
A Reforma do Código Civil: uma análise dos novos dispositivos sobre a revisão e a resolução contratual por fatos supervenientes
Resumo
O presente artigo tem o propósito de avaliar os reflexos da reforma do Código Civil de
2002 especialmente no âmbito da revisão e resolução contratual por fatos
supervenientes. De início, apresentamos aqueles que são considerados os principais
motivos para a reforma, a partir da “Justificação” do Projeto de Lei nº 04/2025: busca-
se estabelecer um texto moderno, projetado para o futuro e, ao mesmo tempo, com
todos os avanços técnicos e jurídicos, obtidos pelo consenso da doutrina, pela
evolução da jurisprudência, pelos enunciados em jornadas e pelas sugestões recebidas
ao longo do trabalho. Em seguida, examinam-se as principais críticas encontradas na
doutrina, em especial quanto à falta de sistematicidade e objetividade do Projeto de
Lei. Por fim, foca-se nas alterações dos arts. 478 ao 480 do Código Civil, ou seja, no
âmbito da revisão e da resolução contratual por fatos supervenientes, a partir de um
quadro comparativo da reformulação de cada um dos dispositivos analisados.
Introdução
O Direito Civil é, sem dúvida, o ramo do direito que mais se aproxima do
cotidiano das pessoas. É o mais antigo e mais tradicional segmento do direito,
regulando o início da vida, a vida em sociedade e a própria morte. Nos termos da
“Justificação” do Projeto de Lei nº 4/2025, que propõe a reforma do Código Civil,
“assim como o ser humano, em constante transformação, a norma civil também
precisa ser adaptada”.
Em 24 de agosto de 2023, o Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco,
nomeou e formou uma Comissão de Juristas para empreender os trabalhos de reforma
e atualização do Código Civil de 2002. Para a Presidência foi nomeado o Ministro Luis
Felipe Salomão e para a Vice-Presidência o Ministro Marco Aurélio Bellizze, ambos do
Superior Tribunal de Justiça. E, como Relator, foi nomeado o Professor Flávio Tartuce,
ao lado da Correlatora, Professora Rosa Maria de Andrade Nery.
A entrega do relatório final aprovado pela Comissão de Juristas ocorreu em
17/04/2024 em sessão solene no plenário do Senado Federal.
O anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas em abril de 2024 propõe
a modificação ou revogação de 897 artigos, dentre os 2.063 do Código vigente, e o
acréscimo de outros 300 dispositivos.
O projeto de reforma do Código Civil gerou uma divisão entre doutrinadores.
Enquanto há uma corrente que defende a reforma do Código Civil, pontuando que a
atual codificação está desatualizada em vários aspectos, existe uma outra corrente de
juristas que entende que é descabida a reforma, sobretudo da forma que vem sendo
feita. O presente artigo apresenta as razões dos dois posicionamentos.
Posteriormente, exploramos os reflexos da reforma no campo da revisão e
resolução dos contratos por fatos supervenientes, um tema borbulhante, em especial,
depois da Pandemia do Coronavírus e das enchentes que acometeram o Estado do Rio
Grande do Sul em 2024.
Por fim, analisamos os principais pontos discutidos sobre a reforma do Código
Civil, no âmbito das alterações relacionadas à revisão e resolução dos contratos por
fatos supervenientes, trazendo a nossa conclusão sobre a matéria.
1. Os motivos para a Reforma do Código Civil de 2002
Há tempos afirma-se, enfaticamente, que o atual Código Civil “já nasceu
velho”.
O projeto que gerou a atual codificação privada é da década de 1970. Trata-se
de um texto com mais de cinquenta anos de elaboração, e que, por óbvio, encontra-se
muito desatualizado. 1
Segundo o Relator do Anteprojeto, Flávio Tartuce, não se trata da projeção de
um “Novo Código Civil”, mas apenas de uma reforma, com atualizações fundamentais
e necessárias, para que o Direito Civil brasileiro esteja pronto para enfrentar os
desafios do século XXI, sobretudo frente às novas tecnologias e às mudanças pelas
quais tem passado a sociedade, o que é mais do que necessário: é urgente e
fundamental.
As intensas mudanças na sociedade brasileira experimentadas ao longo do
século XX, com modelos negociais e contratuais inovadores, passando pela engenharia
genética, novos arranjos familiares com impactos no plano sucessório, a comunicação em tempo real proporcionada pela internet – agora disponível na palma da mão –, são
apenas alguns poucos exemplos de fatos que indicam a necessidade de atualização das
regras que regem as relações jurídicas no campo civil. 2
Nas palavras da Ministra Maria Isabel Gallotti, diante da defasagem e mesmo
ausência de direito objetivo para regular certas situações – de ordem social e
tecnológica – insuscetíveis sequer de imaginação na época da elaboração e discussão
parlamentar do Código Civil de 2002, a jurisprudência têm se encarregado da delicada
missão de compor vácuos legislativos, o que, nosso sistema tradicional da civil law, não
confere a indispensável segurança que o Direito deve proporcionar a relações dos mais
variados matizes. 3
Conforme se extrai da “Justificação” do Projeto de Lei nº 04/2025: “não se
buscou trazer um novo Código Civil descolado da experiência passada e do texto em
vigor. Pelo contrário, a preocupação em propor dispositivos de atualização do texto
atual foi o norte dos trabalhos da Subcomissão, visando tornar mais eficaz e adequado
à contemporaneidade o texto do Livro, que já se encontra com mais de 20 anos”.
O objetivo foi apresentar um texto moderno, projetado para o futuro e, ao
mesmo tempo, com todos os avanços técnicos e jurídicos, obtidos pelo consenso da
doutrina, pela evolução da jurisprudência, pelos enunciados em jornadas e pelas
sugestões recebidas ao longo do trabalho.

2. As críticas à reforma do Código Civil
Uma primeira crítica à reforma do Código Civil é em relação ao número de
doutrinadores que estão envolvidos no texto da reforma. A corrente doutrinária
contrária à reforma sustenta que, dentre os aspectos técnicos considerados relevantes
para o êxito de uma codificação, está a necessidade de ser respondida uma importante
questão, qual seja, a de saber quais e quantas pessoas prepararam uma determinada
Codificação. Quanto menos numerosos os legisladores, mais rápido e melhor é o
Código.
O Professor Miguel Reale foi a figura central na redação do Código Civil de
2002, alterando profundamente a codificação anterior, denominada Código Beviláqua.
Dentre as mudanças, identifica-se a adoção do solidarismo ao invés do positivismo,
bem como a substituição da moral canonista pela moral laica, uma moral
precipuamente voltada ao social.
De modo geral, a crítica não é aos doutrinadores envolvidos na reforma, mas
sim ao fato de que cada um deles tem uma formação diferente, adquirida em distintas
Escolas Jurídicas, cujas concepções sobre o Direito Civil são, em muitos casos,
divergentes, adotando soluções não poucas vezes criticadas, além de apresentar um
texto eivado de repetições e contradições, constatadas ao longo dos meses, pela
crítica hostil efetuada pela Doutrina e pelos operadores do Direito em geral, que não
concordam com todas as pretendidas melhorias no texto do Código Reale. 4
A doutrinadora Vera Jacob de Fradera entende que, embora sejam variadas as
concepções do que seja uma Codificação, há uma unanimidade em relação à exigência
de certos elementos comuns a todas elas, quais sejam, a simplificação, a racionalização
e a clareza, o que não se verifica no Projeto de Lei em questão. 5
Outra crítica à reforma é que, ao invés de redução, estamos frente a um
acréscimo (desordenado) de regras e parágrafos aos já existentes no texto do
legislador Reale. A reforma, sob o pretexto de atualização, acabará, se aprovada,
deformando o Código Civil, desfazendo a sua fisionomia original, tantas são as
alterações dissonantes em relação ao modelo original.
Essa opção tem como consequência a perda do efeito instituidor do Código
Reale, bem assim, seus efeitos de ordem e sistematização, restando, então,
desfigurado para sempre, enquanto o movimento de reforma tampouco adquire a
almejada condição de recodificação. 6
Como solução ao problema acima apontado, em especial em função da
multiplicação e especialização das matérias a demandar regulação, sugere-se a criação
de um Código Central, “um núcleo básico e fundamental de grandes princípios e de
cláusulas gerais, exercendo o Código uma função harmonizadora, interna e
externamente”, uma vez que é impossível reunir todas as matérias em um só Código. 7
Por fim, reforçando a linha de doutrinadores críticos à reforma, Judith
Martins-Costa sinaliza que, se aprovado o Projeto de Lei, as modificações na estrutura
jurídico-econômica das relações privadas resultarão em grave insegurança jurídica,
jogando por terra o trabalho diuturno de construção e consolidação, por juristas e
juízes, ao longo de anos. 8

3. Os reflexos da reforma na Revisão e Resolução Contratual por fatos
supervenientes. Das alterações nos arts. 478 ao 480 do Código Civil.
Uma vez apresentadas as posições doutrinárias favoráveis e contrárias à
reforma do Código Civil, passamos a tratar dos reflexos da reforma na revisão e
resolução contratual por fatos supervenientes.
Repetindo, com pouquíssimas alterações, o que consta do Código Civil italiano
sobre a matéria, o nosso Código Civil vigente contemplou, nos arts. 478 a 480, a
chamada resolução contratual por onerosidade excessiva.
Este tema vem exercendo um protagonismo nos últimos anos, especialmente
em virtude da Pandemia do Coronavírus e, mais recentemente, em função das
enchentes que acometeram o Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2024. Outro
exemplo, ainda mais recente sobre fatos supervenientes, são as inesperadas tarifas
impostas pelo Estados Unidos aos produtos brasileiros, que geraram forte impacto nas
relações contratuais sobretudo naquelas relacionadas à exportação de produtos aos
EUA.
Em primeiro lugar, trataremos das alterações da Reforma no que se refere ao
art. 478 do Código Civil, que está assim redigido no diploma atual: “Nos contratos de
execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Segundo aponta Anderson Schreiber, a extinção do contrato por onerosidade
excessiva não configura, a rigor, uma espécie de resolução: seu fundamento não
assenta no inadimplemento, mas no desequilíbrio superveniente do contrato, de tal
modo que o mais correto seria aludir à extinção do contrato por onerosidade
excessiva. 9
Da análise da literalidade do art. 478 do Código Civil a doutrina extrai os
requisitos de sua aplicação, quais sejam, a) a existência de contrato “de execução
continuada ou diferida”; b) a excessiva onerosidade para uma das partes; c) a
“extrema vantagem” da outra parte; e d) a ocorrência de “acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis”. 10
Há uma forte corrente doutrinária sustentando que urge alterar o foco das
discussões em matéria de desequilíbrio contratual superveniente, o qual deve
deslocar-se da questão da imprevisibilidade e extraordinariedade (do acontecimento
apontado como “causa”) para o desequilíbrio contratual em caso concreto. Trata-se,
em essência, de assegurar o equilíbrio contratual, e não de proteger as partes contra
acontecimentos que não poderiam ou não puderam ser antecipados no momento de
sua manifestação originária de vontade. 11
Além disso, conforme se verifica no art. 478, o referido dispositivo versa tão
somente sobre a extinção do contrato, não fazendo qualquer menção à revisão
contratual em virtude de acontecimentos supervenientes.
Atualmente, a possibilidade de revisão contratual no Código Civil está restrita
ao parágrafo único do art. 421 (inserido pela Lei da Liberdade Econômica – Lei nº
13.874/2019), que prevê: “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio
da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”, bem como na
redação do art. 317: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá
o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real
da prestação.” A questão que se apresenta é: quais são esses pressupostos?
Partindo-se da premissa de que é necessário que a lei defina parâmetros para
a revisão contratual por fatos supervenientes, que sejam, inclusive, congruentes com a
ratio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão do contrato, os
redatores da reforma propõem alterações relevantes no art. 478 do Código Civil, as
quais abarcam de uma só vez a revisão e a resolução contratual por fatos
supervenientes.
Sustentam os redatores do Projeto de Lei que não basta para a segurança
jurídica das relações contratuais que o sistema contenha uma regra a autorizar a resolução do contrato, sem referir à revisão, como ocorre com o atual art. 478 do
Código Civil. A insuficiência textual dessa regra frente aos comandos já existentes no
próprio sistema acaba por impor a ela uma interpretação expandida, de modo a
admiti-la, também, para fins de revisão contratual.
A existência de uma norma a admitir expressamente a revisão e a resolução
contratual por fatos supervenientes, com parâmetros seguros, que garantam a sua
excepcionalidade, é uma demanda da realidade.
Em resposta aos problemas acima tratados, o Projeto de Reforma do Código
Civil propõe a seguinte redação para o art. 478.
| Código Civil de 2002 | PL 04/2025 – Reforma do CC |
| Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. | Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, havendo alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a celebração do contrato, em decorrência de eventos imprevisíveis que gerem onerosidade excessiva para um dos contratantes e que excedam os riscos normais da contratação, o devedor poderá pedir a sua revisão ou a sua resolução. § 1º Para a identificação dos riscos normais da contratação, deve-se considerar a sua alocação, originalmente pactuada. § 2° Há imprevisibilidade do evento quando a alteração superveniente das circunstâncias ou dos seus efeitos não poderiam ser razoavelmente previstos por pessoa de diligência normal ou com a mesma qualificação da parte prejudicada pela onerosidade excessiva e diante das circunstâncias presentes no momento da contratação. § 3° A revisão se limitará ao necessário para eliminar ou mitigar a onerosidade excessiva, observadas a boa-fé, a alocação de riscos originalmente pactuada pelas partes e a ausência de sacrifício excessivo às partes. § 4° Não se aplica o disposto neste artigo para a mera impossibilidade econômica de adimplemento decorrente de fato pertinente à esfera pessoal ou subjetiva de um dos contratantes. § 5° O disposto nesta seção não se aplica aos contratos de consumo, cuja revisão e resolução se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor. |
A proposta claramente busca conferir um mecanismo mais claro e equilibrado
para situações de mudança superveniente e imprevisível, que torne a execução do
contrato excessivamente onerosa para uma das partes. Isso é fundamental,
justamente para evitar que mudanças externas, que escapem ao controle das partes,
prejudiquem de forma desproporcional quem, porventura, ficou em situação de
desvantagem.
O §1º indica que a avaliação deve considerar a alocação dos riscos
inicialmente pactuada. Assim, evita-se que a parte prejudicada utilize a alteração de
circunstâncias como “muleta” para reavaliações gerais, promovendo, na prática, maior
estabilidade nas relações contratuais.
O §2º, quanto à imprevisibilidade, reforça o critério de boa-fé objetiva e de
razoabilidade, reforçando que não basta que o evento seja imprevisível, ele deve estar
além do que uma pessoa diligente pode prever. É um limite importante para evitar
demandas oportunistas, que poderiam transformar qualquer evento imprevisto em
motivo de revisão ou resolução do contrato.
Já o §3º, ao estabelecer que a revisão deve limitar-se ao necessário para
eliminar ou mitigar a onerosidade excessiva, reforça o princípio da boa-fé e da não
abusividade, para evitar que uma parte utilize essa hipótese para alterar de forma
abusiva as condições pactuadas inicialmente.
Quanto ao §4º, a exclusão de aplicação no âmbito da esfera pessoal ou
subjetiva é uma limitação sensata, pois evita que problemas relativos à condição
financeira ou pessoal de uma das partes sejam tratados como eventos imprevisíveis,
de modo a desonerar a responsabilidade dela por fatores que deveriam, na maior
parte dos casos, estar sob seu controle.
Por fim, o §5º, que exclui os contratos de consumo, é uma natural
acomodação às peculiaridades do direito do consumidor. Tal parágrafo apenas reitera
a necessidade de proteger o equilíbrio contratual quando se tratar de relação de
consumo, em consonância com o Código de Defesa do Consumidor.
Uma vez atendidos aos requisitos do caput, viável será pleitear a revisão ou
resolução contratual. Não há hierarquia entre elas, cabendo a escolha à parte
prejudicada pela onerosidade excessiva, tendo o Projeto de Lei eliminado o requisito da manifesta vantagem para a outra parte, ainda presente na legislação vigente e
mitigado pela jurisprudência.
Entendeu a Comissão de Reforma do Código Civil que caberia ao autor
escolher o provimento que melhor atenda ao seu interesse (resolução ou revisão), sem
discricionariedade judicial, admitindo, porém, decisão diversa do pedido inicial em
casos previstos na própria lei, de modo a atender ao sentido da intervenção mínima e
da própria excepcionalidade da revisão contratual. 12 Nesse sentido é a regra do art.
479, consoante o Projeto de Lei:
A regra do caput não altera o sentido da norma hoje vigente, autorizando o
credor a oferecer proposta de modificação do contrato, visando evitar a resolução,
quando esta é requerida pelo devedor.
A novidade está no parágrafo único, que se destina às hipóteses nas quais o
devedor pede a revisão do contrato. Nesses casos, o credor poderá opor exceções que
conduzam à resolução do contrato, afastando, assim, a adaptação dos termos pelo juiz
ou pelo árbitro. 13
O referido parágrafo único fornece um mecanismo de equilíbrio, de modo que
a parte que se sentir prejudicada por uma tentativa de ajuste desproporcional possa,
diante de uma impossibilidade ou irrazoabilidade, buscar a resolução do contrato, sob
critérios mensuráveis e justos.
Vejamos como os incisos tratam dos requisitos necessários para, em resposta
ao pedido de revisão, requerer a resolução contratual.
O inciso I reforça a ideia de função social e econômica do contrato, lembrando
que esses fatores devem ser considerados na avaliação do que é razoável ou não. Ou
seja, a revisão não pode prejudicar a função social do contrato, que inclui interesses de
toda a coletividade.
O inciso II, que trata da violação da boa-fé, remete ao princípio fundamental
do direito contratual, assegurando que qualquer alteração não contrarie os princípios
de lealdade, confiança e cooperação entre as partes.
O inciso III aponta que a alteração não deve acarretar sacrifício excessivo para
uma das partes, evitando desequilíbrios injustificados. Essa previsão é crucial para
equilibrar interesses diversos e evitar abusos.
O inciso IV, que fala da ineficácia da alteração quando ela frustrou a finalidade
do contrato, reforça a importância de alcançar o objetivo contratual. Se a mudança
superveniente é prejudicial, de tal modo que o contrato deixe de cumprir sua função
primordial, a resolução torna-se uma alternativa legítima.
Por fim, de modo coerente com a busca por soluções que contemplem a
autonomia privada, o Projeto de Lei propõe a seguinte redação para o art. 480, com o
acréscimo do art. 480-A:
Conforme se verifica na redação do art. 480 do Projeto de Lei, trata-se de
regra que reforça o sentido do vigente art. 421-A, I 14 , ao permitir às partes o
estabelecimento da cláusula de hardship.
A cláusula tem o objetivo de obrigar as partes a estimular negociações, com a
finalidade de adaptar o contrato se a sua execução se tornar muito onerosa para uma
delas em razão de alteração de circunstância imprevisível e posterior à celebração do
contrato. 15
Não se trata de imposição legal de dever de renegociar, mas de uma
obrigação contratual, desde que pactuada pelas partes.
Portanto, optou a Comissão da reforma por não impor às partes um dever
genérico de renegociação, mas por incentivar a celebração de cláusula de hardship,
como um corolário da autonomia privada.
Quanto ao proposto art. 480-A, ressalta-se que este dispositivo, ao propor a
possibilidade de resolução por frustração da finalidade do contrato, traz uma inovação
significativa, reforçando a ideia de que a função econômica e social do negócio deve
estar no centro da relação contratual. A resolução por frustração do fim comum é uma
ampliação do escopo de proteção às partes, especialmente em contratos de execução continuada ou diferida, onde o cumprimento da finalidade é essencial para justificar a
própria existência do negócio.
A ideia de que, mesmo na ausência dos requisitos previstos no art. 478, se
possa resolver o contrato por frustração do seu fim amplia o leque de possibilidades
de tutela do contratado ou do contratante, sobretudo em situações imprevistas que
alterem radicalmente a finalidade do negócio, como uma mudança regulatória,
desastre natural ou fato superveniente que elimine o interesse principal na
contratação.
Considerações finais
Como vimos, a reforma do Código Civil é um tema que suscita debates
acalorados na doutrina, dividindo opiniões e expondo diferentes visões sobre a
necessidade da sua atualização. De um lado, há quem defenda a urgência de
modernizar o Código, adaptando-o às novas realidades sociais e tecnológicas do século
XXI. De outro, há quem critique a forma como a reforma vem sendo conduzida, bem
como que esta possa comprometer a segurança jurídica existente.
Um dos pontos da reforma que merece especial atenção é a alteração
proposta nos arts. 478 ao 480 do Código Civil, relacionados à revisão e resolução dos
contratos por fatos supervenientes. Cada vez são mais frequentes os eventos
imprevisíveis e extraordinários que afetam as relações contratuais. Citamos como
exemplos a Pandemia do Coronavírus e as enchentes que acometeram o Rio Grande
do Sul em 2024, gerando situações de onerosidade excessiva e desequilíbrio em
diversas relações contratuais.
A proposta de reforma do Código Civil neste ponto, ao nosso ver, parece
salutar, conferindo aos contratantes maior flexibilidade e adaptabilidade ao sistema
contratual, permitindo que as partes possam revisar ou extinguir seus contratos em
situações de onerosidade excessiva ou frustração da finalidade contratual.
Entretanto, é fundamental que a aplicação dessas novas regras seja feita com
cautela e moderação, a fim de evitar que a revisão e a resolução contratual se tornem
instrumentos de oportunismo e insegurança jurídica.
Ao ponderar os argumentos e analisar as propostas apresentadas, o nosso
objetivo é contribuir para o debate sobre a reforma, oferecendo uma visão crítica e
construtiva sobre os seus impactos nas relações contratuais, em especial no que se
refere à revisão e à resolução por fatos supervenientes.