
Regularização da titularidade de bens imóveis pela via da adjudicação compulsória judicial ou extrajudicial
Resumo
A adjudicação compulsória extrajudicial, instituída pela Lei nº 14.382/2022, representa uma estratégia promissora para garantir a regularização da propriedade de bens imóveis sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, conferindo maior celeridade ao procedimento e garantindo a plena eficácia aos atos e negócios jurídicos que importem em promessa de compra e venda ou promessa de permuta. Recentemente, o procedimento da Adjudicação Compulsória Extrajudicial foi regulamentado pelo Provimento nº 150/2023 do CNJ, que incluiu diversos artigos no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). O artigo propõe uma análise desta modalidade extrajudicial de adjudicação compulsória, bem como uma avaliação sobre os casos em que somente é possível obtê-la mediante judicialização.
Introdução
A recente regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial, instituída pela Lei nº 14.283/2022, trouxe um importante avanço para a regularização da propriedade de bens imóveis, visto que ela tornou possível a apresentação de requerimento, pelo interessado em adjudicar o imóvel, diretamente no Registro de Imóveis, sem a necessidade de intervenção judicial.
Esta regulamentação representa um passo significativo na modernização do sistema jurídico brasileiro, em se tratando de adjudicação compulsória. Ao compreendermos as nuances e os impactos deste procedimento, podemos vislumbrar com clareza como este pode maximizar os benefícios da desjudicialização e contribuir para o acesso à justiça mais ágil e eficiente.
Nesse prisma, o presente artigo convida o leitor a conhecer o fenômeno da desjudicialização e se propõe a responder a duas questões cruciais: a adjudicação compulsória extrajudicial importa em benefícios aos interessados? Existem casos em que somente é possível obter a transmissão da propriedade mediante judicialização? Tais questionamentos se mostram essenciais para a avaliar a eficácia e a abrangência da adjudicação compulsória extrajudicial, além de esclarecer em quais situações a intervenção judicial ainda se faz necessária.
1. O direito de acesso à justiça e a desjudicialização dos conflitos
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito de acesso à justiça foi elevado à garantia constitucional fundamental de apreciação pelo Poder Judiciário de toda e qualquer lesão ou ameaça de direito, de acordo com o art. 5º, XXXV. A interpretação mais restritiva acerca da concretização deste direito advém do fortalecimento do papel do Judiciário desde o período de redemocratização do país, com o aumento da demanda da sociedade por justiça, resultando em uma maior judicialização dos conflitos.1
Segundo os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Poder Judiciário encerrou o ano de 2023 com 83,8 milhões de processos pendentes aguardando alguma solução definitiva, com o ingresso de 22,6 milhões novas ações originárias, número que equivale a 5,8% a mais que no ano anterior. Em média, a cada grupo de mil habitantes, 143 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2023.2
3Os relatórios do CNJ demonstram a cultura litigante da sociedade brasileira, a qual credita tradicionalmente ao Poder Judiciário e ao processo judicial contencioso a tarefa de pacificação dos conflitos, não obstante a evidência de que estes não têm dado conta da enorme conflituosidade existente no país.
A acepção mais ampla acerca da garantia de acesso à justiça, no entanto, confere alternativas à resolução de conflitos que não sejam apenas pela via jurisdicional. Kazuo Watanabe defende que “a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de viabilizar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.”.4
Para Mauro Cappelletti5, o novo enfoque dessa garantia centra a sua atenção no conjunto de instituições e mecanismos disponíveis para processar ou mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas, a partir da verificação de diversos fatores e barreiras que distinguem um litígio do outro, como a sua complexidade, o montante da controvérsia, o relacionamento existente entre as partes, assim como as repercussões coletivas e individuais de cada disputa.
Nesta mesma linha, as ondas renovatórias de defesa do acesso à justiça promoveram, ao longo dos anos, os métodos alternativos para a solução de conflitos, a exemplo da Lei nº 9.099/95, inspirada no Small Claims Courts de Nova York, que criou o sistema dos juizados especiais com ênfase na conciliação. Ainda, em 1996, a Lei nº 9.307 regulamentou a arbitragem, que constitui método de resolução de conflitos especialmente utilizado nas áreas comercial e societária.6
No âmbito do Poder Judiciário, o CNJ editou a Resolução nº 125/2010, instituindo uma “política nacional de tratamento adequado dos conflitos”, considerando o contexto fático da disputa para encontrar o método de resolução do conflito mais efetivo7. Nas palavras do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Marco Buzzi, a referida Resolução deflagrou uma política voltada para a promoção e efetivação dos meios mais adequados de resolução de litígios, sendo inadiável a mudança de mentalidade da sociedade quanto à busca da sentença judicial como o único caminho possível.8
Em 2015, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC), a desjudicialização e a adoção de métodos de solução consensual foram elencadas como normas fundamentais do processo civil. Segundo o art. 3º, §3º, do CPC, a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. O que não exclui, segundo o art. 175, a legitimidade das conciliações extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por profissionais independentes.
No mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 13.140/2015, que instituiu a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Conforme sublinha Daniel Ustárroz, as vantagens usuais da mediação são a relativa celeridade, a potencial economia de recursos e a informalização do seu procedimento, que é moldado pelos próprios envolvidos.9
Mais recentemente, o CNJ formulou diversas Metas Nacionais direcionadas ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. A Meta nº 9, especificamente, estipula como objetivo integrar a Agenda 2030 da ONU (para o desenvolvimento sustentável) ao Poder Judiciário, por meio da realização de ações de prevenção ou desjudicialização de litígios. De acordo com o glossário desta Meta, “desjudicializar” significa reverter a judicialização excessiva a partir da prevenção, localizando a origem do problema e encontrando soluções pacíficas. Trata-se, portanto, de palavra com natureza qualitativa e não meramente quantitativa10, de modo que para além da redução do número de processos, a desjudicialização pretende, sobretudo, promover soluções que, a depender da natureza de cada litígio, poderão mostrar-se mais adequadas que a via judicial contenciosa tradicional.
Dentre os métodos alternativos de acesso à justiça, os atos notariais e registrais oferecem ferramentas de elevada importância para a desjudicialização de direitos, tendo recebido nos últimos anos atribuições que antes eram exercidas exclusivamente pelo Poder Judiciário, a exemplo da possibilidade de lavratura de escrituras pública de inventário e partilha, separação e divórcio (Lei nº 11.441/2007), da instituição do procedimento extrajudicial da usucapião (art. 1.017 do CPC e art. 216-A da Lei nº 6.015/73) e da possibilidade de execução extrajudicial das garantias fiduciárias e hipotecárias (Leis nº 9.514/1997 e nº 14.711/23).
Em 2022, a Lei nº 14.283 instituiu o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial, previsto no art. 216-B da Lei nº 6.015/1973, possibilitando que o pedido de adjudicação de bem imóvel objeto de promessa de compra e venda ou de cessão seja processado diretamente no ofício de registro de imóveis, sem a necessidade de intervenção judicial.
Recentemente, ao editar o Provimento nº 150/2023, a fim de regulamentar e padronizar o referido procedimento, o CNJ considerou que a adjudicação compulsória extrajudicial é uma medida desjudicializadora que “possibilita um processo mais simples, rápido, célere e menos oneroso para o cidadão”.11

2. Procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial
Como regra geral, o Código Civil estabelece em seu art. 1.245 que se transfere “entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” e, em seu art. 108, que, não dispondo a lei em contrário, a escritura pública “é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
Não é incomum, entretanto, uma das partes contratantes opor resistência à lavratura da escritura pública e ao consequente registro, hipótese para a qual o ordenamento jurídico prevê o ajuizamento de ação de adjudicação compulsória pelo promitente comprador, nos termos do art. 1.418 do Código Civil, a fim de que haja a transferência do imóvel por sentença judicial.
Tradicionalmente, a doutrina conceitua a ação de adjudicação compulsória como a ação pessoal do promitente comprador a ser ajuizada em face do titular do domínio do imóvel que tenha prometido vender através de compromisso de compra e venda e se omitiu quanto à escritura definitiva, objetivando o suprimento judicial desta outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato que deveria ser praticado pelo promitente vendedor.
Conforme a análise empreendida no artigo “A Adjudicação Compulsória Inversa”, publicado no Temas Atuais em Direito Imobiliário do ano de 202212, a jurisprudência ampliou a possibilidade de propositura da ação de adjudicação compulsória, podendo ser igualmente requerida pelo promitente vendedor nos casos em que houver recusa injustificada do promitente comprador em receber a escritura pública, a fim de que esse não permaneça indefinidamente como proprietário na matrícula do bem imóvel.
A novidade trazida pela Lei nº 14.382/2022, que incluiu o art. 216-B na Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), é a possibilidade de requerer a adjudicação compulsória diretamente no Registro de Imóveis, objetivando, assim, simplificar o procedimento, dispensando a intervenção judicial quando for possível materializar o direito por meio do consenso, privilegiando a autonomia dos interessados.13
Em suma, comprovada a existência de contrato de promessa de compra e venda e a sua regular quitação, poderá o Registro de Imóveis recepcionar pedido extrajudicial de regularização da titularidade do imóvel, sendo legitimados a requerer a adjudicação o adquirente ou o transmitente, bem como cedentes, cessionários ou sucessores, sempre representados por advogados.14
O procedimento extrajudicial da adjudicação compulsória foi regulamentado pelo Provimento nº 150/2023 do CNJ, que incluiu diversos artigos no Provimento nº 149/2023, o qual, por sua vez, instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra).
Como esclarece o Registrador de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS, João Pedro Lamana Paiva15, o procedimento é composto de diversas fases e se inicia com a formação da Ata Notarial que instruirá o requerimento a ser apresentado no ofício imobiliário, devendo constar desta todo o conjunto probatório elencado no art. 440-G do Provimento nº 150/2023.
O Tabelião de Notas realizará uma análise preliminar acerca da viabilidade do procedimento de adjudicação compulsória pela via extrajudicial a partir da apuração dos requisitos elencados no referido art. 440-G, quais sejam: i) descrição do imóvel e de seus ônus e gravames, ii) identificação do negócio jurídico que dá fundamento à adjudicação compulsória, iii) prova do adimplemento integral do preço, iv) identificação do inadimplemento das providências que deveriam ter sido adotadas para a transmissão da propriedade e v) valor venal atribuído ao imóvel.
De acordo com o art. 440-B, incluído pelo Provimento nº 150/2023, quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, podem dar fundamento à adjudicação compulsória extrajudicial, desde que não haja direito de arrependimento exercitável.
Para fins de prova da quitação, segundo o art. 440-G, §6, do Provimento nº 150/2023, além da declaração emitida pelo promitente vendedor, poderão ser objeto de constatação pelo Tabelião, exemplificativamente, as seguintes evidências: i) ação de consignação em pagamento, ii) mensagens em que se declare quitação ou se reconheça que os pagamentos foram efetuados, iii) comprovantes de operações bancárias, iv) informações prestadas em declaração de imposto de renda, v) recibos, vi) averbação ou apresentação do termo de quitação oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, vii) notificação extrajudicial para constituição em mora.
Lavrada a Ata Notarial, nos termos do art. 440-L do Provimento 150/2023, o interessado apresentará o requerimento ao Registro de Imóveis da situação do imóvel, trazendo i) a identificação e o endereço do requerente e do requerido, ii) a descrição do imóvel, iii) o histórico de atos e negócios jurídicos que levaram à cessão ou à sucessão de titularidades, iv) a declaração do requerente de que não pende processo judicial que possa impedir o registro da adjudicação compulsória, v) o pedido de que o requerido seja notificado a se manifestar, no prazo de 15 dias úteis, e vi) o pedido de deferimento da adjudicação compulsória e de lavratura do registro necessário à transferência da propriedade.
Havendo a qualificação positiva do requerimento, o Registrador notificará o requerido para, no prazo de 15 dias úteis, segundo o art. 440-S do Provimento 150/2023, anuir à transmissão da propriedade ou impugnar o pedido, com as razões e os documentos que entender pertinentes, sendo, no silêncio, presumida como verdadeira a alegação de inadimplemento do promitente vendedor.
A notificação será encaminhada pelos correios, com aviso de recebimento, facultado o encaminhamento por oficial do registro de títulos e documentos. Sem prejuízo, será enviada mensagem eletrônica de notificação por SMS, Whatsapp ou e-mail. Infrutíferas as tentativas de notificação pessoal, e não sendo possível a localização do requerido, o Oficial do Registro procederá à notificação por edital.
Apresentada impugnação do requerido por escrito, o Oficial de Registro notificará o requerente para resposta no prazo de 15 dias úteis e, então, proferirá decisão no prazo de 10 dias úteis, entre outras hipóteses, indeferindo a impugnação, segundo o art. 440-AB do Provimento nº 150/2023, quando: i) a matéria já houver sido examinada e refutada em casos semelhantes pelo juízo competente, ii) não contiver a exposição das razões de discordância, iii) versar sobre matéria estranha à adjudicação compulsória, iv) for de caráter meramente protelatório.
Da decisão que rejeitar ou acolher a impugnação, o requerente e o requerido poderão recorrer no prazo de 10 dias úteis, sendo facultada ao requerente a apresentação de manifestação sobre o recurso em igual prazo. Com ou sem manifestação sobre o recurso, ou havendo manifestação de insurgência do requerente contra o acolhimento da impugnação, de acordo com o art. 440-AE do Provimento nº 150/2023, os autos serão encaminhados ao juízo que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a procedência da impugnação. Ou seja, mesmo ainda no âmbito da adjudicação compulsória extrajudicial, em caso de recurso, obrigatória será o encaminhamento dos autos ao juiz da vara competente.
Ainda, consoante a previsão do art. 440-AE, do Provimento nº150/2023, rejeitada a impugnação, o juiz determinará a retomada do procedimento perante o Registro de Imóveis. Em sendo acolhida a impugnação, o juiz determinará ao Oficial a extinção do procedimento e o cancelamento da prenotação realizada na matrícula. Em qualquer das hipóteses, a decisão do juízo esgotará a instância administrativa acerca da impugnação.
Não havendo impugnação, afastada a que houver sido apresentada, ou anuindo o requerido ao pedido, o Oficial de Registro de imóveis deferirá o pedido, em nota fundamentada.
A formalização do título dar-se-á por meio de Carta de Adjudicação Compulsória Extrajudicial, sendo o requerente notificado para realizar o pagamento do imposto de transmissão (ITBI), no prazo de 5 dias úteis.
Após a comprovação do recolhimento do imposto, será deferido o registro do domínio, servindo de título o próprio despacho em conjunto com a Ata Notarial e a Carta de Adjudicação Compulsória Extrajudicial, além da respectiva promessa de compra e venda ou de cessão, ou o instrumento que comprove a sucessão, nos termos do art. 216-B, § 3º, da Lei nº 6.015/197316.

3. Adjudicação compulsória judicial ou extrajudicial?
A regulamentação da adjudicação compulsória extrajudicial pelo CNJ estabeleceu requisitos similares àqueles exigidos pelo Poder Judiciário, havendo uma aproximação de formalidades entre os dois procedimentos e um paralelismo entre as vias judicial e extrajudicial.17
Muitas questões resolvidas no âmbito da jurisprudência ao longo dos anos foram incorporadas ao procedimento extrajudicial, a exemplo da possibilidade de adjudicação compulsória inversa, requerida pelo promitente vendedor (art. 216-B, §1º, da Lei 6.015/73), além da desnecessidade do prévio registro da promessa de compra e venda, da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor, dispensando-se a apresentação de Certidões Negativas de Débitos (art. 216-B, §2º, da Lei nº 6.015/73), e da prova prévia acerca do pagamento das cotas de despesas comuns para as unidades autônomas em condomínios edilícios (art. 440-AJ, Provimento nº 150/2023).
Cita-se, ainda, a previsão acerca da notificação da pessoa jurídica extinta na pessoa do liquidante ou de seu último administrador e, em sendo estes desconhecidos ou estando em local incerto ou não sabido, a possibilidade de a notificação ser feita por edital (artigo 440-U, §§1º e 2º, Provimento nº 150/2023).
Neste mesmo sentido, é passível de adjudicação compulsória extrajudicial o bem da massa falida, desde que o ato ou negócio jurídico seja anterior ao reconhecimento judicial da falência ou da recuperação judicial (art. 440-AK, Provimento nº 150/2023).
Restou igualmente autorizada, de forma expressa, a apresentação de requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial para os imóveis gravados por direitos reais, ônus e gravames que não impeçam atos de disposição voluntária da propriedade (art. 440-AG, Provimento nº 150/202318), bem como para aqueles gravados por indisponibilidades, desde que estas últimas sejam canceladas até a decisão final do Oficial do Registro de Imóveis (artigo 440-AH, Provimento nº 150/2023).
Destacam-se, ademais, os diversos meios de prova expressamente admitidos pelo procedimento extrajudicial para comprovar a quitação do preço, tais como mensagens em que se reconheça que os pagamentos foram efetuados, informações prestadas em declaração de imposto de renda e comprovantes de operações bancárias (art. 440-G, §6º, Provimento nº 150/2023).
Como visto, as referidas disposições garantiram a unicidade entre os procedimentos e a segurança jurídica para a adjudicação compulsória extrajudicial, devendo o Oficial do Registro indeferir eventual impugnação apresentada pelo notificado, além de outras hipóteses, quando a matéria já houver sido examinada e refutada em casos semelhantes pelo juízo competente ou for de caráter meramente protelatório (art. 440-AB, Provimento nº 150/2023).
O Oficial do Registro ou o Tabelião poderão, inclusive, instaurar sessões de conciliação e mediação entre os interessados, se entenderem viável (arts. 440-AA, parágrafo único, e 440-G, §8º, do Provimento nº 150/2023). É certo, no entanto, que não caberá ao registrador solucionar nenhum conflito entre as partes, visto que a cognição desempenhada por este se cinge à verificação dos pressupostos formais da adjudicação extrajudicial.19
Assim, havendo litígio entre as partes, o processo judicial permanecerá sendo o meio adequado para a resolução de conflitos, justificando a maior intervenção estatal, sobretudo porque a dilação probatória favorecerá a resolução do debate de modo eficiente às partes.
Ao Poder Judiciário é dado decidir com fundamento em princípios, como os da razoabilidade e proporcionalidade, podendo ser flexibilizado o preenchimento de alguns dos requisitos para a adjudicação compulsória.
Destaca-se, ainda, que o processo judicial oportuniza ao promitente vendedor cobrar do promitente comprador, nos próprios autos da ação de adjudicação compulsória inversa, o reembolso dos valores pagos a título de imposto de transmissão (ITBI) e emolumentos, mediante requerimento formulado em petição inicial.
Igualmente, a judicialização viabiliza ao interessado cumular o pedido de condenação da parte contrária ao pagamento de indenização por danos morais pelos transtornos ocasionados em razão da demora na regularização do imóvel, além de requerer o deferimento de tutela antecipada para a anotação premonitória, publicizando na matrícula do imóvel a informação acerca da existência da ação.
Não obstante as referidas vantagens da via judicial, o benefício da evidente celeridade favorece o ingresso diretamente perante o Ofício Imobiliário para os casos em que não há litígio, viabilizando a transferência da titularidade de bens imóveis em um prazo potencialmente menor em comparação ao que, de costume, se espera no Poder Judiciário que, além de estar sobrecarregado por demandas, é regido pelos princípios do contraditório e do duplo grau de jurisdição, o que incute prolongamento da discussão processual e maior morosidade.
Por fim, no que concerne aos custos da Adjudicação Compulsória Extrajudicial, enquanto não for editada, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, legislação acerca de emolumentos, a elaboração da ata notarial com valor econômico e o processamento do pedido pelo Oficial de Registro de Imóveis serão feitos na mesma forma da cobrança da usucapião pela via extrajudicial, de acordo com o art. 440-AM do Provimento nº 150/2023.
Com base nesta análise, o instituto da Adjudicação Compulsória Extrajudicial poderá contribuir para a celeridade e a efetivação das promessas de compra e venda, além de desobstruir o Poder Judiciário, por meio de um procedimento padronizado que observa os princípios contratuais da boa-fé e da função social20, sendo recomendada a sua utilização nas situações em que se mostrar prescindível a intervenção do Poder Judiciário.
Considerações finais
A desjudicialização dos conflitos é uma diretriz que vem sendo paulatina e progressivamente implementada, dando ênfase a formas extrajudiciais de composição, visando não apenas a redução de demandas judiciais, mas sobretudo a promoção do direito de acesso à justiça de forma mais ampla, ágil e eficaz, sendo tal enfoque reforçado pelas inovações legislativas que valorizam o papel dos registradores e notários como agentes desjudicializadores.
Neste contexto, a adjudicação compulsória extrajudicial, instituída pela Lei nº 14.382/2022, representa uma estratégia promissora para garantir a regularização da propriedade de bens imóveis sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, conferindo maior celeridade ao procedimento e garantindo a plena eficácia aos atos e negócios jurídicos que importem em promessa de compra e venda ou promessa de permuta.
A coexistência de métodos judiciais e extrajudiciais enriquece o sistema de justiça, oferecendo múltiplas alternativas para a resolução de conflitos adaptadas às particularidades de cada caso. Caberá aos advogados, portanto, avaliar cada problemática em particular para traçar a melhor estratégia e desenvolver o procedimento mais adequado, a fim de atender às especificidades da demanda apresentada por seu cliente, na busca da solução mais ágil e eficiente.
- Barroso, Luís Roberto. “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”. Suffragium – Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, Fortaleza, vol. 5, nº 8, 2009, p. 11-22. Disponível em https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5498 ↩︎
- Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em Números 2024. Brasília: CNJ, 2023. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf ↩︎
- Toffoli, José Antônio Dias. “Acesso à justiça na Constituição de 1988 e métodos adequados de resolução e conflitos no Brasil”. Arabi, Abhner Youssif Mota et al. (Org.). Constituição da República 30 anos depois: uma análise prática da eficiência dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 77-92. Disponível em https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/01-30%20anos.pdf?d=637003468120043922 ↩︎
- Watanabe, Kazuo. “Acesso à justiça e sociedade moderna”. Dinamarco, Cândido Rangel; Grinover, Ada Pellegrini; Watanabe, Kazuo. Participação e Processo. São Paulo: RT, 1988, p. 128. ↩︎
- Cappelletti, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 67-73. ↩︎
- Toffoli, José Antônio Dias. “Acesso à justiça na Constituição de 1988 e métodos adequados de resolução e conflitos no Brasil”. Arabi, Abhner Youssif Mota et al. (Org.). Constituição da República 30 anos depois: uma análise prática da eficiência dos direitos fundamentais, op, cit. ↩︎
- Ibidem. ↩︎
- STJ, REsp 1.531.131/AC, Quarta Turma, Relator Ministro Marco Buzzi, DJe de 15/12/2017. ↩︎
- Ustárroz, Daniel. Direito civil pelo STJ. Porto Alegre: Editorial R.P.F., 2022, p. 139-140. ↩︎
- Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Meta 9: implantação da agenda Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/agenda-2030/meta-9-do-poder–judiciario. ↩︎
- CNJ. “Corregedoria Nacional regulamenta adjudicação compulsória de imóveis por cartórios”. Publicado em 15.09.2023. Disponível em https://www.cnj.jus.br/corregedoria-nacional-regulamenta-adjudicacao-
compulsoria-de-imoveis-via-cartorios/ ↩︎ - Silva, Giovana Rasia da; Monte, Luiza Brasil do. “A Adjudicação Compulsória Inversa”. Santos, Lourdes Helena Rocha dos; Castro, Fabio Caprio de (Org.). Temas Atuais em Direito Imobiliário 2020. Porto Alegre: Santos Silveiro, p. 135-152. Disponível em: https://santossilveiro.com.br/programacao/ebook/6b058bd4-41e7-4100-a000-9281f301d1b1.pdf ↩︎
- Paiva, João Pedro Lamana; Burtet, Tiago Machado. “Adjudicação Compulsória Extrajudicial”. Registro de Imóveis 1ª Zona de Porto Alegre. Disponível em https://www.1ripoa.com.br/adjudicacao-compulsoria-extrajudicial/ ↩︎
- Ibidem. ↩︎
- Paiva, João Pedro Lamana. “Regulamentação da Adjudicação Compulsória Extrajudicial pelo CNJ de acordo com o Provimento nº 150/2023, incorporado ao Provimento nº 149/2023”. Anoreg. Publicado
em 29,09.2023. Disponível em https://anoregrs.org.br/2023/09/29/regulamentacao-da-adjudicacao-
-compulsoria-extrajudicial-pelo-cnj-de-acordo-com-o-provimento-no-150-2023-incorporado-ao-provimento-no-149-2023-por-joao-pedro-lamana-paiva/ ↩︎ - Art. 216-B, § 3º, da Lei nº 6.015/1973. “À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio
em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.” ↩︎ - Paiva, João Pedro Lamana. “Regulamentação da Adjudicação Compulsória Extrajudicial pelo CNJ de acordo com o Provimento nº 150/2023, incorporado ao Provimento nº 149/2023”, op. cit. ↩︎
- Art. 440-AG. “Os direitos reais, ônus e gravames que não impeçam atos de disposição voluntária da propriedade não obstarão a adjudicação compulsória.” ↩︎
- Talamini, Eduardo. “Adjudicação compulsória extrajudicial: pressupostos, natureza e limites”. Revista de Processo, vol. 48, nº 336, 2023. p. 319-339. ↩︎
- Werner, Felipe Probst. “Os avanços da adjudicação compulsória extrajudicial após o provimento 150/23 do CNJ”. Migalhas. Publicado em 02.10.2023. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/394430/avancos-da-adjudicacao-compulsoria-extrajudicial ↩︎

