
A responsabilidade solidária e subsidiária de empresas integrantes do grupo econômico sob a perspectiva da jurisprudência atual
Resumo
É prática consagrada no cenário empresarial atual a formação de grupos econômicos por
empresas que, apesar de manterem personalidades jurídicas e patrimônios próprios, estão
submetidas a um mesmo controle e atuam de maneira integrada. Esse tipo de organização
societária tornou-se cada vez mais comum, em razão da busca por maior eficiência e
competitividade no mercado. Neste contexto, o artigo propõe explorar a legislação vigente
e a jurisprudência aplicável ao tema sob a ótica do Direito Civil, tendo em vista as
controvérsias que envolvem o reconhecimento da existência de um grupo econômico.
Considerando esse objetivo, examinam-se os efeitos da responsabilização solidária e
subsidiária de empresas que compõem grupo em litígios judiciais no plano do direito civil
e do processo civil brasileiro. Depois disso, apresenta-se uma análise jurisprudencial sobre
a matéria no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP) e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Com base neste estudo,
oferecem-se subsídios importantes para a construção de teses jurídicas coerentes com a
prática jurisprudencial e os entendimentos predominantes nos Tribunais.
Introdução
Ao longo dos anos, a deficiência dos dispositivos legais existentes sobre grupos
econômicos, suas classificações, conceitos e requisitos para a sua caracterização, vem
gerando dificuldades na solução de litígios judiciais e levantando questionamentos sobre a
segurança jurídica nas relações empresariais, especialmente no que diz respeito às
implicações sofridas por cada pessoa jurídica do grupo em decorrência de dívidas e
obrigações contraídas por outra empresa integrante.
À primeira vista, é certo que no Direito Civil se preserva a autonomia das pessoas
jurídicas integrantes do grupo, sendo que cada empresa responde por seus próprios atos e
obrigações assumidas. Isso porque o grupo econômico não possui personalidade jurídica, sendo apenas uma relação interempresarial de sociedades que se comprometem tão
somente a combinar recursos e esforços, ou a participar de atividades comuns. Por outro
lado, pode-se relativizar a autonomia patrimonial dessas pessoas jurídicas em algumas
situações excepcionais, de modo que venha a ser reconhecida, judicialmente, a
responsabilidade solidária ou subsidiária entre as empresas que compõem o grupo
econômico, a fim de assegurar a reparação de danos causados a terceiros por algum dos
componentes do grupo 1 .
O reconhecimento dessa relativização e, consequentemente, da responsabilização
de pessoa jurídica que não assumiu ou descumpriu a obrigação, manifesta contornos
complexos no direito material e especialmente no processo civil, geralmente atrelados a
questões relacionadas à legitimidade passiva, à desconsideração da personalidade jurídica
ou, até mesmo, não raras vezes, ao simples redirecionamento da execução entre empresas.
Diante deste contexto, o presente artigo tem por objetivo analisar os fundamentos
legais e jurisprudenciais relacionados ao reconhecimento de um grupo econômico e a
possibilidade de responsabilização solidária e subsidiária de empresas que o integram no
âmbito do processo civil.
1. Como identificar um grupo econômico?
A análise da caracterização do grupo econômico exige, antes de tudo, o
entendimento da base conceitual que sustenta a pessoa jurídica e representa o ponto de
partida para a compreensão das relações empresariais. Nas palavras de Flávio Tartuce 2 , as
pessoas jurídicas podem ser conceituadas, em regra, como conjunto de pessoas ou de bens
arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal. O art. 49-A
do Código Civil, inserido pela Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) 3 , explica
que a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios, associados, instituidores ou
administradores, de modo que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um
instrumento lícito de alocação e segregação de riscos.
Com o desenvolvimento do capitalismo e o surgimento de grandes
empreendimentos, as pessoas jurídicas associaram-se com o objetivo de criar grupos
independentes, sujeitos a uma direção única, formando os denominados grupos
econômicos. No Direito Civil, a Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas ou LSA)
é a principal legislação que regula a formação e o funcionamento de grupos econômicos,
através do que é também denominado “grupo de sociedades”.
No entanto, a referida lei não estabeleceu diretamente quais são os critérios
objetivos para caracterização dos grupos econômicos. Segundo a interpretação de Marlon
Tomazatte 4 , os grupos possuem duas classificações, que distinguem os chamados grupos de
direito ou grupos de fato, e grupos de subordinação ou grupos de coordenação.
Os grupos de direito são formados pelo conjunto de sociedades cujo controle é
titularizado por uma controladora (holding) 5 e que, mediante convenção, acerca de
combinação de esforços ou participação em atividades ou empreendimentos comuns,
formalizam essa relação interempresarial através do registro na Junta Comercial, e que
devem obrigatoriamente possuir a designação identificadora da sua existência “grupo” ou
“grupo de sociedades”, conforme regulam os arts. 265 e seguintes da referida LSA.
A legislação vigente, contudo, nada dispõe sobre o grupo econômico de fato. É
sabido, no entanto, que a falta de um registro formal não impede que pessoas jurídicas se
associem informalmente mediante o estabelecimento plenamente válido de uma convenção
interna entre os componentes, até mesmo porque não há uma vedação legal 6 . Aliás, o grupo
de fato é a forma mais comum que se observa atualmente no mercado, caracterizado pela
inexistência de convenção ou registro formal, em que há uma mera junção de sociedades
sujeitas a uma ingerência constante e comum na condução dos seus negócios, mediante
subordinação.
Ademais, existem os grupos de subordinação, nos quais, como o seu próprio nome
sugere, há uma sociedade que detém o controle das demais integrantes (a sociedade
controladora, ou holding), a qual pode limitar-se a este comando, mas também pode
exercer outras atividades. Ainda, há o grupo de coordenação, em que todas as sociedades
são igualitárias e embora haja uma direção única, não se fala em controle, já que as
empresas compactuam uma coordenação sem influência na sua autonomia 7 .
É nesta realidade que um dos elementos centrais, mas não isolado, para a
caracterização do grupo econômico, é a existência de uma direção única e controle na
condução dos negócios 8 . Por essa razão, ganha especial relevância o posicionamento do
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso
Especial nº 2.301.818/RS, sob a Relatoria do Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva 9 , que
exige prova cabal de pertencimento a grupo sob o mesmo controle, unidade gerencial,
laboral e patrimonial. Em outras palavras, aliada à ingerência constante no exercício da
atividade empresarial, o reconhecimento do grupo econômico depende diretamente da
análise do caso concreto e dos elementos probatórios apresentados em cada processo.
Consultando a jurisprudência dos Tribunais estaduais, observou-se a divergência
de entendimentos com relação à caracterização de grupo econômico e suas repercussões. O
Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio da 24ª Câmara de Direito Privado 10 ,
reconheceu, em determinado contexto fático, que a exequente logrou comprovar a
existência de grupo econômico entre as executadas, devido à confusão de endereços,
número de telefone, e-mail e a existência de sócia em comum entre as empresas. Em
sentido diverso, a 3ª Câmara de Direito Privado 11 do mesmo Tribunal já decidiu pela
inexistência de grupo, em razão da ausência de comprovação de subordinação administrativa, confusão patrimonial, identidade de endereços, cruzamento de acionistas e
diretores entre as empresas, tratando-se de mera participação, já dissolvida.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio da 23ª Câmara
Cível 12 , reconheceu a existência de grupo econômico de fato entre as empresas, pois os
sócios-administradores são os mesmos, com endereços iguais, o que evidenciaria a
ausência de linha divisória patrimonial entre elas. Em outra decisão, a 17ª Câmara Cível 13
do mesmo Tribunal entendeu que não havia elementos suficientes para caracterizar o grupo
econômico, pois a prova apresentada não teria demonstrado a identidade da atividade
empresarial, unidade de controle, confusão patrimonial ou benefícios econômicos, pois a
mera identidade de sócios não seria suficiente para configurar grupo econômico.
Como visto, os Tribunais vêm analisando a matéria de acordo com as
particularidades de cada caso concreto. Não obstante, a partir dos julgados acima
analisados, é possível destacar alguns critérios comumente considerados pelos julgadores,
para efeito de reconhecimento de grupo econômico, conforme se visualiza no seguinte
quadro:
Observados estes pontos, conclui-se que a ausência de critérios legais bem definidos
para o reconhecimento do grupo econômico de fato é uma realidade que tem demandado
uma atuação interpretativa mais ativa por parte do Poder Judiciário. Em decorrência da
ausência de ditos critérios, observou-se que a análise da existência ou não de grupo
econômico pautou-se por requisitos diversos, inexistindo uniformidade de entendimento
sobre os elementos essenciais para a caracterização de grupo econômico.
Conforme será abordado a seguir, os elementos fáticos e as circunstâncias
específicas, de cada caso concreto, vêm se mostrando determinantes para o reconhecimento
ou não da existência desses grupos econômicos e, eventualmente, para o reconhecimento
de responsabilidade de sociedade(s) que o(s) compõe(m).
2. A importante distinção entre a responsabilidade solidária e subsidiária e os reflexos
nas obrigações de cada integrante do grupo
É indiscutível que a constituição de um grupo econômico não cria uma nova
personalidade jurídica, tampouco acarreta, por si só, a responsabilização solidária ou
subsidiária por obrigações contratuais ou extracontratuais em função de uma sociedade
controlar outra ou várias sociedades serem controladas por uma mesma sociedade. 14
Surge, portanto, a necessidade de se formular a seguinte indagação: a simples
existência de um grupo econômico é suficiente para justificar a inclusão de pessoas jurídicas que o compõem no polo passivo de uma demanda judicial no âmbito do Direito
Civil?
A resposta, em regra, é não. A responsabilidade, para o direito, é uma obrigação
derivada de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências que podem
variar de acordo com os interesses lesados 15 . Seguindo esta linha, as relações obrigacionais
apresentam diversas modalidades, mas sem o objetivo de esgotar as variadas formas de
classificação, o ponto focal será a análise das obrigações solidárias e subsidiárias.
Para a doutrina, a obrigação solidária, sem dúvida, é a mais importante das categorias
do direito obrigacional 16 , e está regulada no art. 264 do Código Civil 17 , ao prever que há
solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um
devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda. Assim, na responsabilidade
solidária o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial
ou totalmente, a dívida comum.
Já na responsabilidade subsidiária, o terceiro somente é chamado para cumprir a
obrigação quando o devedor principal se revela inadimplente, total ou parcialmente. Logo,
a inadimplência do responsável direto constitui condição indispensável para que se possa
imputar a responsabilidade ao subsidiário 18 . Pode-se dizer que é uma forma de
solidariedade, mas com benefício de ordem na execução do patrimônio, pois em primeiro
lugar é demandado o patrimônio do devedor originário, e não tendo sido encontrados bens
ou não sendo eles suficientes, inicia-se a excussão de bens do responsável em caráter
subsidiário 19 .
Um aspecto interessante a ser destacado é que o Código Civil não trata diretamente
da responsabilidade subsidiária no livro de Direito de Obrigações, abordando-o de forma
pontual em dispositivos esparsos de outros dos seus livros. Entretanto, o Código é claro ao estabelecer que a solidariedade, por princípio, não se presume nunca, resultando
expressamente da lei ou da vontade das partes 20 .
Se, por um lado, a formação de um grupo econômico não afasta automaticamente a
autonomia patrimonial dos seus membros à luz do Código Civil, por outro, legislações
específicas estabelecem a responsabilidade solidária entre entidades do grupo nos casos de
infração à ordem econômica, obrigações previdenciárias 21 e obrigações trabalhistas 22 .
É especialmente importante observar que a responsabilidade solidária entre empresas
do grupo econômico encontra aplicação mais ampla no âmbito da Justiça do Trabalho. Isso
porque, no Direito do Trabalho, admite-se a extensão da solidariedade sempre que houver
relação de controle, direção ou administração entre as empresas, seja por meio de
participação societária, seja por outros mecanismos de controle. Nessa perspectiva, a
solidariedade para as obrigações trabalhistas vem sendo reconhecida, pela jurisprudência,
independentemente da desconsideração da personalidade jurídica, basta a simples
declaração de solidariedade 23 .
No âmbito do direito civil, no entanto, a lógica adotada é distinta. Destaca-se, aliás, o
voto do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, componente da Terceira Turma do
STJ 24 , no sentido de que o redirecionamento da execução à pessoa jurídica que integra o
mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada depende da
demonstração dos elementos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica, os quais
não se presumem pela existência de grupo econômico.
Na mesma linha, o Ministro Relator Moura Ribeiro 25 , da Terceira Turma do STJ,
reforçou a necessidade de instauração prévia do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica se a pessoa jurídica não participou da fase de conhecimento, pois
entender de modo diverso violaria o disposto nos arts. 28, § 2º, do CDC 26 e arts. 133 a 137
do CPC. Tal posicionamento está alinhado com o art. 50, § 4º, do CC 27 , uma vez que a
mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput do
referido artigo, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
É comum haver certa confusão entre as formas de responsabilização previstas no
Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. No âmbito das relações de consumo,
respondem solidariamente perante o consumidor todas as pessoas jurídicas integrantes do
grupo societário que participam da cadeia de fornecedores 28 , circunstância que autoriza o
consumidor a exercer sua pretensão em face de uma, algumas ou todas elas. Admite-se,
ainda, a responsabilização subsidiária entre as empresas do grupo que não participaram da
cadeia de consumo, desde que preenchidos os requisitos para a desconsideração da
personalidade jurídica, na forma do art. 28, § 2º, do CDC.
Como se pode observar, a distinção entre a responsabilidade solidária e subsidiária
no contexto de grupos econômicos é primordial para analisar a extensão das obrigações
atribuídas a cada uma das empresas que o compõem. Essa diferenciação traz reflexos na
dinâmica processual, especialmente quanto ao momento da formação do polo passivo da
ação e da execução da obrigação. No tópico seguinte serão examinadas algumas decisões sobre o tema a partir de julgados que enfrentaram a responsabilização de empresas que
compõem grupo econômico.

3. Análise jurisprudencial sobre a inclusão de empresas integrantes do grupo
econômico no polo passivo da ação judicial
Como visto anteriormente, a caracterização de um grupo econômico e a forma de
responsabilização das pessoas jurídicas que o compõem podem variar conforme a natureza
da obrigação contraída e o ramo do direito em que é analisada.
Diante da inexistência de critérios legais objetivos que estabeleçam, sob a ótica do
Direito Civil, a solidariedade entre as pessoas jurídicas que fazem parte do mesmo grupo
econômico, seja ele de direito ou de fato, e a extensão da responsabilidade pelo
cumprimento de obrigações contraídas por um membro do grupo às demais, dependerá da
análise do caso concreto pelo Poder Judiciário.
Uma análise jurisprudencial com base em 10 (dez) acórdãos prolatados nos últimos 5
(cinco) anos pelo STJ, pelo TJSP e pelo TJRS permite-nos observar fundamentos
relevantes para a correta atribuição da responsabilidade às empresas que compõem o grupo
econômico, conforme demonstra o quadro abaixo.
Observa-se que a jurisprudência dos Tribunais tende a uma postura mais cautelosa no
que diz respeito à responsabilização de empresas do mesmo grupo econômico. A
relativização da personalidade jurídica representa medida extrema e excepcional no
ordenamento jurídico, haja vista que a sujeição do patrimônio de terceiro em razão da
desconsideração só poderá ser feita em juízo com a estrita observância dos pressupostos
legais pré-estabelecidos, de maneira a submetê-lo, adequadamente, à garantia do
contraditório e ampla defesa 29 .
Conforme já exposto, os elementos probatórios apresentados no caso concreto são a
chave para a conclusão dos julgadores. As provas assumem caráter determinante não
apenas para o reconhecimento do abuso da personalidade jurídica, capaz de ensejar a
responsabilização entre empresas do grupo, mas para rejeitar tal pretensão quando
evidenciado que a relação entre as pessoas jurídicas não ultrapassou os limites da
legalidade. Em situações desta espécie, a definição da estratégia processual é primordial
para preservação da segurança jurídica.
Considerações finais
O presente estudo visou analisar os fundamentos que justificam a caracterização de
um grupo econômico e que podem, eventualmente, determinar a atribuição da
responsabilidade solidária ou subsidiária entre empresas que o integram. A ausência de
critérios legais objetivos sobre o tema resulta em um campo fértil para a jurisprudência, de
modo que a análise segue sendo realizada caso a caso.
Esta abordagem com base em elementos fáticos, embora adequada à lógica do devido
processo legal, gera insegurança jurídica diante da imprevisibilidade das decisões judiciais.
Tendo em mente que, no âmbito civil, a mera existência de grupo econômico não é
suficiente para a responsabilização de empresa que dele seja integrante, a inclusão de
terceiros no polo passivo de ações, seja na fase de conhecimento ou de execução, exige
uma análise criteriosa, observando-se os pressupostos legais aplicáveis e os meios
processuais adequados, considerando o tratamento que deve ser dado à autonomia de cada
pessoa jurídica integrante do grupo.