
O Programa Requalifica Centro da cidade de São Paulo: legislação, benefícios e perspectivas
Resumo
O presente artigo aborda as potencialidades do retrofit, focando no Programa Requalifica Centro da
cidade de São Paulo (Lei Municipal nº 17.577/2021). Inicialmente, contextualiza-se o retrofit dentro
de um cenário de mudanças nas prioridades urbanísticas, destacando a crescente valorização da
sustentabilidade e da integração urbana. Em seguida, são detalhados os principais incentivos
urbanísticos oferecidos pelo Programa, incluindo a não computação de áreas destinadas à
acessibilidade, segurança e fachada ativa, permissão para acréscimo de área construída, demolição
parcial com reconstrução e a possibilidade de anexação de lotes. Adicionalmente, são examinados
os incentivos fiscais, como a remissão do IPTU retroativo, isenção temporária do IPTU e isenção do
ITBI, juntamente com as condições para a sua obtenção. Nesse sentido, apresenta-se uma visão
abrangente das oportunidades e desafios relacionados ao retrofit como estratégia de revitalização
urbana, destacando o papel dos incentivos legais na promoção de cidades mais funcionais e
sustentáveis.
Introdução
É nítido que, nas últimas décadas, o urbanismo tem passado por uma transformação
significativa em suas prioridades. Um exemplo claro dessa situação é a ideia que se tinha acerca
do luxo. Antes associado exclusivamente à ostentação, hoje se redefine em termos de bem-estar,
integração com o entorno urbano e qualidade de vida. Nos empreendimentos imobiliários
contemporâneos há uma valorização crescente de atributos como mobilidade, áreas verdes, uso
misto (fachadas ativas), elementos que dialogam diretamente com os princípios da
sustentabilidade.
Esse movimento reflete uma mudança cultural e de mercado, impulsionada,
justamente, pela mudança de prioridades que também pode ser vista nos consumidores finais, vez
que empreendimentos alinhados com políticas públicas e critérios ESG vêm sendo cada vez mais
valorizados pelos consumidores.
Essa realidade foi abordada no estudo feito pela McKinsey & Company 1 . Dito estudo
revela uma disposição crescente dos consumidores em pagar mais por imóveis que incorporem
práticas sustentáveis, reforçando a necessidade de o setor imobiliário alinhar seus projetos a essa
nova percepção de valor.
O conceito de retrofit surge nesse contexto. A palavra “retrofit” tem origem na língua inglesa e é formada pela junção de “retro” (latim, para trás) e “fit” (inglês, ajustar). Essa é a
essência do retrofit: “atualizar algo que já existe”. O conceito já é bastante difundido na Europa 2 ,
onde a prática do retrofit já se encontra consolidada há décadas. Isso porque as cidades europeias
se depararam mais cedo com o desafio de renovar suas edificações, atribuindo-lhes novos usos e
eficiência, o que fez com que a requalificação urbana se tornasse parte integrante das políticas de
desenvolvimento nas grandes metrópoles.
No Brasil, o retrofit começou a ganhar mais força recentemente, à medida em que os
centros urbanos vão envelhecendo e a demanda por soluções aumenta, surgindo o retrofit como uma
alternativa cada vez mais presente na realidade das cidades brasileiras. Já existem ótimos (e
famosos) exemplos, como é o caso da Cidade Matarazzo (São Paulo/SP), Hotel Fasano
(Salvador/BA), Palácio Tangará (São Paulo/SP), Rio by YOO (Rio de Janeiro/RJ), Jacques Pilon
Residence (São Paulo/SP), entre outros.
No presente artigo, propomos, inicialmente, explicitar os principais aspectos e
benefícios urbanísticos do retrofit, para, em seguida, examinar mais detidamente como o tema
recebeu, recentemente, um novo tratamento na legislação municipal de São Paulo.
Veremos como, nesta cidade, o instituto ganhou importância nos últimos anos,
especialmente através do Programa Requalifica Centro, vez que, segundo dados de julho de 2025,
30 edifícios estão em processo de retrofit, resultando em 2.214 novas unidades habitacionais, antes
obsoletas 3 .
Nesse mesmo sentido, cumpre referir, que a Prefeitura Municipal de São Paulo aprova,
em média, um projeto de retrofit a cada 18 dias, por meio do Programa Requalifica Centro. Ou
seja, a escala que esse programa atingiu chama a atenção, principalmente quando comparado com
o desenvolvimento do cenário nacional neste aspecto, que vem sendo bem mais tímido 4 .
1. A importância do retrofit em perspectiva urbanística
Ao contrário do que se pode pensar, o retrofit não está apenas vinculado e/ou limitado
a modernizar/renovar fachadas de imóveis com interesse histórico, podendo ser aplicado em qualquer tipo de imóvel. Nesse sentido, a atualização do já existente amplifica a “liberdade
criativa” 5 em projetos de renovação.
Ao preservar a identidade e a ambiência tradicional do local, a opção pelo retrofit
reduz os desperdícios, aproveitando a estrutura e os materiais já existentes, sendo uma
oportunidade concreta de utilizar soluções inovadoras. Dependendo do projeto, muitas vezes,
também com inovações tecnológicas, o retrofit melhora e renova a utilidade de imóveis obsoletos,
conferindo-lhes novo potencial de uso. Desse modo, renova-se a sua estética, tornando-os
funcionais e rentáveis novamente.
Em um horizonte urbanístico, a requalificação urbana é uma estratégia essencial para
promover cidades mais funcionais e sustentáveis, ao passo que a legislação deve ir ao encontro
dessa realidade, buscando auxiliar com incentivos aqueles que buscam essa modalidade. Como se
sabe, sem que tal situação seja legalmente viável, até as melhores intenções podem se mostrar
ineficazes no campo prático.
A competência para a regulação do retrofit é municipal, considerando-se que o art. 182
da Constituição Federal estabelece que a política de desenvolvimento urbano será executada pelo
Poder Público municipal, tendo por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
das cidades e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Nesse sentido, a não ser pelos princípios e diretrizes gerais para os instrumentos
urbanísticos, previstos no Estatuto da Cidade, inexiste uma regulação específica sobre o retrofit
que atinja todo território nacional. Ademais, uma regulamentação demasiado centralizada sobre o
retrofit tampouco seria ideal, se considerarmos as grandes diferenças entre as regiões e cidades do
país.
É fácil constatar, por meio dos dados relativos a empreendimentos que “fizeram uso”
da técnica do retrofit, que esta modalidade se encontra mais desenvolvida nos grandes centros
urbanos 6 , onde há estoque significativo de edificações antigas e obsoletas e demanda pela
revitalização de áreas centrais, o que vem sendo o foco de algumas legislações municipais, como
se verá adiante.
A seguir, veremos como funciona, em linhas gerais, o Programa Requalifica Centro,
objeto da Lei Municipal da Prefeitura de São Paulo/SP nº 17.577/21 e suas posteriores
regulamentações.
2. O retrofit no Programa Requalifica Centro em São Paulo
A Lei Municipal nº 17.577/21 de São Paulo, também denominada de “Programa
Requalifica Centro”, prevê incentivos edilícios e fiscais para estimular a requalificação (retrofit) de
prédios da região central da capital paulista, construídos até 23 de setembro de 2022 ou licenciados
com base na legislação edilícia vigente na época 7 , e localizados em um perímetro estimado em 6,4
km² da região central 8 .
Acessibilidade e Segurança de Uso
O primeiro incentivo trazido pela Lei que instituiu o Programa, em seu art. 5º, está
relacionado a itens essenciais, quais sejam: acessibilidade e segurança de uso. Isso porque as áreas
acrescidas para este fim (acessibilidade e segurança de uso) serão consideradas não computáveis
para cálculo de coeficiente de aproveitamento 9 e taxa de ocupação de solo 10 , podendo, inclusive,
ocupar faixas de recuo e implantar rampas ou dispositivos de acesso que avancem parcialmente
sobre o passeio público, sendo que esta última hipótese está condicionada à análise pelo órgão
municipal competente, observado o previsto no § 3º 11 do já mencionado art. 5º da Lei Municipal nº
17.577/21.
Ainda, a legislação deixa expresso que as intervenções nas edificações não serão
consideradas como alteração de volumetria (cf. § 3º do art. 5º), dispensando, em princípio, a
compra de outorga onerosa/índices construtivos.
Fachada ativa
Já o art. 6º da Lei Municipal nº 17.577/21 traz um incentivo vinculado à fachada ativa,
elemento muito presente na revisão do Plano Diretor de São Paulo e que tem sido bastante
valorizado no âmbito urbanístico, por promover a mobilidade ativa, reduzindo a dependência de
veículos, ao favorecer a combinação de usos residenciais, comerciais e de serviços no mesmo
edifício. Ademais, o art. 6º estipula que a instalação de usos não residenciais no pavimento térreo
ou a cobertura do edifício requalificado serão consideradas não computáveis, estando excluídos
deste incentivo os serviços de armazenamento, guarda de bens móveis e edifícios garagem.
Outro ponto interessante, previsto no §3º do art. 6º, está relacionado ao não pagamento
de contrapartida financeira em caso de mudança do uso da edificação existente, ponto este de
extrema relevância. 12
Como afirmamos anteriormente, o retrofit torna-se um produto interessante para
imóveis que se tornaram obsoletos, de modo que a isenção de contrapartida financeira traz
viabilidade econômica aos projetos, que poderia inexistir na ausência do “Programa Requalifica
Centro”.
Permissão para acréscimo de área construída
No art. 7º da Lei Municipal nº 17.577/21, consta a expressa permissão para o
acréscimo de área construída computável internamente ao edifício requalificado. Ou seja, é
possível converter áreas não computáveis (átrios, varandas, áreas de circulação) em área privativa.
A forma de viabilizar essa conversão pode ser através da permuta entre áreas computáveis e não
computáveis, mesmo que de tal forma ocorra o agravamento do coeficiente de aproveitamento
original, hipótese em que também não é necessária a outorga de potencial construtivo, tal como
previsto no § 1º do art. 7º.
Não obstante, caso a permuta antes referida não seja suficiente para acréscimo de área
construída computável internamente ao edifício, será necessário observar o coeficiente de
aproveitamento máximo, bem como incidir no pagamento de outorga onerosa, de acordo com o §
2º do art. 7º.
Ademais, pode-se vislumbrar outro incentivo inovador, no § 3º do art. 7º: “As áreas
construídas internamente ao edifício requalificado serão consideradas não computáveis quando
destinadas à categoria de uso residencial ou à instalação de equipamentos de cultura, de promoção pública ou privada, e de equipamentos de educação e de saúde de promoção pública,
independentemente dos parâmetros de ocupação preexistentes”.
No dispositivo citado, consta a previsão de que as áreas a serem construídas
internamente ao edifício requalificado serão consideradas não computáveis quando destinadas a: i)
uso residencial; ii) instalação de equipamentos de cultura, tanto públicos como privados; e, iii)
equipamentos de educação e de saúde de promoção pública. Trata-se, portanto, de incentivo para
que empreendimentos com uso residencial e equipamento públicos sejam realizados no centro,
utilizando o instituto do retrofit. Ainda, o §3º do art. 7º ressalta que a implantação dos usos acima
mencionados, independe “dos parâmetros de ocupação preexistentes”.
É importante sublinhar que os empreendimentos, ao se utilizarem do benefício que
possibilita a troca de uso, não poderão alterá-lo pelo período de 10 (dez) anos, a contar da emissão
do Certificado de Conclusão da Requalificação (cf. § 4º do art. 7º).
Todos estes benefícios edilícios do art. 7º do Programa Requalifica Centro apontam
claramente para o cálculo de áreas, haja vista as flexibilizações concedidas neste sentido,
possibilitando um melhor aproveitamento das áreas existentes, bem como proporcionando que
certas compensações sejam feitas, diminuindo a necessidade de compra de potencial construtivo.
Demolição parcial e reconstrução de áreas demolidas
Uma importante previsão no Programa diz respeito à demolição parcial e à
reconstrução de áreas demolidas, previstas no art. 8º, §§ 1º e 2º, da Lei Municipal nº 17.577/21.
Quanto à demolição parcial de edificação existente, o pedido de requalificação poderá prevê-la,
desde que a área a ser demolida seja inferior a 20% da área construída total da edificação. Por sua
vez, a demolição que exceda o percentual antes referido, deverá ser licenciada como reforma.
No que tange à reconstrução das áreas demolidas, caso ela se dê após a mencionada
demolição parcial, poderá alcançar os parâmetros originais da edificação, dispensando a
contrapartida de outorga onerosa adicional.
Itens dispensados
De acordo com o art. 9º da Lei Municipal nº 17.577/21, diversos itens que comumente
são exigidos pelo ente público para aprovação de projetos podem ser dispensados nos casos de
retrofit, como é o caso, por exemplo, da dispensa do atendimento à fachada ativa, da dispensa à
doação de área para fins de alargamento da calçada; da dispensa à cota-parte máxima de terreno
por unidade habitacional, entre outros. 13
Possibilidade de anexação de lote
O art. 12, II, da Lei Municipal nº 17.577/21 é expresso em permitir em projetos de
requalificação urbana a anexação de novo lote. Nesta hipótese, o lote que está sendo anexado
passará a obedecer os parâmetros urbanísticos vigentes, mesmo que o lote original, por ter sido
construído sob a égide de outra lei, exceda esses limites.
Isto é, na hipótese de que um prédio antigo do centro de São Paulo, construído há
décadas, sob leis urbanísticas não mais vigentes, seja adquirido com o intuito de retrofit e que,
além disso, seja anexado um lote vizinho a este imóvel, a eventual nova edificação a ser construída
no referido lote vizinho poderá seguir as regras urbanísticas vigentes, mesmo que a edificação
antiga, que fará parte do mesmo imóvel 14 , não esteja de acordo com a legislação urbanística atual.
Na prática, portanto, o prédio antigo mantém sua configuração original e o novo lote
incorporado pode ser desenvolvido de acordo com as regras atuais, permitindo ampliações, novas
construções ou áreas complementares ao retrofit.
Essa possibilidade, trazida pelo art. 12, I, da Lei Municipal nº 17.577/21, evita que a
irregularidade do prédio antigo em relação às normas urbanísticas vigentes “contamine” a
possibilidade de uso de um novo terreno, permitindo uma maior viabilidade econômica e um
projeto de maior escala.
Incentivos fiscais
O primeiro dos incentivos fiscais, previsto no art. 16, I, da Lei Municipal nº 17.577/21,
é a remissão do IPTU retroativo, vez que a legislação proporciona o “perdão” de todos os créditos
existentes relativos a este tributo. Em complemento a este incentivo, também está previsto, no
inciso II do art. 16, a isenção dos três primeiros anos de IPTU a partir da emissão do certificado de
conclusão da obra objeto da requalificação. Finalizado este prazo de isenção, a cobrança da
alíquota de IPTU volta a incidir de forma gradual, de acordo com o inciso III do art. 16, pelo prazo
de cinco anos, voltando a atingir a alíquota integral apenas no 6º ano.
Além dos incentivos vinculados ao IPTU, está prevista também a isenção de ITBI para
a aquisição de imóveis que passarão por requalificação, desde que apresentado o alvará de obra
neste sentido (art. 16, V).
Para aderir aos incentivos fiscais elencados, é necessário que as obras de retrofit
estejam concluídas até 31/12/2030 (ou 2037 para o perímetro mais crítico do centro, conforme § 8º
do art. 16). Frisa-se que, na hipótese de não conclusão das obras, nos termos do art. 16, §11, os
benefícios serão revogados e os impostos devidos voltarão a ser cobrados, inclusive
retroativamente.
Entende-se que o pacote de incentivos busca reduzir substancialmente os tributos,
durante e após a obra de requalificação, com o objetivo claro de estimular a revitalização de
prédios antigos no centro de São Paulo.
Pontua-se, por fim, que é possível valer-se, para um mesmo empreendimento, do
regramento específico trazido pelo Programa Requalifica Centro da cidade de São Paulo uma
única vez, devendo posteriores intervenções serem aprovadas como reforma, tal como regrado no
Código de Obras e Edificações.
Considerando a flexibilização das normas urbanísticas e a redução da carga tributária
possibilitada pela legislação municipal aqui analisada, visualiza-se que ela embasa uma estratégia
de incentivo à revitalização da região central da capital paulista, na medida em que reduz entraves
urbanísticos e financeiros que historicamente dificultavam a recuperação de imóveis antigos.
Realidade esta que se repete em outras capitais do Brasil, como por exemplo, em Porto Alegre, que
vem sofrendo com o esvaziamento do seu centro histórico, de modo que se vem buscando a
concessão de incentivos por parte da municipalidade, para que volte a ser atrativo morar e
frequentar o centro 15 .
Afora a questão vinculada à sustentabilidade e a possibilidade de conservar a
identidade urbana do local que a requalificação leva consigo, este instituto também auxilia a
promoção da função social da propriedade, combatendo a ociosidade de uma parcela significativa
de imóvel da região.

Considerações finais
O avanço do retrofit no Brasil, tomando-se como exemplo a cidade de São Paulo com o
Programa Requalifica Centro, demonstra uma mudança importante na forma como o poder público
e o mercado imobiliário podem atuar em conjunto para revitalizar o tecido urbano.
A legislação municipal analisada representa um marco ao combinar incentivos fiscais,
flexibilizações urbanísticas e, também, segurança jurídica, a fim de viabilizar a reciclagem de
imóveis obsoletos, transformando-os em ativos urbanos novamente funcionais e rentáveis.
Mais do que uma simples alternativa construtiva, a requalificação urbana consolida-se
como uma estratégia urbana de sustentabilidade, ao preservar estruturas existentes, reduzir
desperdícios e, sobretudo, manter a ambiência e a identidade histórica das regiões centrais. Além
disso, ao estimular usos mistos e habitação no centro, a política pública contribui para o
adensamento inteligente, a melhoria da mobilidade e a promoção da função social da propriedade.
O retrofit, além de ser uma resposta inteligente às exigências de sustentabilidade e
preservação urbana como antes mencionado, tem se consolidado como uma estratégia de
valorização imobiliária em diversos segmentos, pois uma gama de empreendimentos tanto no Brasil
quanto no exterior têm apostado na requalificação de edifícios icônicos para oferecer ao mercado
uma combinação entre localização privilegiada, arquitetura com história e infraestrutura moderna.