
Uma análise sobre a incidência do Stay Period nas ações de despejo por falta de pagamento segundo o recente posicionamento do STJ
Resumo
O presente artigo propõe uma análise sobre a incidência do Stay Period nas ações de
despejo por falta de pagamento contra a locatária em recuperação judicial. Propõe-se,
inicialmente, uma análise da questão a partir do direito de propriedade do locador, de
um lado, e do princípio de continuidade da empresa, de outro lado. Em seguida, coloca-
se em relevo o recente julgamento do REsp 2.171.089 pelo STJ, que consolidou
posicionamento sobre o tema, reconhecendo a primazia do direito de propriedade, com a
minoração dos prejuízos ao locador pela inadimplência dos locatícios. Ainda assim, o
artigo enfatiza o possível reconhecimento da essencialidade do imóvel locado, por parte
do juízo da recuperação judicial, para a continuidade da atividade empresarial da
locatária.
Introdução
O grande número de conflitos envolvendo relações locatícias tem impulsionado o
debate sobre medidas que equilibrem os direitos do locador e as garantias fundamentais
do locatário, especialmente no contexto das ações de despejo por falta de pagamento.
Neste contexto, situações que envolvem a recuperação judicial da empresa
locatária exigem um cuidado especial. Debate-se, por exemplo, a incidência, para fins
protetivos da locatária, do Stay Period 1 , previsto no art. 6º, §4, da Lei nº 11.101/2005 –
Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LREF) –, alterado pela Lei nº
14.112/2020. O Stay Period é um efeito decorrente da decretação da recuperação judicial, que impõe a suspensão de ações e execuções contra a recuperanda, por 180
dias, prorrogáveis por igual período, permitindo que ela negocie com seus credores e se
reorganize financeiramente.
A questão que o artigo examina é se o Stay Period produz efeitos inclusive para a
recuperanda enquanto locatária do imóvel onde desenvolve a sua atividade empresarial,
nos casos em que o proprietário pretende reavê-lo por meio de ação de despejo.
Recentemente, o julgamento do REsp nº 2.171.089 definiu as balizas para a
interpretação dessa questão e consolidou entendimento sobre o tema, trazendo notáveis
consequências para o mercado imobiliário e empresarial. Nesse sentido, propõe-se um
estudo sobre o Stay Period tomando como um marco interpretativo esta recente decisão.
Ainda, enfatiza-se a relevância de avaliação concreta em cada caso, especialmente
quanto à essencialidade do imóvel locado para a continuidade da atividade empresarial
da locatária durante o Stay Period.
1. Os efeitos do Stay Period incidem sobre as ações de despejo por falta de
pagamento?
O despejo é a medida judicial legalmente prevista em benefício do proprietário do
imóvel, conforme as hipóteses do art. 59 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991),
incluindo o término do contrato, uso indevido do imóvel, a necessidade de reparos
urgentes, o descumprimento de outras cláusulas contratuais e, o mais comumente, a
falta de pagamento dos valores locatícios pelo inquilino.
A pontual satisfação dos aluguéis é essencial para o equilíbrio do contrato
locatício, tanto é assim que o legislador conferiu tratamento específico para a ação de
despejo que tenha por causa de pedir a falta de pagamento. 2 Nesse sentido, entre as
providências que podem ser tomadas pelo proprietário do imóvel, em caso de
inadimplência dos aluguéis, está o ajuizamento de ação de despejo por falta de
pagamento – com ou sem pedido liminar – nos termos do art. 9º, III, da Lei nº 8.245/91,
a qual poderá ser cumulada com a cobrança dos valores não pagos, de acordo com o art.
62 da mesma Lei.
Caso a empresa locatária seja empresa recuperanda, e se pretenda conferir
celeridade ao processo, na hipótese de não haver garantia prevista no contrato de locação (fiança), poderá ser ajuizada ação de despejo por falta de pagamento com
pedido liminar de desocupação do imóvel, nos termos do art. 59, §1º, IX da Lei nº
8.245/91, sem cumulação com pedido de cobrança dos aluguéis inadimplidos – que
estaria sujeita aos efeitos da recuperação judicial do locatário, na forma do art. 6º, II, da
Lei nº 11.101/2005.
Por outro lado, a locatária em recuperação judicial – considerando o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o direito de reorganização da
recuperanda, de acordo com o art. 47 da Lei nº 11.101/2005, se sobrepõe ao direito de
propriedade –, poderá demonstrar a imprescindibilidade do imóvel locado ao
desenvolvimento da atividade econômica, requerendo, nos autos da recuperação
judicial, a sua declaração de essencialidade e a suspensão a ação de despejo 3 .
Diante das tensões sociais e econômicas que envolvem o despejo de inquilinos,
sobretudo em contextos de vulnerabilidade, surge o debate sobre os efeitos do Stay
Period para suspensão temporária da execução da ordem de despejo, como mecanismo
de proteção transitória à empresa locatária em recuperação judicial.
Nesse cenário, o instituto do Stay Period, também conhecido como um “período
de blindagem patrimonial” do locatário em recuperação judicial, acarreta incansáveis
debates jurídicos acerca de sua correta aplicação, mormente, em virtude da colisão de
interesses do locador e locatário.
Do ponto de vista teórico, no âmbito das relações locatícias, busca-se o equilíbrio
entre, de um lado, o direito de propriedade do locador, e, de outro, a proteção ao
locatário, em especial, quando se trata de empresa em recuperação judicial, onde se
pode suscitar o princípio da preservação da atividade empresarial.
Com efeito, a suspensão das ações e execuções contra o devedor, prevista no art.
6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, visa garantir um ambiente de estabilidade para a
superação da crise econômico-financeira e a continuidade das atividades empresariais,
sendo o Stay Period um reflexo da efetividade da função social da empresa e da
proteção aos interesses dos credores e trabalhadores. Além disso, ao adiar a desocupação compulsória, tal instituto permite que o locatário organize sua saída de
forma minimamente segura, com favorecimento à resolução consensual do conflito.
Em contrapartida, não se pode esquecer da natureza possessória da ação de
despejo por inadimplemento sem a cumulação com pedido de cobrança de aluguéis,
uma vez que a causa tem em vista, essencialmente, a retomada do imóvel ante o
descumprimento do pacto locatício. Nesse sentido, a demanda não configura meio de
satisfação de crédito, o que, em tese, afastaria a sua submissão à suspensão legal.
Diante desta questão, é indispensável observar o equilíbrio contratual da locação
celebrada com empresa que entra em recuperação judicial, devendo o locatário em
dificuldade econômico-financeira ter a oportunidade de se soerguer para preservar a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores. No entanto, tal proteção não pode ser ilimitada e ultrapassar
incondicionalmente os direitos do proprietário de imóvel locado à recuperanda.
Sob este enfoque, a incidência do Stay Period em ações de despejo levanta
preocupações quanto à limitação do exercício pleno do direito de propriedade. O atraso
na execução da ordem de desocupação representa uma restrição ao proprietário, que
permanece impedido de usar, dispor ou fruir economicamente de seu bem. Do ponto de
vista do proprietário locador, se essa limitação não estiver criteriosamente regulada, a
suspensão do contrato locatício pode gerar insegurança jurídica, afastar investimentos e
comprometer o equilíbrio contratual.
Dessa maneira, questiona-se se o Stay Period, nas ações de despejo de empresa
locatária em recuperação judicial, é cabível. Nesta primeira aproximação ao tema,
portanto, fica claro que a solução mais adequada, a partir de uma análise de cada caso,
repousa na ponderação frente aos princípios da propriedade e da preservação da
empresa, assegurando que o processo recuperacional não se converta em instrumento de
violação de direitos nem de perpetuação de desequilíbrios contratuais. Vejamos como o
STJ se posicionou recentemente frente a esta questão.
2. O impacto do REsp nº 2.171.089 nas relações locatícias e suas implicações
No julgamento do Recurso Especial nº 2.171.089 4 , a 3ª Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que as ações de despejo por inadimplemento não se suspendem
automaticamente com o deferimento do processamento da recuperação judicial da
locatária.
No caso em exame, o argumento central da recorrente, empresa devedora,
consistia em estender os efeitos suspensivos da recuperação judicial para abarcar a ação
de despejo, de modo a impedir a retomada do imóvel pelo locador enquanto pendente o
processo de reorganização empresarial.
O Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que o Stay Period tem
como objetivo preservar o patrimônio da empresa devedora para viabilizar a
apresentação e aprovação do plano de recuperação; não obstante, como o imóvel locado
não integra o patrimônio da recuperanda, a retomada do imóvel por meio de ação de
despejo não configura ato constritivo e não está sujeita à suspensão prevista na LREF.
A decisão que afastou o pedido de suspensão da ação de despejo apoiou-se em
três fundamentos centrais:
● Distinção entre medidas de cobrança e ações possessórias: o Stay Period da
LREF atinge apenas atos de constrição patrimonial, não alcançando ações de
despejo, que possuem natureza possessória e se vinculam a obrigações
contratuais próprias.
● Autonomia da Lei do Inquilinato: a especialidade da legislação locatícia impede
que se invoquem genericamente dispositivos da LREF para afastar a aplicação
direta da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
● Preservação da segurança jurídica e do direito do locador: a suspensão
indiscriminada das ações de despejo comprometeria a previsibilidade dos
contratos e o direito fundamental de propriedade.
Dessa maneira, a 3ª Turma do STJ firmou o entendimento de que, em regra,
o Stay Period não suspende a exigibilidade dos aluguéis vencidos após o pedido de
recuperação judicial, tampouco impede o prosseguimento da ação de despejo por falta de pagamento desses aluguéis. Com isso, a Corte estabeleceu, categoricamente, que a
recuperação judicial não pode servir como anteparo para o inadimplemento de
obrigações contratuais.
Em outras palavras, a decisão fundamenta-se em princípios centrais da Lei nº
8.245/91 (Lei do Inquilinato), da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e
Falências – LREF) e do Código de Processo Civil. De acordo com o julgamento, a ação
de despejo por inadimplemento de aluguéis não se enquadra nas hipóteses de suspensão
previstas no art. 6º da LREF, uma vez que o imóvel locado pertence ao locador e não
integra o patrimônio da empresa em recuperação. Dessa forma, o contrato de locação
confere apenas a posse direta, temporária e derivada ao devedor.
Com isso, o STJ adota postura de equilíbrio entre a proteção da empresa em
recuperação e os direitos do locador, isto é, a aplicação de critérios juridicamente
fundamentados e objetivos, demonstrando resistência a uma ampliação genérica do Stay
Period sem previsão legislativa clara ou elementos fáticos que justifiquem sua aplicação
excepcional.
Em consonância ao entendimento da Corte Superior, os Tribunais vêm
posicionando-se favoravelmente ao prosseguimento das ações de despejo por falta de
pagamento 5 . Exemplo disso são as recentes decisões do TJRS, dando destaque à
necessidade de comprovação robusta da essencialidade do imóvel ao desenvolvimento
da atividade econômica da locatária em recuperação judicial para possibilitar a
suspensão da ordem de retomada do bem.
Em Agravo de Instrumento 6 julgado recentemente pela 15ª Câmara Cível do
TJRS, no qual as partes haviam anteriormente celebrado acordo para a desocupação do
imóvel, com posterior descumprimento por parte do locatário, a decisão reconheceu que
“o descumprimento do acordo firmado entre as partes reforça a necessidade de
desocupação, especialmente diante do legítimo interesse do locador em retomar o
imóvel para suas atividades empresariais” 7 , provendo o recurso para restabelecer a decisão que deferiu a liminar de despejo. Ainda, a decisão enfatizou que “a recuperação
judicial da locatária não impede o cumprimento da ordem de despejo, pois a ação
possessória não se submete à competência do juízo universal da recuperação. (…) Além
disso, o fato de a empresa estar instalada no local há 58 anos e requerer prazo adicional
para desmobilização não constitui fundamento jurídico suficiente para obstar a medida
liminar concedida.” 8
Em outro caso envolvendo ação de despejo por falta de pagamento com cobrança
de aluguéis de empresa em recuperação judicial, também julgado pela 15ª Câmara Cível
do TJRS 9 , a decisão do Agravo de Instrumento corroborou expressamente o
entendimento do STJ: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que a ação de despejo não configura execução, mas sim direito possessório,
que não se submete ao juízo da recuperação judicial. Ademais, a alegação de
essencialidade do bem não se sustenta, pois não há comprovação de que a manutenção
do imóvel seja indispensável à atividade empresarial” 10 .
Como visto, o precedente do STJ, seguido do entendimento externado pelos
Tribunais, tem repercussões relevantes para o mercado imobiliário e empresarial.
Reafirma a proteção dos direitos dos locadores diante da inadimplência, mesmo em
contextos de recuperação judicial, restringindo a interpretação sobre a incidência do
Stay Period para fins de ampliação de garantias ao devedor.
Todavia, de acordo com o princípio da preservação da empresa, o afastamento da
incidência do Stay Period, poderá deixar totalmente desprotegida a empresa
recuperanda que exerce suas atividades econômicas essenciais no imóvel locado e, por
consequência disso, perca o local (ponto comercial) para o desenvolvimento da sua
atividade, em prejuízo de seu soerguimento – uma vez que sua própria condição
financeira abalada dificultará a busca de uma nova locação e a reestruturação do labor
em endereço diverso.
Dito isso, questiona-se qual o juízo competente para avaliar a essencialidade do
imóvel locado para a recuperanda. Esta decisão deverá ser buscada junto ao juízo da
própria recuperação judicial para que seja concedida a suspensão da ordem de despejo.
Nesse sentido, pontua o STJ no julgado: “Na ação de despejo por falta de
pagamento, (…), o bem cuja retomada se pretende não pertence ao devedor, de modo
que não se insere nas hipóteses de suspensão tratadas no artigo 6º, I, II e III, da Lei nº
11.101/2005. (…) Nesses casos, cabe ao juiz da recuperação judicial definir se o bem é
ou não de capital e se é essencial para a continuidade da atividade empresarial, mas a
sua competência se restringe ao período de blindagem.” 11 .
A título de exemplo, mencionamos a decisão proferida pela mesma 15ª Câmara
Cível do TJRS 12 , que reconheceu, enquanto juízo da recuperação judicial, a
essencialidade de imóvel no qual as recuperandas exerciam atividade laboral, com base
no princípio de preservação da empresa, justamente porque o local consistia em um
posto de gasolina. De acordo com a decisão: “no lote em questão existe toda estrutura
para o funcionamento de um posto de gasolina. (…) Isto é, o imóvel em exame é um dos
locais aonde as recuperandas desenvolvem suas atividades empresariais, de sorte que a
manutenção da decisão singular pode ocasionar a derrocada financeira do grupo em tela,
atentando contra o objetivo e o fim almejado pelo instituto da recuperação judicial” 13 .
Inclusive, é de grande relevância a apuração da real situação financeira do
locatário para o adimplemento dos aluguéis vincendos, a fim de sopesar os prejuízos das
partes frente à eventual decisão que suspenda a ordem de despejo. Como destaca a
decisão do STJ, cabe observar, especialmente, a existência de: (1) prejuízo condominial
e fiscal ante o inadimplemento do contrato locatício, especialmente quando há encargos
vencidos após o pedido de recuperação judicial, “o que implica não somente prejuízo
para o proprietário como para os demais condôminos do complexo lojista”; (2) o
locador, na maior parte dos casos, diversamente dos empregados e fornecedores, pode
não ter interesse em prosseguir com a relação locatícia.
Ou seja, será primordial a avaliação do caso concreto, com a análise das condições
financeiras do locatário, da atividade desempenhada no local e do montante inadimplido
de aluguéis para que seja mensurada a possibilidade de suspensão da ordem de despejo,
a fim de salvaguardar os interesses do locador, com a contenção de prejuízos.
Por todo o exposto, é possível afirmar que o entendimento do STJ busca equilibrar
a proteção ao direito de propriedade do locador com os objetivos da recuperação
judicial, evitando que o Stay Period seja utilizado como defesa para o inadimplemento
de obrigações correntes essenciais à manutenção dos contratos.

Considerações finais
A análise da incidência do Stay Period no âmbito das ações de despejo, revela a
complexidade das situações em que a empresa locatária entra em recuperação judicial.
De um lado, encontra-se o exercício do direito à propriedade do locador; de outro, o
princípio da continuidade da empresa, fundamental para que ela tenha uma
possibilidade efetiva de reorganização patrimonial e, assim, dê continuidade à sua
atividade.
Vimos como o recente julgamento do REsp 2.171.089 pelo Superior Tribunal de
Justiça trouxe uma importante baliza hermenêutica para esse tipo de conflito. Como o
imóvel locado não é da propriedade da locatária, não incidem os efeitos do Stay Period
como forma de suspensão da ação de despejo. Prevalece, portanto, o direito de
propriedade do locador.
No entanto, essa prevalência não é absoluta. Em vista do princípio da
continuidade da empresa e de acordo com uma análise casuística, é possível que a
locatária recuperanda busque junto ao juízo da recuperação judicial o reconhecimento
da essencialidade do imóvel para a sua atividade comercial e, assim, obtenha a
permanência no ponto comercial por prazo fixado, a fim de se reorganizar
financeiramente. Por certo, a possibilidade desse reconhecimento é reforçada caso as
condições econômicas concretas revelem a perspectiva de um desfecho positivo para a
recuperanda.
Assim, a aplicação do Stay Period às ações de despejo por falta de pagamento
deve ser orientada por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e proteção à função
social do contrato, evitando tanto a inviabilização da atividade empresarial quanto a
perpetuação do inadimplemento injustificado.