
A força das emoções: Estratégias eficazes na resolução de conflitos
Resumo
Para que a negociação seja exitosa, é preciso levar em consideração a dimensão emocional de seus participantes. A negociação é muito mais do que uma articulação estritamente racional. Seres humanos não são computadores. Além de interesses concretos, também as emoções dos negociantes entram em jogo. Com o objetivo de focar nesse aspecto das negociações, a Escola de Harvard propõe um modelo composto de interesses relacionados à disposição para negociar: o apreço, a associação, a autonomia, o status e a função gratificante. Nosso objetivo com o presente artigo é analisar cada um desses interesses, mostrando a sua importância na resolução de conflitos, especialmente no âmbito imobiliário.
Introdução
A negociação é um fato da vida. Todos os dias nós, gostando ou não, temos que negociar. A negociação está presente nas questões do nosso cotidiano, nas relações com os nossos familiares, colegas de trabalho e, por óbvio, nas relações profissionais e societárias, em que podemos citar uma infinidade de exemplos relacionados à necessidade de negociar.
Ocorre que, muitas vezes, as conversas e reuniões que visam resolver determinada situação entre os envolvidos acabam sendo frustradas. Alguns problemas que pareciam, à primeira vista, fáceis de se resolver não são solucionados. Os envolvidos se enervam, a comunicação se perde, gerando outros conflitos e até mesmo o afastamento entre as partes.
Essa espiral negativa pode ocorrer em negociações no ramo imobiliário, por exemplo, quando se discutem as cláusulas contratuais sobre as quais as partes divergem; a responsabilidade sobre vícios construtivos em unidades imobiliárias e áreas condominiais; procedimentos relacionados à retomada de obras, assim como em problemas condominiais diversos.
O que nem sempre é levado em consideração é que a abordagem correta na negociação, utilizando as melhores ferramentas e estratégias para resolver conflitos, pode gerar ganhos incalculáveis para os negociadores. Com essa perspectiva, trazemos o que há de mais moderno nas técnicas de negociação para auxiliar na resolução de conflitos de forma pacífica.
Seguindo as lições da Escola de Negociação de Harvard, abordamos um tema pouco falado, mas de grande resultado prático, que é a força das emoções na resolução de conflitos. Vamos tratar da importância de aprender a encorajar emoções proveitosas nas pessoas com quem negociamos – e em nós mesmos – e como isso faz toda a diferença no final das contas. Nesse sentido, apresentamos aquilo que os autores da Escola de Harvard chamam de “05 principais interesses”, responsáveis por muitas ou pela maioria das emoções em uma negociação, o que pode ser perfeitamente aplicado aos conflitos tratados no âmbito imobiliário.
A negociação é um processo que envolve razão e emoção. A ideia muito comum de que devemos deixar de lado a emoção ao negociar constitui uma falsa premissa, a qual pode gerar prejuízos na comunicação entre as partes e uma negociação com um nível de resolução insatisfatório.
A negociação é muito mais do que uma articulação estritamente racional. Seres humanos não são computadores. Além de terem interesses concretos, as emoções dos negociantes estão em jogo.1 Não podemos parar por completo nossos pensamentos, assim como não podemos simplesmente desligar nossos estados afetivos e nossas emoções. O desafio é aprender a encorajar emoções proveitosas nas pessoas com quem negociamos – e em nós mesmos.
Em uma negociação, uma emoção positiva em relação à outra pessoa provavelmente criará uma ligação, auxiliará a construir uma relação com boa vontade, compreensão e empatia. Por outro lado, raiva, frustração e outras emoções negativas são pessoalmente incômodas e menos viáveis para estabelecer uma ligação.
Embora as emoções sejam vistas, em geral, como obstáculos – e com razão –, elas também podem ser um grande ativo. Podemos utilizá-las na concretização do objetivo da negociação, definindo vias criativas para satisfazer os interesses em jogo ou otimizar os recursos para a resolução de um conflito.
As emoções positivas são essenciais em qualquer tipo de negociação porque trazem três benefícios importantes:
- As emoções positivas facilitam a concretização dos interesses substantivos. Elas transformam adversários em colegas. As partes ficam mais abertas a ouvir e conhecer os interesses recíprocos e antagônicos, o que possibilita um resultado mais satisfatório para todos e, portanto, um acordo mais estável ao longo do tempo.
- As emoções positivas otimizam os relacionamentos. Elas trazem a satisfação característica das interações pessoais e permitem aproveitar a experiência da negociação e um senso de companheirismo. Nesse caso, as partes conversam confortavelmente, sem receio de ataques pessoais.
- As emoções positivas não aumentam necessariamente a vulnerabilidade a investidas hostis. Embora elas ajudem a produzir acordos mutuamente satisfatórios, corre-se o risco de se sentir tão à vontade a ponto de fazer concessões insensatas e agir com confiança excessiva. Não se recomenda a inibição de emoções positivas, mas é preciso considerá-las racionalmente antes de tomar decisões.
| Principais Interesses | O Interesse é Ignorado Quando… | O Interesse é Atendido Quando… |
| Apreço | Os pensamentos, sentimentos e ações são depreciados. | Os pensamentos, sentimentos e ações são reconhecidos e valorizados. |
| Associação | O negociador é tratado como um adversário e afastado. | O negociador é tratado como um colega. |
| Autonomia | A liberdade para tomar decisões é cerceada. | Há liberdade para decidir questões importantes. |
| Status | A posição relativa do negociador é considerada inferior. | A posição do negociador é conceituada e apreciada. |
| Função Gratificante | A função e as atividades do negociador não são gratificantes do ponto de vista pessoal. | O negociador se sente gratificado em sua função e suas atividades. |
Os autores da Escola de Harvard, Roger Fisher e Daniel Shapiro, afirmam que em uma negociação devemos direcionar nossa atenção para os “05 principais interesses”, responsáveis por muitas ou pela maioria das emoções em uma negociação. Mas, o que são interesses, segundo os autores? Os interesses são os nossos desejos e preocupações, são nossos motivadores, como uma força oculta por detrás das posições tomadas. Se a posição do negociador é algo sobre o que ele decidiu, seus interesses são o que o levaram a tomar esta decisão.2
Os denominados 05 interesses que estimulam muitas emoções, positivas e negativas, durante uma negociação são apreço, associação, autonomia, status e função gratificante.
Esses interesses formam o núcleo dos grandes desafios emocionais experienciados pelos negociadores. Então, ao invés de sentir-se impotente diante dessas sensações, o negociador pode reorientar a sua perspectiva, na busca por caminhos que estimulem as emoções positivas e superem as negativas.
Para os autores, esses interesses são universais e é possível mobilizá-los a qualquer tempo. Como indicado na tabela abaixo3, cada interesse está relacionado com o modo como o negociador se posiciona em relação ao outro e como ele mesmo se vê.
1. O apreço: o poder da escuta, da compreensão e da comunicação
O primeiro interesse a ser observado pelos negociadores é o apreço, caracterizado por compreender e identificar o mérito nos pensamentos, sentimentos e ações das pessoas – e expressar isso. O apreço é um interesse essencial e essa importância está no seu efeito sobre quem recebe o apreço. De CEOs a professores de educação infantil, de diplomatas a operários da construção civil, todos querem sentir-se apreciados.
Os efeitos do apreço são simples e diretos. Nossa estima se valoriza mais ou menos como ocorre no mercado de ações. Ficamos mais dispostos a escutar e mais motivados a cooperar. É mais provável que se chegue a um acordo sensato quando as partes envolvidas na negociação demonstram apreço mútuo em vez de se sentirem depreciadas.
Na maioria das negociações, três grandes obstáculos inibem sentimentos mútuos de apreço. O primeiro deles ocorre quando não compreendemos o ponto de vista dos interlocutores. Defendemos nossas opiniões, mas não entendemos os argumentos dos outros. Enquanto eles falam, nossa mente foca nas ideias que queremos comunicar. Quando não são ouvidos, eles não se sentem compreendidos.
Em segundo lugar, muitas vezes quando discordamos do que a outra pessoa está dizendo, terminamos por criticar o mérito dos argumentos e das suas ações. Geralmente, procuramos os pontos fracos nos argumentos que escutamos e ignoramos o mérito deles. Ademais, é muito comum a adesão à premissa de que parte do trabalho do negociador consiste em rebaixar o outro lado. No entanto, todos veem o mundo através de suas lentes pessoais e se sentem desvalorizados quando sua versão não é reconhecida ou é descartada.
O terceiro obstáculo ocorre nos casos em que não comunicamos o mérito que identificamos nos pensamentos, sentimentos e ações das outras pessoas. Quando só ouvimos críticas dos interlocutores às nossas ideias, pensamos que nossa mensagem e o seu mérito não foram compreendidos.
No âmbito das questões imobiliárias, podemos citar, por exemplo, as discussões relacionadas aos vícios construtivos de empreendimentos. Discussões relacionadas a este tema, atualmente, inundam o Poder Judiciário e apresentam um desafio, tanto para o jurídico interno de construtoras/incorporadoras, como também para os condôminos, síndicos e, ainda, para os advogados das partes. A frustração de uma negociação pode levar a anos de batalha judicial, com perdas para ambos os lados. Muitas vezes, o custo (tempo e financeiro) de uma demanda será prejudicial para os envolvidos independentemente do resultado da ação.
Não é raro observarmos ocasiões em que o negociador, o representante de cada lado, busca rebater de pronto os argumentos e as situações fáticas e jurídicas postas pelo negociante. Este desapreço pelo mérito do que é veiculado por uma das partes acaba gerando emoções negativas, que em nada contribuem para um desfecho favorável na negociação.
O primeiro ponto, portanto, é ouvir atentamente o que outro lado tem a dizer, demonstrar consideração e apreço pelo que é expressado. Isso fará com que no início da negociação já se desperte uma emoção positiva, que poderá ser importante na busca de uma solução consensual para o conflito. Mas é importante sublinhar que, ao demonstrarmos apreço pelo que o outro negociador disse, não estamos necessariamente concordando com ele.
Expressar apreço constitui uma atitude de base, que se reflete em três dimensões:
i) Compreender o ponto de vista dos interlocutores: As principais ferramentas da compreensão dialogal são a nossa capacidade de escutar e de fazer boas perguntas. Muitas pessoas acham que só se consegue entender a sua visão de mundo se elas a explicarem diretamente ao interlocutor. Então, é fundamental prepararmo-nos para ouvir. O processo de compreensão não se restringe a ouvir cada uma das palavras ditas. É importante que o ouvinte assimile o ambiente, o clima, o caráter, a atmosfera e o tom emocional que contextualizam as palavras. Além da letra, é importante ouvir a “música”.
ii) Identificar o mérito nos seus pensamentos, sentimentos e ações: Devemos procurar valor no que as outras pessoas pensam, sentem e fazem. Mesmo que discordemos da opinião de alguém sobre uma questão, isso não impede que busquemos compreender as motivações de sua visão de mundo. Ao discordarmos veementemente de alguém, podemos fazer a tentativa de atuarmos como um mediador. Nessa função, não julgamos quem está certo ou errado, mas definimos o mérito de todos os argumentos.
iii) Comunicar sua compreensão: Geralmente, as pessoas escutam pouco quando estão esperando sua vez de falar. Escutar não é uma postura passiva, mas ativa. É preciso concentrar-se. Primeiro deve-se escutar, para depois demonstrar que aquilo que foi dito, de fato, foi escutado. Há pessoas que se sentem ignoradas até que o outro demonstre efetivamente que as compreende.
Voltemos ao exemplo envolvendo vícios construtivos. Pode acontecer de um dos lados relatar, por exemplo, um vício construtivo, enquanto o outro lado discorda, por entender que o problema está relacionado com a falta de manutenção. Ao demonstrarmos apreço pelo que o outro tem a dizer, estamos reconhecendo a sua autoridade para, futuramente, decidir sobre aceitar ou recusar uma proposta de acordo. A negociação poderá continuar para uma investigação maior da situação com ambos os lados mais dispostos a ouvir. Nesse sentido, aconselha-se a preparação de uma lista de “boas perguntas” para conhecer as perspectivas da outra parte na negociação e investigar o problema.
Para compreender a perspectiva do outro lado da mesa de negociação, é importante fazer perguntas abertas. Ou seja, promover investigações honestas. Essas perguntas devem estimular o interlocutor a falar sobre o que ele acha importante.
Podemos atuar, inclusive, ajudando as pessoas a identificarem o mérito nos seus pensamentos, sentimentos e ações, como no exemplo a seguir: “Talvez não tenha sido suficientemente claro quanto à minha perspectiva. Você acha minhas opiniões sobre essas questões relevantes e persuasivas? Por quê?”.
2. A associação: construindo uma relação de coleguismo e proximidade
Como interesse nas negociações, a associação indica a possível ligação entre as partes negociantes. Quando nos sentimos associados a uma pessoa ou grupo, quase não percebemos a distância emocional que nos separa deles. A sensação é de proximidade.
Quando nos sentimos associados, fica muito mais fácil colaborar. Passamos a ver nosso interlocutor não como um estranho, mas como um membro da família. Tendemos a cuidar das outras pessoas, proteger seus interesses e zelar pelo seu bem-estar. Há menos resistência diante de novas ideias e mais abertura a novas perspectivas. A lealdade inspira honestidade e a busca por um acordo mutuamente benéfico, intensificando nosso comprometimento com a execução dos termos pactuados.
Para desenvolver o sentimento de associação, antes de negociar, pode-se buscar por afinidades com outro negociador. Para descobrir conexões estruturais, podemos fazer perguntas a colegas que o conheçam, obter seu currículo e pesquisar a seu respeito na internet.
Ao encontrar a outra pessoa, pode-se iniciar uma conversa sincera sobre alguma das afinidades que conectam ambos: idade, nível hierárquico, família, hobbies, esportes, times de futebol etc.
Desde o início, o outro negociador deve ser tratado como colega. Não devemos permitir que a suposta estrutura de negociação – baseada no senso comum sobre como negociadores devem se comportar – limite a capacidade de ser construtivo.
Muitas vezes, nós advogados somos chamados para atuar em casos em que algum dos lados alega que a outra parte infringiu uma cláusula contratual, travando-se uma série de discussões sobre a relação estabelecida. Para exemplificar, citamos a situação de um contrato entre o dono de um terreno e a construtora Y, em que o vendedor seria remunerado pela permuta de unidades, mas o empreendimento não foi iniciado, após considerável tempo de contratação. A construtora Y alega que não iniciou a construção por motivos alheios à sua vontade e o dono do terreno, insatisfeito com a situação, contrata um advogado. Este profissional poderá optar por ajuizar uma demanda para buscar uma decisão do juiz ou árbitro, seja para que a construtora faça o empreendimento e entregue suas unidades imobiliárias, seja para o desfazimento do negócio. Enquanto uma decisão judicial ou arbitral dará provimento ou não ao pedido x, uma solução negociada pode focar diretamente no interesse das partes e, ao final, sem ganhadores e perdedores, a solução pode apresentar ganhos mútuos aos envolvidos.
Desde o início da negociação, é importante buscarmos criar afinidades com o outro negociador. Algumas iniciativas são: i) promover um encontro em um ambiente informal; ii) fazer uma apresentação informal, permitindo que o outro negociador nos chame pelo nome; iii) destacar que a tarefa é uma questão compartilhada; e iv) evitar dominar a conversa, permitindo que a outra parte expresse suas ideias.
Uma tática importante para estabelecer conexões pessoais é priorizar contatos pessoais em vez de usar telefone, computador ou e-mail. Quando se conhece alguém pessoalmente, afastam-se os ruídos típicos da comunicação à distância. Além disso, se já conhecemos o outro negociador pessoalmente, o distanciamento assume uma outra posição e podemos continuar a desenvolver a associação, mesmo que as próximas interações não sejam presenciais. Isso porque já teremos captado aspectos fundamentais do lado humano da outra pessoa, o que facilita a compreensão do seu tom de voz pelo telefone e o significado das suas palavras em uma mensagem.
Contudo, caso haja divergências, é mais eficiente lidar com elas diretamente do que por uma série de e-mails. Os indivíduos comunicam seus sentimentos por meio de linguagem corporal, pelo tom de voz e do conteúdo da mensagem. Durante uma reunião pessoal, o volume da sua voz pode aumentar ou diminuir para indicar a intensidade dos seus sentimentos, não há esse tipo de controle em um e-mail.
Essa interação pessoal pode propiciar, por exemplo, a realização de uma sessão de brainstorming concebida para produzir o máximo de ideias possíveis para resolver um problema. A regra de ouro nesse tipo de ocasião é adiar qualquer crítica ou avaliação das ideias.4
No caso citado, de um conflito entre o dono do terreno e a empresa construtora, em uma sessão de brainstorming, poderiam surgir soluções alternativas, como, por exemplo, a cessão da incorporação do empreendimento para outra empresa ou o pagamento ao proprietário do terreno de forma diversa daquilo que estava previsto contratualmente, isto é, com a dação em pagamento de outros imóveis da incorporadora.
É importante referir que quanto mais forte for a associação com uma pessoa, maior será a nossa tendência instintiva a dizer sim a todos os pedidos dela. Isso pode colocar-nos em posição vulnerável. Uma associação forte, sem uma reflexão racional e prudente, pode levar a decisões erradas. É no equilíbrio entre nossas emoções e nossa razão que desenvolveremos, adequadamente, nossa associação com o negociador ou advogado da parte contrária.5
3. A autonomia: a importância do respeito às outras perspectivas
Todos querem ter um nível adequado de autonomia. Como negociadores, é um interesse fundamental que estejamos preparados para lidar com problemas se a nossa decisão, com efeitos sobre a outra pessoa, tiver alguma destas respostas: “Não concordei com isso!”, “Não fui consultado!” e “Nem fui informado!”.
Costumamos ficar ofendidos quando limitam o escopo de nossa autonomia de modo inadequado. Em se tratando de autonomia, um passo em falso pode arruinar toda a negociação. Então, para estimular emoções positivas, é preciso: i) ampliar nossa autonomia; e ii) evitar restringir a autonomia da outra pessoa.
Uma forma de ampliar nossa autonomia, mesmo que não tenhamos autoridade para decidir, é fazendo recomendações a alguém, apresentando opções antes de as decisões serem tomadas.
A capacidade de influenciar uma negociação não depende da autoridade necessária para tomar decisões definitivas. Com um brainstorming, é possível deliberar sobre as vias para alcançar um objetivo, ou seja, concebemos decisões que poderão ser tomadas posteriormente. Isso é mais viável quando não temos o poder de estabelecer compromissos e, portanto, podemos falar à vontade. Nesse caso, as partes envolvidas podem pensar “fora da caixa”. Em quase todas as negociações, é útil separar os momentos de definição de opções e da decisão.
Um exemplo no ramo imobiliário, em que a negociação é fundamental para evitar um longo litígio, é aquele relacionado à paralisação das obras pelo incorporador. Não é raro nos defrontarmos com obras paralisadas em função de o construtor não ter mais a capacidade de prosseguir com a construção por dificuldades financeiras. Com isso, surge um oceano de dúvidas, angústias e opções aos adquirentes.
A Lei nº 4.591/64, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias, possibilita, por exemplo, a destituição do incorporador pela vontade da maioria dos condôminos. Tratando-se de um movimento coletivo, a verdade é que os adquirentes não têm autonomia individual para a tomada de uma decisão como essa. De nada adianta que o convencimento para destituição do incorporador seja isolado ou de um grupo não representativo de compradores, pois a Lei é clara em estabelecer um quórum mínimo, de metade mais um dos compradores (inciso VI do art. 43 da Lei nº 4.591/64) para afastar o incorporador faltoso, manifestado em assembleia convocada pelos adquirentes. Portanto, na negociação entre os próprios adquirentes, o poder de convencimento para esse movimento é o verdadeiro protagonista.
Nesse cenário, cada um dos adquirentes e seus procuradores têm a possibilidade de aumentar sua autonomia quanto a decisão de afastar ou não a referida construtora em caso de paralisação das obras. Isto é, podem promover reuniões prévias para debate da situação e levantamento das opções existentes, no estilo de um brainstorming, sem tolher a autonomia dos demais adquirentes, que podem, eventualmente, ser resistentes à destituição do incorporador faltoso.
Nesse processo de possível destituição do incorporador, é importante que os líderes fiquem sempre atentos ao seu comportamento para não restringir a autonomia das outras pessoas. Quanto mais os envolvidos se sentirem escutados, maior a tendência para concordarem com a decisão. Ao excluir pessoas, corremos o risco de restringir a sua autonomia e potencializar sua raiva e ressentimento, que poderão ocasionar prejuízos posteriormente.
Além disso, a questão relacionada à paralisação das obras não termina na decisão de afastamento do construtor. A partir daí devem ser tomadas uma série de outras decisões relacionadas à seleção do construtor substituto, o eventual aporte financeiro pelos adquirentes. Para tanto, a coesão do grupo será fundamental. Quanto maior for o número de adquirentes aderentes ao projeto, mais eficiente será o processo de conclusão das obras.
Para essas situações, há o seguinte lema: “Sempre Consulte Antes de Decidir” – SCAD. A consulta antes da decisão faz com que a pessoa (no caso o adquirente) se sinta incluída no processo de tomada de decisão e, ainda, possa obter mais informações com a consulta.
Uma dica é pedir feedback dos interessados sobre as decisões que serão tomadas. Por exemplo, cria-se um sistema por meio do qual os interessados podem enviar suas sugestões para um e-mail central, colocar recomendações em uma caixa de sugestões ou encaminhar suas ideias para um agente específico.
4. O status: a importância de valorizar as expertises dos negociadores
O status indica a nossa posição em relação à posição das outras pessoas. Quando nosso status é minimizado, tendemos a sentir-nos constrangidos, envergonhados e frustrados. Por isso, recomenda-se que todos os negociadores sejam tratados com cortesia – seja qual for o seu status social. Todo negociador tem um status elevado como ser humano e deve ser tratado com dignidade e respeito.
A cortesia é a expressão honesta de respeito pela pessoa com quem se está interagindo. Em vez de competir pela posição de negociador “alfa”, todos podem ter um status superior em algum campo específico de conhecimento ou experiência. Com um pouco de criatividade, encontram-se as áreas onde se tem um status superior e as áreas onde os outros têm esse status.
Pedir por uma orientação é uma forma eficaz de reconhecer o status elevado de outra pessoa sem diminuir o seu próprio status.
Por exemplo, caso estejamos negociando os termos de um contrato de empreitada, na condição de advogado, podemos (e devemos) reconhecer o status elevado dos negociadores que têm expertise em engenharia.
Nesse tipo de contrato, as visões são complementares, entre profissionais da área jurídica e da construção, de modo que cada profissional tem seu status específico. Na condição de advogado, pode-se ter o status aumentado em virtude da reputação naquele tipo de contratação.
Em resumo, descobrir pontos fortes pode demorar um pouco, mas eles existem em todos nós. Com um pouco de preparação, podemos identificar e aperfeiçoar áreas de alto status e desenvolver novas áreas a fim de promover negociações mais eficazes.
Como cada indivíduo tem várias áreas de status elevado, ninguém precisa competir por status. Na negociação exemplificada acima, o profissional da área jurídica não precisa competir com o status dos outros profissionais com expertise em engenharia. A combinação entre o know how de cada um dos negociadores pode produzir um contrato mais eficiente.
5. A função gratificante: a busca por um propósito e significado pessoal
Enquanto os primeiros 04 interesses se referem à relação com o(s) outro(s) negociador(es), o quinto interesse trata da relação do negociador consigo mesmo, isto é, com o seu papel na negociação.
Todos querem exercer uma função pessoalmente gratificante. Em uma negociação, um papel desempenhado de modo insatisfatório pode causar ressentimento, raiva e frustração. Para evitar que isso ocorra, é preciso buscar um propósito claro e um significado pessoal. Podemos adaptar praticamente qualquer papel para deixá-lo mais gratificante, considerando o significado que extraímos da situação.
Um exemplo, no ramo imobiliário, onde se mostra fundamental a escolha de um papel gratificante é nos conflitos condominiais. Em todo condomínio há algum tipo de conflito, seja entre condôminos, seja entre condomínio e construtor, ou, ainda, com prestadores de serviço etc. Nesses casos, o síndico e outros condôminos seguidamente estão envolvidos.
O síndico, profissional ou não, possui alta relevância na vida condominial. E, certamente, ele pode conduzir de diferentes formas os conflitos que surgem no condomínio. Se o síndico entender que a sua missão é a de que todos os condôminos tenham uma vida melhor, ou seja, compreender que existe um propósito maior na condução dos seus trabalhos, certamente, será um melhor resolvedor de conflitos.
Para os condôminos em conflito condominial, assumir um papel mais pacificador e proativo pode, também, gerar uma série de ganhos, mesmo que aquele conflito não os envolva diretamente.
Em uma negociação, é importante definir como executar nossas tarefas. Temos liberdade para ampliar as atividades do nosso papel. Em quase todos os papéis, há aspectos monótonos, frustrantes e demorados. A escolha de um papel gratificante, bem como os outros interesses acima explorados, são pontos que devemos sempre ter em mente quando estamos em uma negociação.
Considerações finais
A capacidade de negociar e encontrar soluções consensuais é fundamental para qualquer profissional. Aprender as técnicas e ferramentas de negociação auxiliam a resolver qualquer tipo de conflito. Nesse âmbito, procuramos explorar como lidar com as emoções durante uma negociação. O papel humano na negociação é crucial, não há qualquer tecnologia que substituirá a sensibilidade do negociador. Como visto, temos que prestar especial atenção ao campo das emoções durante uma negociação.
É fundamental o papel da escuta. O negociador tem que ser um bom ouvinte. E, ainda, demonstrar que ouviu o que foi dito pelo outro negociador. Além disso, a construção de uma boa relação com o outro negociador é altamente relevante. A criação de afinidades é importante para estreitar a confiança, podendo facilitar e muito a finalização de um conflito através de uma solução negociada. Igualmente, é preciso desenvolver a atenção aos interesses dos outros negociadores, para que não se sintam com a autonomia tolhida, ou ao menos, para que se sintam escutados no processo de decisão. Por fim, como vimos, são interesses fundamentais para uma boa negociação o reconhecimento do status dos demais negociadores e a escolha de um papel na negociação que seja gratificante.
- Fisher, Roger; Shapiro, Daniel. Além da Razão. Trad. Igor Farias. Rio de Janeiro: Ata Books, 2019, p. 04. ↩︎
- Fisher, Roger; Ury, William. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Trad. Ricardo Vasques Vieira. Rio de Janeiro: Solomon, 2014, p. 57-58. ↩︎
- Tabela extraída de: Fisher, Roger; Shapiro, Daniel. Além da Razão, op. cit., p. 16. ↩︎
- Fisher, Roger; Ury, William. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões, op. cit. ↩︎
- Fisher, Roger; Shapiro, Daniel. Além da Razão, op. cit., p. 67. ↩︎
