, em especial no que concerne às normas trabalhistas pelas contratadas, tem-se por configurada a culpa ‘in vigilando’, (…)”. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0020846-27.2019.5.04.0231 ROT, Desembargadora Maria Madalena Telesca, julgado em 06/12/2023). ↩︎
- Silveira, Adriano Dutra da. Gestão de risco da terceirização, op. cit., p. 141. ↩︎
- Ibidem, p. 170 ↩︎
- Mathies, Anaruez. Assédio moral e compliance na relação de emprego: dos danos morais e dos custos e instrumentos da prevenção de acordo com a reforma trabalhista. Curitiba: Jaruá, 2018, p. 145. ↩︎
- Ibidem, p. 153. ↩︎
- Silveira, Adriano Dutra da. Gestão de risco da terceirização, op. cit., p. 163. ↩︎
- Ibidem, p. 156. ↩︎
- Súmula nº 331 do TST: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE / (…) IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (…)”. ↩︎
- TRT 4ª Região, ROT nº 0020250-56.2021.5.04.0204, 4ª Turma, Relator Des. Joao Paulo Lucena, julgado em 01/03/2024. ↩︎
- TRT 4ª Região, ROT nº 0021079-74.2021.5.04.0030, 1ª Turma, Relator Dr. Juiz convocado Edson Pecis Lerrer, julgado em 22/09/2023. ↩︎
- Ibidem. ↩︎
- TRT 4ª Região, ROT nº 0020215-28.2022.5.04.0571, 6ª Turma, Relatora Desa. Maria Cristina Schaan Ferreira, julgado em 23/02/2024. ↩︎
- TRT 4ª Região, ROT nº 0020554-96.2022.5.04.0664, 3ª Turma, Relator Des. Clovis Fernando Schuch Santos, julgado em 07/10/2023. ↩︎
- TRT 1ª Região, ROT nº 00003722120125010342, 10ª Turma, Relatora Desa. Edith Maria Correa Tourinho, julgado em 08/05/2019. ↩︎
